Da barriga escondida à Rihanna: a evolução da moda gestante

Como os looks de Rihanna sinalizam uma mudança na imagem e roupas para mulheres grávidas?


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Foto: Getty Images



É pouco provável que você ainda não tenha visto alguma foto de Rihanna grávida. A cantora e empresária deixou sua gestação à mostra pela primeira vez no início de fevereiro, enquanto passeava com o parceiro, o rapper A$AP Rocky. De calça jeans de cintura baixa, usava um casaco esportivo rosa longo e desabotoado na região da barriga, adornada por colares longos de pérolas e pedras.

Desde então, não foram poucas as imagens – e looks – de Riri, seu boy e futuro baby. Ontem mesmo, só deu ela no desfile de inverno 2022 da Dior, em Paris. Para a ocasião, escolheu um vestido transparente, calcinha, sutiã e casaco de couro, tudo preto e, claro, tudo da grife francesa. Dias antes, em Milão, foi ao desfile da Gucci com um conjuntinho de calça de veludo, top estruturado e casaco de pelúcia roxo. Isso sem falar nos várias bodies com vazados frontais combinado à calça jeans, vestidos de malhas com cut-outs e os badulaques e body chains, que ela já usava antes da gestação, mas que agora ganha mais uma utilidade: enfeitar e evidenciar a barriga.

Há quem diga que Rihanna está fazendo uma revolução. “Ela tem mostrado que não é porque está grávida que sua personalidade mudou”, opina Carla Lemos, criadora da consultoria Modices e autora do livro Use a Moda a Seu Favor. “Isso acaba sendo um estímulo, porque temos poucas referências não convencionais de moda gestante. A cantora é importante para mostrar que grávida também pode ser high fashion.”

Rihanna e A$AP Rocky no desfile da Gucci, em Mil\u00e3o.

Rihanna e A$AP Rocky no desfile da Gucci, em Milão.Foto: Getty Images

Essa não é a primeira vez que a cantora faz um statement sobre gestação. Em 2018, o casting do desfile Savage x Fenty, marca de lingerie de Rihanna, tinha uma modelo grávida com um conjunto revelador – tão grávida que, de acordo com o TMZ, ela deu à luz pouco depois do show. “Ela tirou essa perspectiva de que a mulher grávida é santa, casta. Como se ela não tivesse mais desejos nem mais vontade de se sentir sexy”, comenta Carla.

Outras mães famosas conseguiram caminhar por caminhos similares. Katy Perry continuou usando seus looks divertidos e coloridos mesmo enquanto esperava seu primeiro filho. Kim Kardashian também não abriu mão de roupas justas e sensuais durante a gestação de North. Porém, nem sempre as mulheres grávidas podem desfilar suas barrigas sem abrir mão da própria identidade.

“Antes, quando a mulher engravidava, ela abria mão da própria estética para virar mãe”, fala Fernanda Binotti, modelista e professora de modelagem da FAAP. “A sociedade faz essa transformação em que a mulher deixa de ser um indivíduo e se torna a mãe de alguém. Ela acaba assumindo esse papel e sendo cobrada por isso.”

Um lugar para a barriga

Ao longo da história, a gravidez sempre foi escondida. Seja por espartilhos ou por vestidos amplos. “Era uma prova de que teria ocorrido relação sexual entre um homem e uma mulher, mesmo casada”, afirma Francisca Dantas Mendes, professora associada de têxtil e moda da EACH-USP.

No século 13, roupas largas e aventais com amarrações disfarçavam a gestação, enquanto durante o Renascimento, mulheres grávidas ficavam reclusas. No período barroco, as gestantes se apropriaram da tendência da época, um recorte logo abaixo do busto com tecido esvoaçante e franzido, para abrigar a barriga. No final do século 19, o espartilho apertado, com cintura finíssima, estava em alta. As grávidas usavam o acessório para esconder a gestação e, quando já não conseguiam apertá-lo o bastante, escondiam-se em casa, longe do convívio social. “Roupas próprias para corpos gestantes era considerado inadmissível”, diz Francisca.

Até os anos 1950, as mulheres procuravam se aproveitar do que era moda na época para se sentir bem durante a gestação. Em 1960, começaram a surgir peças específicas para gestantes. “As silhuetas das saias e vestidos em formato de A apresentavam pregas frontais que se abriam levemente para acomodar a barriga, proporcionando conforto e beleza até os últimos meses de gravidez”, conta a professora da USP. Houve, ainda, uma mudança comportamental: as mulheres se sentiram à vontade para terem vida social com a ajuda de celebridades como Grace Kelly, Jacqueline Kennedy e Elizabeth Taylor, que apareciam na imprensa e eventos mesmo com a barriga proeminente.

Grace Kelly.

Grace Kelly.Foto: Reprodução

Leila Diniz.

Leila Diniz.Foto: Reprodução

Maiôs também foram pensados para as mulheres grávidas ficarem confortáveis nas praias. Isso não quer dizer, no entanto, que a barriga podia ficar à mostra. Antes de Rihanna, Leila Diniz ajudou muita gente encarar uma mulher grávida como… mulher. Nos anos 1970, a socialite mostrou seu barrigão em um biquíni numa praia do Rio de Janeiro. A foto foi um escândalo, mas lançou uma tendência. “Legiões de seguidoras passaram a usar biquínis durante a gestação”, fala Francisca.

