A trajetória de Jean Paul-Gaultier, mestre em quebrar tradições na passarela

O francês apelidado de L'enfant Terrible de la Mode anunciou a sua aposentadoria em 2020. Deixou um legado disruptivo e provocante baseado na diversidade, na performance e na sensualidade.


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Foto: ANNE-CHRISTINE POUJOULAT / Getty Images



Pupilo de Pierre Cardin, Jean Paul-Gaultier abandonou os estudos formais para se dedicar à moda e aprender na prática. Em 1976, apresentou a sua primeira coleção, mas sua marca própria só veio em 1982. O icônico espartilho usado por Madonna na turnê Blond Ambition, em 1990, foi desenhado por ele. Gaultier passou a atuar na alta-costura em 1997, chamando a atenção da Hermès, que o contratou como diretor criativo em 2003. Em 2020, anunciou a sua aposentadoria da moda, mas segue como embaixador da grife fundada por ele.

Acompanhe a sua trajetória a seguir:

A origem de Jean Paul-Gaultier

Conhecido como l’enfant terrible de la mode, ou a criança rebelde da moda, Jean Paul-Gaultier nasceu em 1952, no subúrbio parisiense de Arcueil. Desde os oito anos, já se interessava por moda e, quando estava para completar 18, saiu enviando seus croquis para vários ateliês. Na ocasião do seu aniversário, foi contratado pela casa Pierre Cardin, a pedido do fundador que se encantou pelo seus desenhos.

Foi lá que aprendeu sobre a arte formal do design. Ele ainda estava na escola e trabalhava após as aulas. Com notas baixas, acabou deixando os estudos acadêmicos. Pouco depois, passou pela Jacques Esterel, onde aprendeu muito sobre o que se tornaria sua assinatura, e, em seguida, para a grife de alta0costura Patou, retornando à Cardin em 1974, quando foi enviado para as Filipinas para representar a empresa.

A primeira coleção de Jean Paul-Gaultier

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Jean Paul-Gaultier quando apresentou a sua primeira coleção, em 1976 Foto: STAFF / Colaborador

Gaultier apresentou sua coleção de estréia em 1976, encorajado pelo então namorado Francis Menuge. A produção foi financiada com a ajuda de amigos e familiares, que também botaram a mão na massa. Ele conta em entrevistas que seu primo ajudava a tricotar suéters, o zelador do prédio costurava e Manuge desenhava os acessórios e cuidava dos arranjos comerciais.

O designer foi pioneiro em misturar jaquetas de motos com vestidos. Na sua estreia, uma modelo usava uma saia de tulê junto com a peça, o que se tornou um dos seus looks mais famosos. Outros pontos de vanguarda foram as silhuetas bem definidas (e fora do comum), a inspiração nos marinheiros e o teor não-binário das suas criações, mesmo se tratando de uma coleção feminina. Porém, foram necessários mais seis anos até que ele lançasse oficialmente a sua própria casa de moda.

Casa Jean Paul-Gaultier

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O primeiro desfile masculino de Jean Paul-Gaultier foi em 1984. Foto: Daniel SIMON / Getty Images

Com o apoio do consórcio japonês Kashiyama, Gaultier estabeleceu sua própria marca em 1982. O foco não era o luxo, mas refletir o que via nas ruas ao seu redor. Logo ganhou o apelido de “l’enfant terrible” devido à sua tendência de desafiar as visões da moda da época.

O tom iconoclasta, a androginia, a alfaiataria exagerada, as listras náuticas e a justaposição de símbolos culturas que aparentemente se opunham guiavam suas criações. Ele ainda causou furor ao vestir os modelos de sua primeira coleção masculina com saias médias, combinadas a botas de motoqueiro, em 1984, entre outras ousadias para o momento.

No ano seguinte, abriu sua primeira boutique no endereço 6 Rue Vivienne, em Paris, e contratou Martin Margiela como assistente de design. O belga ficou até 1987, quando decidiu abrir sua própria linha.

Jean Paul-Gaultier e Madonna

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Gaultier desenhou o icônico espartilho rosa com seios cônicos usados por Madonna na turnê Blond Ambition. Foto: Ron Galella, Ltd. / Colaborador

Em 1990, Gaultier dominou as manchetes ao criar o figurino da turnê Blond Ambition de Madonna. Os dois eram fãs do trabalho um do outro. A cantora telefonou pessoalmente para o estilista para convidá-lo para desenhar seus looks – o que, inicialmente, ele pensou se tratar de uma brincadeira da sua assistente. Ela era encantada pela maestria com que ele mesclava elementos tidos como femininos e masculinos.

