O que as joalherias estão fazendo para tornar a indústria mais sustentável

Saiba quais são as principais ações entre pequenos e grandes players do mercado.


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Olsen K | Foto: Divulgação



Já faz alguns anos, sustentabilidade se tornou pré-requisito quando o assunto é moda. No universo da joalheria não é diferente, ainda que os desafios sejam outros e, às vezes, um tanto mais complexos. Com uma cadeia de produção ainda dependente de energia fóssil e mineração, a indústria de joias é cada vez mais cobrada por melhores práticas em sua rede de fornecimento, uso de materiais, bem como uma maior transparência nas operações. Das minas aos nossos dedos, pulsos e pescoços, queremos saber de onde vêm as pedras e os metais preciosos que compõem as joias que usamos – e essas informações são cada vez mais relevantes na decisão de compra. Mas afinal, como funciona a sustentabilidade na joalheria? Aqui destacamos três pontos-chave:

Fair trade e certificações

Hoje existem diversas organizações internacionais com o objetivo de fiscalizar a cadeia de produção e garantir melhores condições e valores para quem fornece matéria-prima e mão-de-obra. Uma delas é a Responsible Jewellery Council (RJC), que existe desde 2005 e verifica a rede de fornecimento de metais e pedras preciosas em relação a direitos humanos, direitos trabalhistas e impacto ambiental. “Desempenhamos um papel fundamental no apoio às empresas na integração da sustentabilidade em sua estratégia de negócios por meio do processo de certificação do Código de Práticas RJC”, explica a diretora executiva da organização, Iris Van Der Veken.

Entre as marcas que integram o conselho estão Tiffany, Cartier, grupo De Beers, Vivara (a única filiada brasileira), entre outras. “Nosso número de membros cresceu de 14 fundadores, em 2005, para mais de 1300, dos quais 60% são pequenas empresas espalhadas por 70 países”, diz Van Der Veken. “Nosso primeiro Código de Práticas de linha de base foi lançado em 2009 e, desde então, aumentamos o portfólio de padrões com um modelo de Cadeia de Custódia, além de três novas revisões no documento original”, completa. A última versão foi lançada em abril de 2019 na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em Paris, e segue a orientação de devida diligência da OCDE, os Princípios Orientadores da ONU sobre Negócios e Direitos Humanos, além de ter um escopo maior em pedras coloridas e prata.

Há ainda a Responsible Minerals Initiative (RMI), a London Bullion Market Association (LBMA), a Initiative for Responsible Mining Assurance (IRMA), a Swiss Better Gold Association, a Fairtrade Foundation (Reino Unido) e a World Fair Trade Organization, todas criadas para garantir que a extração e operação das minas sejam feitas de forma correta e justa para as pessoas e para o meio ambiente. A Vivara, por exemplo, compra prata de minas da América Latina com certificação RMI, enquanto o ouro vem de vem de uma mina brasileira da região de Minas Gerais com certificação da LBMA.

Pessoa segura diamante.Tiffany & Co.Foto: Divulgação

Quando o assunto é diamante, existem organizações específicas para verificar sua cadeia de fornecimento, como a Better Diamond Initiative e o Processo de Kimberley (KP). Este último, foi criado em 2003 para evitar a compra e venda de diamantes de sangue, ou seja, procedentes de áreas de conflito, guerras civis e de abusos de direitos humanos. A Cartier é uma das apoiadoras do processo e submete todas as suas compras de diamantes ao seu Sistema de Garantias. A casa ainda exige uma Declaração de Garantia para cada fatura relacionada aos diamantes que recebe.

A Tiffany é outra grande joalheria que leva transparência a sério. Desde janeiro de 2019, a marca compartilha com seus clientes a proveniência (região ou países de origem) de seus diamantes comprados recentemente e registrados individualmente. A marca estadunidense não adquire diamantes com procedência desconhecida, mesmo com a garantia de compras responsáveis. Em 2020, também começou a compartilhar a jornada artesanal, como a localização das oficinas de lapidação e polimento da pedra. “Nossos clientes querem e merecem saber de onde vem sua joia com diamante e o processo pelo qual ela passou”, explica o diretor executivo da marca, Alessandro Bogliolo.