A moda para gestante consolidou-se, de acordo com a especialista, nos anos 1990. “Quando foram desenvolvidos ‘looks’ criativos e elaborados fugindo do óbvio da delicadeza feminina. O design da moda desejado valorizou e evidenciou as formas do corpo feminino”, afirma Francisca. Foi naquela década que Demi Moore apareceu gravidíssima, nua, na capa da Vanity Fair. “Surgiram, então, os nus de gestantes, que permitiram exposições sexy com a valorização das novas curvas.”

De 2010 para cá, a moda para grávidas se limitou majoritariamente a camisões, leggings e calças adaptadas. Para Fernanda Binotti, o maior avanço dos últimos dez anos foi uma maior preocupação com a praticidade e o conforto da mulher grávida. Tudo muito bom, mas nada semelhante ao que a Rihanna tem usado e, segundo a modelista e professora, está na hora das marcas especializadas darem um passo adiante.

Grávida também é gente

Antes de engravidar, a publicitária Bruna Fernandes, 28, gostava de usar peças divertidas com pegada esportiva. “Meus looks sempre foram muito coloridos e sensuais”, diz. Seu amado guarda-roupa ficou intocado desde que a barriga ficou maior, aos 6 meses de gestação. Desde então, sobrevive aos dias de trabalho e de passeios nos fins de semana com leggings e camisetões.

“Gosto de usar a calça justinha, mas é chato quando esta é a única opção que tenho”, explica. “As roupas voltadas para gestantes, por sua vez, não tem nada a ver comigo. São sempre muito amplas e em cores como azul, cinza, branco. É muito difícil me identificar com algo que vejo em lojas especializadas. É como se a gestante tivesse que abrir mão de qualquer marcador de estilo que tivesse antes disso. Do ponto de vista de estilo, não tenho me sentido como eu mesma.”

Bruna não está sozinha nessa história. De acordo com uma pesquisa do Sistema de Informação da Atenção Básica, três milhões de mulheres ficam grávidas anualmente no Brasil. Segundo o Censo 2010, 83 milhões de mulheres tiveram filhos no país, sendo que o maior número pertenciam às faixas etárias de 10 a 19 anos e também às faixas de 20 a 29 anos. São mulheres jovens que acompanham as tendências da moda e que, por falta de oferta, acabam usando roupas para não gestantes.

 

A psicóloga Bárbara Paiva, 31, acabou de ter seu segundo filho. Ela gosta de se arrumar e vestir peças diferentes, mas seu guarda-roupa ficou muito restrito durante as duas gestações. “Nesta última, engordei 20kg, minha vida foi usar legging porque não tinha opções. Cheguei a comprar um adaptador de calça, mas era uma porcaria”, diz ela.

Bárbara não investiu em roupas de gestantes, pois achava o caimento esquisito e as ofertas, limitadas e diferente de seu gosto. “Era tudo meio carola, uma coisa meio mãezinha. Tinha aquela manguinha de camiseta babylook, no máximo uma regata larga. Tudo mais solto, comprido”, diz a psicóloga. Ela sentia ainda que as peças não contemplavam o tamanho do seu corpo. “No meu aniversário, estava grávida e queria usar uma roupa bonita. Mas as peças mais ajeitadinhas eram feitas para pessoas muito magras que estavam gestantes.” Por isso, não comprou roupas para grávidas em nenhuma de suas gestações.

“O erro começa quando o mercado da moda não atende plenamente a mulher grávida”, fala Carla Lemos. “Assim que ela engravida, a maioria das marcas a expulsam, já não tentam mais se conectar com elas. A moda feminina é uma parte muito importante do mercado. Como ele não atende a todas as vivências das mulheres? Principalmente uma parte tão presente na vida da maioria da população feminina?”

Uma das razões do desinteresse no diálogo com gestantes tem a ver com a forma física e com a representação da gravidez no imaginário popular. “Há o conceito de que a gravidez traz transformações que deixam a pessoa feia, gorda ou ”, opina Francisca. Além disso, há a questão da interpretação das gestantes como figuras castas.

 

É aí que Rihanna entra em cena. “A mulher engravidava e tinha que ter recato, pudor, manter o corpo mais coberto. Agora, você é mãe e não precisar mudar nada. As mulheres deixaram de se sentir desconfortáveis em marcar a barriga, em usar um decote”, diz Fernanda. “Com a expansão do mercado de trabalho feminino, do empoderamento da mulher e da sua representatividade na sociedade, percebe-se a sua afirmação na escolha de seu estilo de se vestir em todos os momentos de sua vida”, continua Francisca.

O problema, contudo, é a tendência em encaixar perfis de consumidores em caixas, ou padrões pré-estabelecidos. Por isso, as roupas para gestantes costumam ser tão básicas, com poucas informações de moda. Como se, ao engravidar, a mulher deixasse de gostar de roupas coloridas ou looks transparentes. “Rihanna consegue continuar usando as mesmas roupas porque ela tem um alfaiate que as adapta para ela. Mas e a mulher não tem acesso a uma equipe?”, questiona Carla.

A sorte é que a tecnologia têxtil está do lado das mulheres. “As matérias-primas têxteis evoluíram o suficiente para atender as necessidades de estética e conforto das consumidoras. Os tecidos de malha colaboram com a elasticidade, fornecendo conforto e estética adequadas conforme a barriga evolui”, diz Francisca. Falta só as marcas – e não só as especializadas – aproveitarem isso para ir além da funcionalidade da moda gestante e trazer tendências, para que as mulheres possam expressar suas individualidades e estética durante a gravidez.

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