Entenda como a Açude costura magia do Cariri e extrai beleza do semi-árido

Criada pela estilista Ana Beatriz Ribeiro, a neolabel cearense valoriza a cultura local por meio do slow fashion e do olhar sensível da fundadora sobre a paisagem da região e as origens de sua família.


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Ana Beatriz Ribeiro não queria criar mais uma marca de moda. Fundadora da Açude, fincada no Cariri cearense, aos 27 anos ela está mais interessada em construir uma história genuína por meio de sua grife, lançada no final do ano passado, cujas roupas conjuram o universo mágico da região ao explorar os traços da fauna e do artesanato locais.

Sua coleção de estreia, batizada Caatinga, passeia por alguns dos elementos que compõem o bioma predominante no Nordeste brasileiro. A carapaça do tatu, por exemplo, inspira um top cropped, a planta sabiá, de forma curva, origina um vestido, enquanto a timbaúba, uma fruta famosa da região, serve de referência para um body.

O linho é um dos materiais favoritos de Ana Beatriz e arremata boa parte das peças, junto aos tecidos adquiridos de estoques parados em confecções locais. “Como a coleção também parte dessa compra de materiais descartados, acaba sendo um malabarismo, porque não consigo escolher o que quero. Primeiro, vejo o que tem, para depois entender como posso trabalhar isso em minhas criações”, explica a estilista.

Modelo usa top da marca A\u00e7ude inspirado na carapa\u00e7a do tatu

Top tatu da marca Açude, inspirado na carapaça do animal comum no semi-árido nordestino

Além de priorizar os processos manuais e o slow fashion com um olhar sustentável, a Açude também busca desenvolver modelagens fora do padrão, porém confortáveis e práticas. “Não estudei anos para fazer uma coisa básica e que seja fácil de copiar”, dispara a estilista. “Quero algo que se destaque, mas que seja descomplicado e fácil de vestir. Não gosto de aviamentos e nem de muitos botões.”

O olhar assertivo sobre a costura e o que procura transmitir por meio das peças ela herdou da mãe. Desde os 12 anos, conta, os olhos brilhavam “ao ver como ela gostava daquilo, desenhando os próprios modelos e produzindo ao lado de uma costureira”. Foi a partir dessa experiência íntima que ela começou a buscar informações em revistas e a acompanhar os desfiles, “especialmente os de Alexandre Herchcovitch, que amava”.

Mas entre o desejo e a prática, ela trilhou um caminho árido tal qual a paisagem que seus olhos conheciam. Aos 15, sabia que queria estudar moda e considerou prestar faculdade em São Paulo, porém, foi desencorajada. “No interior do Ceará, existe essa cultura de que as profissões que dão dinheiro são engenharia ou direito, então achava que passaria fome fazendo moda”, relembra Ribeiro, que acabou optando por arquitetura na Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza.

Modelo deitada na grama usa bermuda Coite de cole\u00e7\u00e3o desenhada pela estilista Ana Beatriz Ribeiro

Bermuda Coite, da coleção Caatinga, desenhada pela estilista Ana Beatriz Ribeiro

No meio do caminho, percebeu que seu futuro não estava exatamente ali e decidiu também entrar na faculdade de moda, além de encher a agenda com cursos paralelos, desde os de corte e costura até as mentorias conduzidas por diretores criativos que admira, como o escritor carioca André Carvalhal. Pouco antes da formatura, em 2019, morou um ano na Bélgica e, lá, decidiu que iria encarar de vez a empreitada fashion. Voltou ao Brasil para finalizar as duas faculdades e começou a buscar estágios na área.

Já em solo nacional, trabalhou como vendedora em loja de shopping, integrou a equipe de estilo de uma grife de atacado – “onde entendi os processos de fábrica e como cada área funcionava, pois quando entrei mal sabia o que era uma peça piloto” –, até chegar ao time da Catarina Mina, marca artesanal de Fortaleza que a conectou ainda mais com sua essência.

“Meu projeto de conclusão do curso de arquitetura foi sobre o artesanato do Cariri, então, já vinha me aprofundando no tema, visitando vários artesãos e conhecendo suas histórias e processos”, diz. “Tudo isso ajudou a me despertar para a cultura local e também a querer entender mais sobre a minha própria história.”

Em conversas com a avó, desvendou o passado de Juazeiro do Norte e aprendeu mais sobre sua família e a vida na região. “Falamos sobre a seca, a travessia para a serra em busca de água, a história do Padre Cícero e a origem do artesanato no interior do Ceará”, relembra.

Modelo deitada na grama usa blusa Palma, da cole\u00e7\u00e3o Caatinga lan\u00e7ada pela grife A\u00e7ude

A blusa Palma é composta de detalhes que remetem ao cacto que emerge no Cariri cearense

Dos papos diz ter extraído as riquezas que existiam “nesse universo meio mágico, porque, no início, Juazeiro era vista como uma terra prometida”. As descobertas vieram em um momento de autorreflexão durante a pandemia e ajudaram a impulsionar o lançamento da Açude mesmo enquanto o vírus devastava o país.

“Vi o tamanho do tesouro que havia ali e entendi que poderia trazer isso para a minha marca como propósito, de me ligar a essas origens e estar sempre conectada ao que sou, valorizando minha cultura e raiz por meio da moda”, explica.

O lance deu certo. Com peças como o vestido Sabiá (no alto da matéria) já esgotadas no e-commerce Baba Lab, ela agora prepara a segunda coleção da Açude, que deve ser lançada aos poucos, ainda neste segundo semestre. “É muito trabalho, mas me sinto madura, com novas informações e referências mais assertivas para trazer outros elementos que compõem essa aura de raízes”.

E acrescenta, dando o tom do que podemos esperar: “nunca quis criar algo superficial, tudo o que faço precisa ter verdade e elevar as pessoas de alguma forma”.

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