Cerca de 80 a 90% dos diamantes registrados pela Tiffany são fornecidos por operações próprias na Bélgica, Botsuana, Ilhas Maurício, Vietnã e Camboja, onde artesãos planejam, cortam e/ou lapidam e pulem diamantes brutos de minas gerenciadas de forma responsável, em sua maioria, no Botsuana, Canadá, Namíbia, Rússia e África do Sul. Para os 10 a 20% restantes, os fornecedores cumprem com o Protocolo de Garantia de Registro de Proveniência de Diamante da Tiffany, para garantir que as pedras não venham de países com queixas de direitos humanos relacionadas a diamantes, como Zimbabwe e Angola.

Upcycling

O reaproveitamento de materiais e/ou a ressignificação de peças também são ações importantes rumo à sustentabilidade na joalheria, especialmente entre designers independentes, de pequeno a médio porte, como a Olsen K, da paulistana Karina Olsen. “Nosso metal é 100% de reuso. Trabalhamos com ouro 18k e prata 950, que tem como origem lixo eletrônico, indústria automobilística e joias antigas”, explica ela. “Com relação às pedras, usamos desde a parte mais cristalina até o que é descartado pelas joalherias tradicionais por ter muitas inclusões.” Para agregar valor à cadeia produtiva e fazer com que esses materiais girem e o lapidário lucre com eles, o time de design investe em desenhos especiais para essas joias. “Acreditamos que todos têm que ganhar, estarem felizes e honrados para que a joia realmente possa ser assim chamada assim”, explica.

Foto de modelo com brinco e anel dourado.Brinco e anel Demgo.Foto: Talita Menezes (@talitamnzs)

A gaúcha Demgo, da designer e historiadora Débora M. Goldenfum, segue princípios similares. “Utilizo metais reciclados de diferentes fontes, como utensílios, joias e fivelas antigas, sobras de produção e até mesmo metais contidos em placas de raio-x, que passam por um procedimento de desmanche e purificação para serem reaproveitados com qualidade”, explica ela, sobre a marca fundada em 2018. Cada joia tem como base a prata 925 reciclada (composta por 92,5 % de prata pura e 7,5% de outros metais, como o cobre), podendo receber um banho de ouro 18k. “O metal pode ser derretido e transformado em algo novo inúmeras vezes, o que me permite trabalhar com uma matéria-prima de reuso sem que ele perca a sua qualidade ou durabilidade”, diz Goldenfum. “Acredito que a evolução da sustentabilidade na joalheria é trazermos essa prática do reuso dos materiais para uma escala maior, partindo do criador e do seu compromisso em oferecer um material mais ético para o seu consumidor.”

Na H.Stern a prática do reuso é trabalhada de uma forma diferente. Lançado em 1975, o Trunk Show da joalheria une especialistas e clientes com o intuito de reaproveitar joias que estão em desuso ou guardadas há muito tempo. Nesses eventos, é possível levar peças de qualquer marca e em qualquer estado para avaliação e, então, transformá-las em créditos para uma nova compra.

O Trunk Show da joalheria brasileira ocorria uma vez ao ano, mas devido à pandemia da Covid-19, houveram algumas mudanças e, durante a temporada 2020-2021, os clientes podem agendar diretamente com a sua loja de preferência em todo o Brasil, um atendimento personalizado para a avaliação e a troca do ouro.

brincos de ouro amarelo 18K com detalhes de diamantesBrincos de ouro amarelo 18K com detalhes de diamantes, H.Stern.Foto: Divulgação

Ações Sociais

Muitas joalherias têm buscado contribuir para o desenvolvimento de comunidades locais através de ações que gerem um impacto positivo na sociedade. É o caso da Cartier, que anunciou recentemente uma parceria com o Lion’s Share Fund, projeto premiado que une marcas, consumidores e ambientalistas para enfrentar a crise climática e preservar a biodiversidade mundial. Liderado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) e por uma coalizão de empresas e parceiros da ONU, o fundo visa arrecadar mais de US$ 100 milhões por ano, até 2025, para impedir a destruição de ecossistemas e proteger habitats naturais. O acordo ainda envolve o repasse de 0,5% do seu investimento de mídia toda vez que seus anúncios apresentarem uma figura animal.

