Dança se entrelaça à roupa em estudo ancestral de Mônica Anjos
Estreia da estilista baiana na Casa de Criadores é marcada por texturas e atemporalidade extraídas da obra da coreógrafa Mercedes Baptista, primeira negra do corpo de baile do Thetro Municipal do Rio.
Tratar de ancestralidade negra na moda não se resume apenas a costurar elementos iconográficos da cultura afro-brasileira. Mônica Anjos provou, em seu desfile de estreia na Casa de Criadores, que o trabalho de personagens-chave na construção da identidade nacional podem, e deveriam, também ser adaptados para a roupa.
No vídeo-desfile exibido na segunda-feira (26), o movimento dos ombros e a leveza dos passos da coreógrafa e bailarina Mercedes Baptista (1921-2014) podiam ser vistos nas modelagens, nos detalhes texturizados em macramê e nos contornos gráficos que serviram de estampa para as peças.
Neste ano em que se comemora o centenário da artista, primeira mulher negra a conseguir furar o véu racista da elite brasileira para entrar no corpo de baile do Theatro Municipal do Rio, no final dos anos 1940, a coleção presta homenagem ao legado de Baptista ao considerar a gestualidade pioneira dela uma ferramenta de estudo.
O ritmo do corpo inspirado nos terreiros de candomblé, cujos movimentos ela implementou no classicismo da dança, não serviram apenas como peça visual para a bailarina Nadir Nóbrega performar na apresentação, mas como ponto de partida para os volumes nos ombros, para as cinturas, ora marcadas, ora envelopadas, e no detalhismo das aplicações de telas feitas à mão.
É como se a estilista quisesse transportar para os seis looks apresentados pelos modelos o viés performático e ancestral da obra de Baptista. Embaladas por uma trilha que misturava o Cântico para Oxum e os atabaques do toque sagrado Avamunha, as peças exibiam nós e amarrações cujo efeito guardam relação com o desenho que os braços fazem no ar durante a dança.
Apoiada em uma cartela de tons crus, na qual uma das poucas intervenções de cor é a terracota que tinge um dos vestidos, Mônica Anjos trata do conceito de atemporalidade, de algo que não se esvai no tempo, assim como a relevância do personagem do qual extrai inspiração.
No final do vídeo, uma menina escreve no chão a mensagem implícita, “parem de nos matar”, que tanto pode ser lida pelo prisma da escalada de violência física contra negros no país, quanto pela tentativa de apagamento de sua herança cultural.
Trata-se de uma coleção essencialmente brasileira, um misto de africanidade interseccionada com referências à moda eurocêntrica que os olhos já se acostumaram e ver. Mas o trunfo de Anjos é colocar em primeiro plano a riqueza intrincada na ancestralidade do país sem cair na obviedade, dando-lhe nova roupagem à prova do tempo.
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