Maria Grazia Chiuri era uma mulher a mais em um cargo dominado por homens

Apesar de enfrentar críticas constantes, Maria Grazia Chiuri por nove anos teve um papel decisivo na história da Dior.


GettyImages 2202702847 1
Foto: Getty Images



Quando as luzes se apagaram para a estreia de Maria Grazia Chiuri na Dior, em setembro de 2016, algo histórico acontecia. A italiana, com passagens anteriores pela Fendi e Valentino, era a primeira mulher a assumir a direção criativa da marca francesa, fundada em 1946. As expectativas eram altas e muitas. Só que, certa de seu propósito, a estilista não estava interessada em atender a todas elas, algo que a cada temporada se tornaria mais notório. 

“Hoje, não basta só fazer um vestido inacreditável”, disse Chiuri, em novembro de 2023, em entrevista ao WWD. O inverno 2024 de alta-costura comprova. Em um segmento que costuma ser tomado por peças dramáticas, a designer olhou para os essenciais do guarda-roupa, como a regata com corte nadador, a calça de alfaiataria e o vestido coluna. Havia, sobretudo, um compromisso com a usabilidade da roupa. “As minhas criações não são menos bonitas, só são mais funcionais”, esclareceu ela àquela mesma reportagem.

A diretora compreendia, por experiência própria, o que suas clientes precisavam. Em algum nível, é como se estivesse criando para si mesma, mas não de maneira egoísta ou autocentrada. Existe uma dose de generosidade ao olhar para as mulheres que, como ela, podem ocupar cargos de alta responsabilidade, sem deixar de lado tarefas pessoais cotidianas, como a maternidade. 

maria grazia chiuri

Dior, inverno 2024 alta-costura. Foto: Getty Images

A proposta nunca significou uma redução do artesanato e dos padrões de qualidade das coleções. Com construções internas meticulosas e matérias-primas nobres, a camisa básica de Maria Grazia, por exemplo, é construída com as técnicas precisas de haute-couture, mas com a suavidade da moulage. Para a italiana e suas clientes, pouco importava que  olhares externos não fossem capazes de identificar tal preciosismo. Na verdade, habitava aí a eficácia de sua sedução: roupas relativamente cotidianas, feitas de formas luxuosas, discretas e longevas.

A mídia, porém, nunca foi convencida. Ao preferir um caminho discreto, menos afetado, a ausência de dramaticidade no trabalho de Chiuri era constantemente comparada às propostas megalomaníacas, extravagantes e juvenis de seus antecessores, como John Galliano e Raf Simons. A cada desfile, críticas à estilista eram uma certeza. 

“Mesmo que haja uma bela execução, Chiuri raramente surpreende. A sobriedade de suas roupas é entediante”, escreveu a jornalista Cathy Horyn, em 2020, em uma resenha publicada no The Cut. Vanessa Friedman, diretora de moda do The New York Times, concorda: “Falta a teatralidade e a fantasia que associamos a Dior”, como discorreu em texto daquele mesmo ano.

Acontece que a designer não se deixava intimidar. “Tenho muita certeza da minha direção. Não por não saber ouvir as críticas, mas por acreditar no que faço”, disse ao WWD. Sua segurança vinha da palavra de quem mais importa. “Quando entram na loja e experimentam as roupas, as clientes compram. Existe uma convergência entre visão, imagem e produto.” Os números são testemunhas: segundo relatório divulgado pelo site The Business of Fashion, a Dior saltou de uma receita de 2,2 bilhões de euros em 2017 para 6,6 bilhões em 2021. Ou seja, em apenas quatro anos, a etiqueta triplicou seu rendimento.

maria grazia chiuri

Dior, verão 2024 alta-costura. Foto: Getty Images

Mais recentemente, porém, diante de um cenário econômico desafiador, o crescimento da maison desacelerou. Dados financeiros do grupo LVMH, proprietário da maison francesa, indicam que, em 2024, a receita total do conglomerado foi de 84,7 bilhões de euros, representando um crescimento orgânico de apenas 1% em relação ao ano anterior. A holding não divulga os números individuais de suas grifes, mas o CEO Bernard Arnault expressou preocupação com o desenvolvimento da maison. Os acionistas sentiram a queda e, como é de costume do sistema, a roda girou. Na manhã desta quinta-feira (29.05), a Dior anunciou a saída de Maria Grazia Chiuri, após nove anos de parceria. 

O boato que corre pelo mercado é o de que Jonathan Anderson, nomeado em abril como diretor de criação da Dior Men, também irá assumir a linha feminina da etiqueta. Para os que sentiam falta da fantasia, a chegada do irlandês, responsável por uma revolução inteira na Loewe, pode ser bem-vinda do ponto de vista criativo. A contratação, no entanto, também significaria uma mulher a menos em um cargo dominado por homens. 

Se é isso que vai acontecer, teremos que esperar para ver. Por ora, fica o respeito a Maria Grazia que, mesmo em uma indústria um tanto sufocante, principalmente para elas, se manteve de pé, com a cabeça erguida. “O talento e a expertise do meu time e ateliês me permitiram dar vida a uma visão de moda dedicada a mulheres. Juntos, escrevemos um capítulo memorável do qual sou imensamente orgulhosa”, agradeceu ela em comunicado. É mesmo de se orgulhar. 

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes