Paulo Borges fala sobre os 30 anos da SPFW
A SPFW completa 30 anos em 2025. Em antecipação ao marco histórico, seu idealizador e diretor, Paulo Borges, compartilha suas percepções sobre os ciclos da moda.

Quando Paulo Borges lançou o que hoje é a São Paulo Fashion Week, em 1995, o discurso era o de que não se tratava de um evento, e nem de um evento exclusivamente de moda. Outro ponto importante era que nascia ali um projeto de 30 anos.
Vamos por partes: não era só um evento, pois o objetivo era organizar indústria, criadores e mercado nacionais dentro de um calendário de lançamento, mais ou menos como acontece nas fashion weeks internacionais. Não por mimetismo colonialista, e sim por coesão e expressão coletiva.
A proposta ia além da moda, porque era diferente de uma feira voltada ao consumo, a exemplo da Fenit (Feira Nacional da Indústria Têxtil). Já sobre o longo prazo, bom… Não se faz nada do dia para noite, muito menos sozinho.
Ao longo de três décadas, a semana de moda paulista foi essencial para a projeção e o crescimento do setor e seus profissionais. Entre altos e baixos, dor e glória, a SPFW completa seu deadline inicial em 2025. A seguir, Paulo Borges faz um balanço do que já foi, é e pode ser.
Nos anos 1970 e 80, estilistas já haviam se reunido em grupos para ganhar mais visibilidade, e a indústria têxtil também articulou eventos para fortalecer o setor e o consumo nacional. O que a SPFW fez de diferente?
Em 1992, fui chamado pela agência de modelos Elite para fazer a final do concurso Look of the Year, no Palace. Falei que faria se fosse do meu jeito, só com roupas de jovens designers brasileiros. Quem patrocinava era o Phytoervas, da Cristiana Arcangeli. Depois do desfile, ela quis me conhecer porque gostou do que viu na passarela. Ela me perguntou: “Onde eu compro?” Eu disse que não comprava: “São criadores novos que não conseguem crescer, pois falta espaço”. Ela ficou ainda mais interessada, falou que tinha adorado fazer um evento de moda e, se um dia eu tivesse um evento meu, ela patrocinaria. Em 1993, nasceu o primeiro Phytoervas Fashion – já com o Alexandre (Herchcovitch), Walter (Rodrigues), Fause (Haten). Ali, percebi que começava a surgir um interesse coletivo. A gente precisava construir uma cultura de moda. Era necessário trazer conhecimento sobre o assunto – como funciona, quando é, o que é, como faz, como comunica, como vende e, principalmente, quem faz. Mas a decisão de fazer um calendário de moda veio quando a Cristiana quis transformar o Phytoervas Fashion em um grande evento no Ginásio do Ibirapuera – o que hoje até seria bacana.
Vocês não tentaram fazer isso recentemente com o Festival SPFW+?
Sim, porque hoje (Paulo dá ênfase à palavra) seria bacana. Antigamente, ainda não havia cultura de moda. No primeiro semestre de 1995, fiz a primeira edição do calendário de moda. No fim de outubro, vendi o patrocínio para o Shopping Morumbi por dez anos. Mas só deu certo porque todo mundo queria fazer: os estilistas, as agências de modelo, os maquiadores, os editores, os compradores. Todo mundo se engajou e aprendeu junto: stylists, diretores de desfiles, jornalistas. Foi uma cadeia construída conjuntamente, um movimento coletivo, sem o qual não haveria a transformação.
“É uma loucura as pessoas acharem que a Casa da Moeda brasileira é a SPFW.”
Essa coletividade está mais frágil? Está cada um por si?
Não sei se está cada um por si. Acho que tem circunstâncias que colocam as pessoas em situações solitárias. Quando a gente está numa sala e todo mundo vive as mesmas condições, trata as mesmas questões, a resposta coletiva é mais perceptível, mais forte. Quando está cada um num canto, com dinâmicas de vida e de negócio separadas, as reações são particulares, diferentes. Quando a moda quis crescer, quis se esgarçar, vender e produzir em todos os cantos do mundo, ser mais rápida, perdeu um pouco do conceito de coletividade. As pessoas começaram a escolher o ritmo e o volume de produção, se querem ou não ter lojas, quantos pontos de venda terão, se é presencial, se é digital. Isso também é maravilhoso. Abriu novas possibilidades e visões. Mas existem demandas e necessidades compartilhadas – do fornecimento de matéria-prima à questão fiscal – que podem ser mais bem negociadas coletivamente. Aí é que está a fragilidade. É onde sempre esteve. A questão fiscal, por exemplo, é uma loucura. Cada estado tem a sua própria lei. A moda é uma indústria multiplataforma. Não é como a automobilística, com um número específico de fornecedores: um faz o motor, outro faz o pneu, a lataria, o vidro, a lanterna. A produção de moda está cada vez mais plural e dinâmica. O problema é que seus agentes não se coordenam. Pelo menos, não pensando no todo. Eles podem se organizar para se protegerem da concorrência, essas coisas. Vide o que aconteceu com a nossa indústria têxtil. O Brasil já foi o melhor produtor de algodão, de linho, de denim, de seda. Por outro lado, nossas marcas seguem firmes, se não melhores. Há 40 anos, ninguém pensava que uma marca brasileira poderia sair do Brasil. Em 2000, já se acreditava nisso – algumas, aliás, começaram a ir para fora, mas não conseguiram se estabelecer. Agora, temos mais marcas brasileiras no exterior e bem estabelecidas, embora ainda de maneira pequena e isolada. Então, sim, está andando, mas desorganizadamente. Poderia andar com uma melhor organização, com mais potência? Sem dúvida. Para isso, precisa de coesão, de um plano. Senão, é o que acontece hoje: quem pode mais põe loja em qualquer lugar do mundo, e quem poderia muito, mas não tem dinheiro, fica onde está – e vai continuar assim o resto da vida se nada mudar. Uma matéria publicada na revista Piauí mostra o incômodo de alguns estilistas com as restrições de patrocínio impostas pelo evento.
Como funciona essa comunicação com as marcas?
Quando estava para lançar a SPFW, a semana de moda de Nova York tinha dois, três anos. Na época, me fizeram a proposta de adotar um modelo similar ao de lá. Funcionava assim: você quer desfilar? Então paga 5 mil dólares para ter o seu nome no line-up. Aí, você tem três horas para usar a sala. A sala pequena custa 10, a média custa 15, a grande custa 20 mil dólares. E você paga som, luz, estrutura. Imagina, se fosse dessa forma aqui. Nunca teríamos Alexandre, Fause, Walter, Ronaldo (Fraga). Só teria Zoomp, Ellus, M. Officer, Forum, Iódice. E eles não precisavam de um calendário de moda. Podiam continuar fazendo seus próprios eventos. Eu tinha aprendido com o Phytoervas Fashion que, sim, era possível ter um patrocínio, desde que isso pudesse dar visibilidade às marcas, para que elas se sentissem inseridas no contexto e aquilo fosse importante para a sua estratégia. Depois, veio o Morumbi Fashion, que virou SPFW, que sempre foi feita com patrocínio. É uma loucura as pessoas acharem que a Casa da Moeda brasileira é a SPFW. Além disso, sempre soube que teria de comprometer uma parte desse orçamento para ajudar os estilistas. Isso era importante. No começo, a gente fazia de um jeito que, na época, era tributariamente possível: oferecíamos vouchers aos participantes. Tinha voucher para contratar modelos, maquiador, cabeleireiro, trilha. Nos limitamos a essas áreas, pois já dávamos todo o resto com qualidade. E, para ter um ciclo de qualidade completo, precisa de boas modelos, boa maquiagem, boa trilha. Depois, a gente passou a contribuir com uma verba transferida diretamente para o estilista. Entendemos também que, a partir de determinado momento, algumas marcas não precisavam mais do apoio por já estarem estruturadas. Isso é posto desde o início. É um manual, está escrito. Então, me surpreende o Airon (Martin, diretor de criação da Misci) dizer que o evento não tem como oferecer patrocínio. Se uma empresa de beleza coloca 1 milhão para pagar todo mundo, não dá para comprometer esse contrato para que uma marca do mesmo setor pague 50 mil para ajudar apenas um.
“Nos anos 1990, a gente tinha uma necessidade de encontrar um caminho para o negócio da moda se desenvolver no Brasil – um caminho econômico, cultural. Hoje vivemos coisas muito parecidas.”
Existe alguma regra para a seleção de quem recebe o auxílio financeiro?
Não. Existe uma relação que é anterior aos dias de hoje. Com base em análises atualizadas de tempos em tempos, estipulamos alguns valores para destinar aos estilistas. A partir dos últimos oito ou dez anos, no entanto, a realidade mudou e, para as marcas que foram entrando, eu já dizia: “Olha, não tem apoio. Se tiver, vai ser 10, 15, 20 mil reais. Depende do budget que eu fechar”. A pessoa já entra sabendo que pode não ter apoio adicional. A cada edição, olho o orçamento para saber o que é possível a gente reservar, como distribuo esse valor e para quem.
Você sempre disse que a SPFW era um projeto de 30 anos. Esse prazo se completa em 2025. Como você avalia essa trajetória em relação ao que vivemos hoje?
Nos anos 1990, a gente tinha uma necessidade de encontrar um caminho para o negócio da moda se desenvolver no Brasil – um caminho econômico, cultural. Hoje vivemos coisas muito parecidas. A gente tinha um esgarçamento econômico, a gente tinha um esgarçamento da democracia, do sistema capitalista. E a moda, naquele tempo, era mais uma festa do que mercado. Havia um distanciamento entre a indústria e os criadores. As pessoas não se conheciam. A SPFW foi importante para fazer essas pontes. Esse processo de conexão é um pouco do que sinto falta. As pessoas se desconectaram. Por razões distintas, modelos de negócio diferentes, processos outros. Não estamos vivendo tudo de novo, porque temos outros componentes de protagonismo. Ainda assim, o cenário político, econômico, social, as incertezas, as angústias são muito parecidos. A sensação é de que estamos nos movimentando em círculo, e não em espiral. Como se a gente tivesse voltado para morder o próprio rabo.
Este texto foi publicado no Volume 16 da ELLE Brasil impressa, em maio de 2024.
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