Fabia Bercsek reestreia na Casa de Criadores em nova forma

25 anos depois de seu primeiro desfile na Casa de Criadores, a estilista Fabia Bercsek retorna ao evento após quase uma década longe da moda.


Fabia Bercsek retorna à Casa de Criadores.
Fabia Bercsek, em imagem gerada por inteligência artificial. Foto: Divulgação



A 56ª edição da Casa de Criadores começa amanhã (22.07) com a reestreia de Fabia Bercsek. Exatos 25 anos atrás, ela se lançava em carreira solo nesse mesmo evento. “Lembro de assistir a seu desfile de formatura, na (faculdade) Santa Marcelina, e ficar impressionado com a sofisticação das referências e como ela traduzia tudo aquilo em roupas”, diz André Hidalgo, idealizador e diretor da CdC.

Fabia se formou em 1999. No ano seguinte, já se dividia entre a própria marca e outras experiências profissionais – ela trabalhou com Alexandre Herchcovitch por três anos. Em 2001, foi convidada para integrar o line-up do Amni HotSpot, braço de novos talentos da São Paulo Fashion Week, aos moldes da CdC. Se apresentou por lá até 2005, quando migrou para a programação oficial da semana de moda paulista.

O estilo da marca Fabia Bercsek desafia descrições. É um mix punk-rock-romântico-lúdico-espiritual-esotérico-artesanal-feminino-artsy-onírico-à-la-David-Lynch, reflexo perfeito de seus muitos interesses. Se parece confuso, é mesmo. Mas fazia sentido. E sucesso.

Fabia Bercsek retorna à Casa de Criadores.

Fabia Bercsek, verão 2007. Foto: Getty Images

Fabia Bercsek retorna à Casa de Criadores.

Fabia Bercsek, inverno 2005. Foto: Getty Images

Leia mais: Tudo sobre a Casa de Criadores 56

O atacado foi conquistado rapidamente, no Brasil e em alguns pontos fora dele. A primeira loja abriu as portas em 2007, na Alameda Franca, no bairro dos Jardins. Em 2009, mudou para um casarão na Rua Bela Cintra, para abrigar também os ateliês de moda e arte. É que Fabia sempre pintou. Suas ilustrações estampavam com frequência suas roupas. “Ela desenha lindamente”, comenta André. “Tive uma casa noturna (o Clube Glória), que tinha uma pintura dela no teto.”

Fabia faz parte de uma geração de criadores que marcou a moda paulistana no início dos anos 2000. Muitos deles transitavam com naturalidade por outras searas criativas, como artes plásticas, música e audiovisual. Alguns até mudaram de carreira por completo. Ela quase.

A primeira virada de década dos anos 2000 foi especialmente interessante para a grife. Além do novo endereço, as peças da etiqueta ganhavam um número cada vez maior de admiradores. No final de 2009, uma ankle boot com tachas douradas ou prateadas virou o acessório mais desejado de clubbers, fashionistas e afins. Em janeiro do ano seguinte, a coleção de inverno 2010 foi considerada uma das melhores da estilista. Semanas após a apresentação, Fabia anunciou que fecharia sua loja e encerraria as atividades da marca.

Fabia Bercsek retorna à Casa de Criadores.

Mutante, Fabia Bercsek. Foto: Divulgação

“Não fazia mais sentido para mim e eu não me sentia bem fazendo aquilo”, fala Fabia. “Fui experienciar outros caminhos. Fiz figurinos para Deborah Colker e, depois, para a banda Teto Preto, com a (cantora, DJ e performer) Laura Dias.” Nesse período, não se distanciou absolutamente do mercado de moda. Em 2013, lançou um projeto autoral de peças básicas – moletons e camisetas – com interferências artísticas. Em 2014, colaborou com a Cravo e Canela, marca da qual se tornou diretora criativa. Ainda assim, algo parecia fora do lugar.

Em 2018, decidiu mergulhar de cabeça na arte. Fez as malas e mudou para Lisboa. “Fui para criar um repertório, estudar, entrar num processo de prática, de discurso artístico”, diz. “Fiquei cinco anos. Foi um processo intenso de construção e reconstrução. Você vai com uma imagem, uma ideia e, quando chega, é completamente diferente. Passei por um trabalho grande de reflexão sobre o ser, a vida, a arte, a criação, o consumo. Voltei em 2023, com uma estratégia, um pensamento e um healing, porque desenvolvi um verdadeiro processo de cura lá. E comecei de novo.”

A seguir, Fabia Bercsek conta mais sobre esse recomeço, seu novo modelo de negócio e o que esperar de seu próximo desfile.

Fabia Bercsek retorna à Casa de Criadores.

Genius hoodie, Fabia Bercsek. Foto: Divulgação

Quando você começou a pensar em voltar para moda?

Ainda estava em Portugal. Eu estou sempre pintando alguma coisa – eu mesma, minhas roupas –, e não consigo desperdiçar. Então, decidi juntar as duas frentes. Peguei tudo que encontrei pela frente, ressignifiquei e vendi para um cliente aqui, para outro ali. Quando voltei para o Brasil, decidi expandir essa ideia. Criei um site, fiz uma assinatura, na época BKF, e participei de alguns eventos de venda. Neles, vi que o negócio tinha potencial. Só que fiquei muito tempo longe. Queria sentir como estava o mercado e, quem sabe, ver se me adequaria. Consegui uma vaga de estilista na Ellus, e aquilo virou um monte de chaves na minha cabeça. Percebi que não poderia ficar lá por muito tempo. Apertei o botão do Big Brother e saí dois meses depois que entrei. Depois desse processo de choque, tive a certeza do caminho que precisava seguir.

Que caminho é esse?

Eu vou no Brás, no Bom Retiro, ou a alguma loja que descubro e me deparo com uma série de coisas que disparam um monte de ideias e conexões na minha mente. Vejo várias possibilidades de juntar isso com aquilo e fazer algo novo. E está tudo disponível lá, né? Se não vender, vai para onde? Descarte. Pego o que me desperta desejo e crio algo único, com expressão artística, com identidade e com uma história além da produção massificada.

Você trabalha apenas com peças novas?

Geralmente são peças novas. Não vou muito a brechós. Não uso muito vintage porque gosto da ideia do novo, de ressignificar o valor de coisas banais. Mas tem uns objetos, uns tecidos e umas quinquilharias de um acervo que mantenho há, sei lá, uns 10 anos. Pego algumas roupas do meu próprio armário também. Mas não tem arquivo da minha marca. Isso está guardado. Na verdade, não tem muito a ver com o meu passado, com o jeito como eu fazia moda, nem como estruturei minha empresa. Antes, era uma estrutura de confecção, a gente produzia tudo do zero. Era megalomaníaco. Não tenho condições físicas nem espirituais de fazer aquilo. Gosto de ser independente, de fazer eu mesma. Acho importante passar isso para o consumidor, para ele sentir que existe a possibilidade de dar um outro sentido ou sua própria cara àquela peça. Aliás, depois do desfile, vou começar a receber pedidos comissionados. Se a pessoa quiser trazer uma jaqueta, um moletom, podemos trabalhar em cima dela de maneira exclusiva. É uma coisa que me interessa muito.

Fabia Bercsek retorna à Casa de Criadores.

Dungeon #1, Fabia Bercsek. Foto: Divulgação

Leia mais: Na onda dos anos 2000, é mais do que hora de lembrar de Caio Gobbi

Aproveitando a deixa, você pretende comercializar o que vamos ver na passarela?

Sim, a gente precisa vender. Uma semana após o desfile, uma parte da coleção estará disponível online. Depois, vão rolar alguns eventos em lojas, como os que participei na House of Amapô e na The Curator no ano passado.

Você fechou sua marca antes do lançamento do Instagram. Desde então, as mídias sociais provocaram uma série de transformações em nossas vidas e na cultura. Como isso impactou seu processo criativo? Seu trabalho artístico é bem influenciado por tecnologias digitais.

A não materialidade do digital me encanta. Você não precisa de nada, a não ser sua ideia. As redes sociais potencializaram os poderes do ser, da opinião, da expressão. Mudaram muito os paradigmas na moda, na arte, em toda a sociedade. Eu fui aprendendo a ver e entender tudo isso. Quando lançaram o YouTube, fiquei maluca com os acessos de mundos, de janelas, de realidades. No início do Instagram, fiquei maluca de novo. Foi na época que eu saí da SPFW. Foi um ano em que meti o loco. Fiz filme, performance, apresentações online, trilhas sonoras, cantei. Fiz loucuras. Foi bem extremo, mas não me arrependo.

Quando eu estava em Portugal, já nos finalmente, tive vontade de contar minha história e criei um perfil no Instagram para isso. Chamei de vários nomes. Hoje está como @becausefabia. Foi a forma que encontrei para ter um arquivo e comercializar as peças novas. Memória é importante. É viva. Vive um pouco em vários momentos das nossas vidas, do nosso mundo. É o que temos como referência. São ferramentas para construir o presente – que é a única coisa sobre a qual a gente pode se alicerçar. Mas é importante não se aprisionar nas memórias. Nunca gostei de saudosismo. Tenho meus valores, minhas conquistas. Disponibilizei tudo online para eu mesma olhar e falar: “Puxa vida, que caminhada. Vamos continuar”.

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes