Entrevista Sunnei: é assim que se faz

Rejeitando regras e convenções da indústria da moda, os designer Loris Messina e Simone Rizzo transformaram a marca italiana Sunnei em um case de sucesso diferente de tudo que existe no mercado. Na véspera do desfile que celebra os 10 anos da etiqueta, relembramos nossa entrevista com a dupla.


look do inverno 2023 da Sunnei.
Sunnei, inverno 2023. Foto: Divulgação



O desfile de inverno 2023 da Sunnei estava agendado para as 17 horas do dia 24 de fevereiro, em Milão. O local, porém, ninguém sabia. O endereço não constava em lugar nenhum, nem nas plataformas oficiais da semana de moda local. Convite físico? Coisa do passado. E isso é algo que a marca do francês Loris Messina e do italiano Simone Rizzo definitivamente não é.

A localização só chegou na véspera, por e-mail e com as seguintes informações: 1. Nessa temporada, não há lugares marcados nem fileiras. 2. Nossa equipe irá guiá-lo dentro do espaço e ajudá-lo a encontrar o melhor local para assistir ao show.

De fato, tinha mais a ver com show do que com desfile. Pelo menos no formato tradicional, ao qual estamos acostumados. Começa pela porta, no caso, um pequeno portão do novo QG expandido da grife. Não dá para dizer que tinha fila, pois era mais um aglomerado de gente, tipo entrada de boate, clube ou inferninho. O door policy idem. Não tinha lista, checagem de convite. “Estou liberando quem reconheço pelo rosto”, escutei, de longe, a pessoa responsável por controlar a entrada.

look do inverno 2023 da Sunnei.

Sunnei, inverno 2023. Foto: Divulgação

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Pronto, pensei, nunca vou entrar. Só falei com um assessor por e-mail. E aí ouço meu nome. O assessor, no caso, era o moço da porta. Do lado de dentro, em volta de uma passarela elevada, os convidados se espremiam onde dava. De repente, uma modelo – que, assim como os demais, era funcionária da empresa – caminha sobre as cabeças ainda confusas, se vira de costas e cai de braços abertos sobre as pessoas.

Parece simples, mas foi genial. Para os designers, os desfiles são experiências imersivas capazes de eliminar as barreiras tradicionais entre o observador e quem é observado. Numa temporada em que se falou muito sobre intimidade, sobre o valor do real acima do virtual, a Sunnei estreitou os laços com a plateia com emoção e confiança (imagina se ela não segura a modelo).

A cada estação, o objetivo é criar uma nova interação entre os convidados, os modelos e a locação. No verão 2023, a coleção que preenche as páginas a seguir teve a performance com gêmeos. Do nada, uma pessoa se levantava e caminhava até uma porta giratória na boca de cena. Quem saia do outro lado era seu gêmeo idêntico, com visual e atitude completamente diferentes. No inverno 2022, os modelos corriam na passarela, enquanto o público assistia tudo em câmera lenta em seus telefones.

A abordagem alternativa não se limita às apresentações. Fundada em 2015, a Sunnei nasceu da frustração de seus criadores com o que encontravam – ou não encontravam – no mercado italiano. A rejeição às convenções da indústria da moda vem de berço. Na criação, não existe a obsessão por novas peças a cada coleção. No lugar, há um processo de atualização e aprimoramento constante. Nas vendas e logísticas, o uso inteligente de tecnologia digital foi essencial para garantir a sobrevivência e o crescimento da etiqueta durante os meses mais duros da pandemia.

Os estilistas da marca italiana Sunnei, Simone Rizzo e Loris Messina.

Simone Rizzo e Loris Messina, diretores criativos da Sunnei. Foto: Divulgação

Em 2020, num momento em que todas as empresas estavam repensando suas estratégias comerciais, Simone e Loris lançaram o projeto Canvas. Era uma plataforma de realidade virtual para que seus compradores pudessem analisar e encomendar itens das novas coleções à distância, numa experiência bastante similar à presencial. E ainda era possível customizar algumas peças para melhor atender à demanda da clientela de cada loja. E sem impactar os custos e prazos do processo de produção.

Hoje os planos são outros: expandir o alcance da etiqueta para outros mercados e reduzir as coleções de quatro para duas ao ano. Chamadas de Master Collections, elas combinarão a linha principal e a pré-coleção a fim de simplificar o processo para seus 100 parceiros atacadistas e fornecedores.