Lançado em 2018, o fundo ajudou a Reserva Nacional do Niassa, em Moçambique, a acabar com a caça de elefantes, ao melhorar os sistemas de rádio dos policiais que protegem a vida selvagem na região. Ele também cofinanciou a compra de terras para orangotangos, elefantes e tigres em perigo no Sumatra do Norte, na Indonésia, e criou uma equipe feminina de guardas florestais e o primeiro santuário de rinocerontes da ilha.

Foto de tr\u00eas braceletes em forma de pantera.Braceletes, Cartier.Foto: Divulgação

Em fevereiro, após os incêndios florestais na Austrália, o Lion’s Share Fund lançou dois pequenos subsídios para apoiar a conservação da vida selvagem, incluindo esforços para tratar e reabilitar animais feridos. “A beleza do mundo natural sempre foi uma fonte de inspiração e criatividade para a Cartier”, diz Cyrille Vigneron, presidente e CEO da Cartier Internacional. “Acreditamos que é nosso dever proteger a biodiversidade do planeta e promover um impacto na conservação da vida selvagem.”

Em paralelo, a Vivara destinou recursos para o enfrentamento da Covid-19 ao fundo Luz Alliance, criado pela embaixadora da marca Gisele Bündchen, em parceria com a Brazil Foundation. As doações foram destinadas para projetos pré-selecionados pela Brazil Foundation, em áreas fortemente impactadas pela doença, como Cufa de Manaus, Rede Nami e Casa do Zezinho. Diversas regiões do Brasil foram beneficiadas em oito estados, com doação de cestas básicas e kits de higiene, fazendo o apoio chegar a famílias que sofreram com a alta propagação do vírus nas comunidades. Como algumas doações ainda estão em curso, a marca não soube precisar a quantidade exata de cestas e kits distribuídos. Até o fechamento da matéria, a contagem mais recente era de 500 cestas básicas e kits e 1.330 cartões alimentação.

Já a Chopard assinou uma parceria com a Swiss Better Gold Association para adquirir ouro através dos Barequeros de El Chocó, na Colômbia, conhecidos pelo método artesanal que mistura técnicas tradicionais e locais de mineração com equipamentos manuais, livres de mercúrio, protegendo assim a biodiversidade da região. A joalheria apoia a mineração artesanal através da iniciativa Journey to Sustainable Luxury desde 2013 e, em 2018, anunciou que passaria a utilizar apenas ouro 100% ético em suas joias e relógios, sendo a primeira a incentivar diretamente as comunidades de mineração. “Somos uma empresa familiar, então a ética sempre foi uma parte importante de nossa filosofia de trabalho”, diz Caroline Scheufele, diretora criativa da marca.

Composta por 46% de mulheres, a comunidade de Barequeros precisa de uma autorização especial para a produção manual e a venda de 420 gramas de ouro por ano. Este novo programa não só garante que eles receberão um valor competitivo pelo que produzem, mas também um incentivo especial de US$ 0,70 por grama. A ideia é que o valor seja revertido em melhorias de condições de vida e trabalho. Além disso, essa cadeia permite que os artesãos saibam o destino exato do seu ouro. “A sustentabilidade é um compromisso em movimento, é uma jornada que nunca termina. Hoje, mais do que nunca, deve ser a nossa prioridade proteger as pessoas que potencializam os nossos negócios”, arremata Scheufele.

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