Foram meses de colaboração até chegar no espartilho rosa com sutiãs cônicos usado por cima de calças de alfaiataria, look que elevou Gaultier ao estrelato e, hoje, figura entre os grandes designs da história. O formato do busto chamou a atenção por fugir do que era considerado belo para o corpo das mulheres naquele momento. Era desafiador, desafiava a lógica de usar o corset para agradar os homens. Essa proposta já havia aparecido em seu desfile de 1987, mas com Madonna e sua performance provocadora chegou a outro status.

A alegria do sucesso precisou dividir espaço com o luto quando, no mesmo ano, seu amor e parceiro de negócios Francis Menuge ficou gravemente doente e faleceu, vítima do HIV.

Jean Paul-Gaultier na alta costura

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Em 1997, Jean Paul-Gaultier apresentou a sua primeira coleção de alta costura. Foto: PIERRE VERDY / Colaborador

Em 1992, veio a Gaultier Jeans, uma linha de acessórios e outra de perfumes. Os frascos em formato de espartilhos e busto de marinheiro são tão característicos que chamam até mais atenção do que as próprias fragrâncias – que também são celebradas.

Jean Paul-Gaultier apresentou a sua primeira coleção de alta costura em 1997, com referências multiculturais. A atriz Nicole Kidman é uma das primeiras a adquirir uma das peças, abrindo alas para uma série de estrelas de alto escalão que usariam suas criações. Ele recebeu bastante aclamação da mídia nessa nova empreitada e, em 1998, a empresa teve um faturamento de 12,9 milhões de euro.

No ano seguinte, a Hermès anunciou a compra de 35 por cento de participação da marca de Gaultier, com um investimento de 15 milhões de dólares. Posteriormente, foram abertas boutiques da Gaultier na Europa, Oriente Médio e Ásia. O estilista definiu esse negócio como “casamento dos sonhos”.

Hermès, Diet Coke e outros projetos

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A coleção de inverno 2011 foi a última de Jean Paul-Gaultier na Hermès. Foto: PIERRE VERDY / Equipe

O encantamento da Hermès por Jean Paul-Gaultier era real e, em 2003, ele é anunciado diretor criativo da tradicional maison francesa. Seu antecessor era Martin Margiela, que havia sido seu primeiro assistente. Foram 7 anos de parceria de sucesso até sua saída, em 2010, pegando a todos de surpresa.

Nesse meio tempo, ele se juntou novamente a Madonna, em 2006, para desenhar os figurinos da turnê Confessions. Um dos destaques foi a roupa preta que mesclava itens de montaria com rendas e uma cartola. Em 2008, foi a vez da cantora australiana Kylie Minogue se apresentar com looks desenhados por ele.

O francês também foi figurinista de vários filmes, incluindo O Quinto Elemento (1997) e O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante (1989), além das parcerias com o diretor Pedro Almodovar nos filmes Kika (1994), Má Educação (2004) e A Pele que Habito (2011).

Ao sair da Hermès, passou a se dedicar a sua própria grife, mas sem abrir mão de novos projetos. Em 2011, se tornou diretor de criação da Diet Coke. Ele colaborou para campanhas publicitárias, eventos de varejo e novos projetos online. Também projetou edições limitadas de garrafas do refrigerante, seguindo os passos de Karl Lagerfeld, Roberto Cavalli, Matthew Williamson e Gianfranco Ferré. No mesmo ano, criou sua primeira coleção de lingerie em parceria com a La Perla.

Jean Paul Gaultier LAST SHOW

A partir de 2014, a grife Jean Paul Gaultier passou a trabalhar exclusivamente na linha de alta-costura, após decisão do próprio fundador de fechar suas marcas de ready-to-wear e moda masculina. A ideia era concentrar esforços na área, decisão que compensou. Seus desfiles eram sempre um dos mais aguardados da temporada de haute couture.

Em 2020, Gaultier anunciou a sua aposentadoria. A despedida foi na semana de moda de paris com Karlie Kloss, Bella e Gigi Hadid e outras tops na passarela. Sua musa Farida Khelfa, uma das primeiras modelos do norte da África a ter destaque na moda, muito graças ao estilista, também participou.

A direção criativa da maison foi assumida por Florence Tétier e, recentemente, foi anunciado o retorno da linha de ready-to-wear com equipes rotativas. Gaultier, em pessoa, mesmo aposentado, segue contratado da casa e atua como embaixador. Nada de se esconder dos holofotes após essa carreira revolucionária e inspiradora.

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