É que, no fim de 2020, a Sunnei recebeu o investimento de 6 bilhões de euros do grupo húngaro Vanguards, acelerando e potencializando o crescimento da marca. Na época da transação, a receita anual era de pouco mais de 1 milhão de euros. A previsão para 2023 é de algo ligeiramente abaixo de 10 milhões de euros.

Pilha de bolsas da marca Sunnei.

Bolsas, Sunnei. Foto: Divulgação

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Diante de um futuro promissor, Loris e Simone falam à ELLE sobre as origens, os princípios e as particularidades da Sunnei.

Para começar, vocês podem contar como se conheceram?

Simone Rizzo: Nos conhecemos em Milão, há mais de dez anos, porque eu tinha visto algumas fotos de Loris.

Loris Messina: Eu tinha um site de fotos naquela época.

SR: Eu também trabalhava com isso, notícias e fotos de street style e passarela. A partir de nossas conversas, a Sunnei nasceu. Mais especificamente, num voo de volta de Nova York a Milão, no verão de 2015.

Vocês já tinham experiências em empresas de moda, ainda que não na criação. Elas serviram de orientação para o que queriam fazer?

SR: Nossas formações nos ajudaram a manter a mente aberta para tudo. Antes de dar à luz a Sunnei, trabalhamos em várias áreas, desde fotografia até compras e imprensa. Isso nos deu uma visão 360° do mercado.

LM: E a falta de experiência prévia em design nos levou a abordar esse trabalho sem nenhuma ideia preconcebida. Aprendemos tudo com a mão na massa, da seleção de tecidos à organização das provas de roupas antes do desfile. O que veio antes nos permitiu entender o que queremos, como nos mover e como pensar, em relação à comunidade que desejamos alcançar.

Foto de brinco da marca italiana Sunnei.

Brincos, Sunnei. Foto: Divulgação

A Sunnei sempre foi diferente do que se podia encontrar no mercado italiano. Quais eram suas percepções sobre as marcas da época?

SR: No início dos anos 2010, como dois jovens criativos, entendemos que estava faltando algo que viesse de Milão. Mas não tínhamos estratégia nenhuma. Apenas seguimos nossas intuições e começamos a desenvolver de acordo com a nossa necessidade e a dos nossos amigos.

Falando sobre a presença digital da Sunnei, como seus conhecimentos nessa área moldaram o funcionamento da marca?

LM: Foi tudo natural e não intencional. A Sunnei foi uma das primeiras marcas a investir em sua presença digital. Quando a fundamos, quase nenhuma outra empresa estava no Instagram. Mas tentamos, e essa jogada se mostrou essencial para reunir uma comunidade internacional ao nosso redor.

SR: Esse passo trouxe resultados inesperados, como a Coreia do Sul se tornando nosso primeiro mercado. Sempre agimos seguindo nossos próprios instintos, que continuam sendo o cerne de nossa abordagem até hoje.

Muita coisa mudou desde 2015. Como vocês enxergam a relação atual entre as mídias sociais e a moda?

SR: Achamos que o Instagram está ultrapassado. Vamos nos concentrar em outra coisa, especialmente misturando plataformas, o real com o virtual. Hoje em dia, as redes sociais são simplesmente um meio de conexão.

Camiseta da marca italiana Sunnei

Camiseta, Sunnei. Foto: Divulgação

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Vocês podem descrever o que é a estratégia Master Collections? Como ela se difere do que foi feito anteriormente?

SR: Percebemos que nossos compradores tinham necessidades diferenciadas de entrega. Queríamos quebrar as regras usuais e pensamos em nos concentrar nesse momento superespecial, em que os compradores podem ter a coleção entregue no momento certo, permitindo também que nossos fornecedores trabalhem da melhor maneira possível. 

LM: Deixamos de fora cerca de 15% da coleção, que são as peças mais especiais e elaboradas, que requerem um tempo de fabricação específico e têm preços distintos. Além disso, a longo prazo, também gostaríamos de limitar as chances de todos comprá-las, e assim mantê-las exclusivas para nossos principais parceiros ou nossos próprios canais.

Os desfiles da Sunnei sempre abordaram alguns aspectos da moda na sociedade e em nossas vidas. De onde vêm as ideias?

LM: Desde o início, sabíamos que a moda seria apenas uma entre as milhares de expressões que a Sunnei poderia ter. Agora, na verdade, temos também objetos de decoração, um canal de rádio…

SR: Queremos construir um modelo Sunnei, um formato só nosso, a empresa ideal para nós. Existem muitas histórias e cases de sucesso, mas eles não se encaixam na nossa maneira de fazer as coisas.

Este texto foi publicado no Volume 11 da ELLE Brasil impressa, em março de 2023.

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