Ronaldo Silvestre estreia na SPFW

Mais do que uma coleção, o estilista mineiro compartilha a ideia de que a moda pode ser uma ferramenta de mudança social.


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Essa é a estreia do mineiro Ronaldo Silvestre na São Paulo Fashion Week, mas o seu caminho com a moda tem chão. Dos seus 46 anos, ao menos 25 foram focados na carreira profissional como estilista. Ele entra para o evento com a coleção Conspiração, com a qual procura refletir o momento que vivemos agora. “É uma realização pessoal, o sonho de uma criança do interior, mas também a vontade de falar sobre uma moda que é agente de mudança, que pode trazer soluções”, diz.

Ronaldo dedica essa conquista a dona Eurídice, sua mãe, que desmanchava uniformes da companhia de mineração, em Itabira, cidade onde nasceu, para vestir os filhos. “Quando ela comprou a máquina de costura, fiquei fascinado, porque era o instrumento que ela tinha para levar comida para casa, vestir a gente, nos tirar dos caminhos ruins. Por isso, nesta coleção, falo da máquina de costura como uma arma de transformação social”, explica ele.

A reflexão sobre o momento não é só sobre si, mas também geral, principalmente pela inconformidade com a volta da fome no Brasil. O país atingiu, neste ano, a marca de 19 milhões de pessoas com insegurança alimentar. E ele acompanhou tudo isso não pelos dados, mas no dia a dia, com as costureiras assistidas pelo Instituto ITI (Igualdade, Transformação e Inovação Social), que ele cofundou e preside. Desde 2003, por meio dessa entidade sem fins lucrativos, o estilista qualifica mulheres e pessoas em vulnerabilidade social no ofício de costura e de bordado. Durante todos esses anos, o ITI nunca viu um período tão duro.

“A ideia é garantir que pessoas de pouca escolaridade tenham a chance de mudar o seu futuro e o de sua família, da mesma maneira como a minha mãe fez. Essa pessoa aprende a costurar uma peça que ela mesma pode vestir. A partir do momento que recebe um elogio sobre essa roupa, nós sentimos que a resgatamos da dependência dos trabalhos domésticos ou de uma possível situação de necessidade. São soluções possíveis, por meio da moda, para comunidades com alto índice de violência e com muita desigualdade social”, conta.

Foram essas costureiras que, junto a ele, fizeram essa coleção acontecer. O trabalho de Ronaldo é com resíduos têxteis, coletados em tecelagens, em uma produção que ele chama de redesign. “Transformamos esses retalhos em viés [quando o tecido é cortado em tiras a ponto de formar um rolo] e os bordamos em cima de tules.” Isso, inclusive virou sua assinatura: roupas com texturas, formas orgânicas e detalhes sinuosos, ainda que a modelagem, ora ou outra, caia em um formato mais industrial.

Das pessoas que fazem a roupa à maneira como a roupa é feita, tudo, condiz com a sua história. “O que, hoje, chamam de sustentabilidade, na minha infância, era sobrevivência. Usava roupa usada, minha mãe transformava a perna de uma calça em mochila, pegava a borra do café e a casca de ovo para fazer compostagem e ter feijão seis meses depois.”

Não ter medo da falta de recursos é um espírito que o acompanha desde que deixou Itabira, aos 18. Primeiro, ele foi para Curitiba estudar desenho industrial. Depois, para Londrina fazer a graduação em desenho de moda. Dentro de um curso elitizado, Ronaldo batia nas portas das confecções para conseguir material para os seus trabalhos, além de estágios. Quando a grana apertava, vestia drag queens do norte do Paraná, como Dimmy Kieer e Verônika.

Em 2017, quando voltou para Minas Gerais, ganhou o concurso Head To Go, do Minas Trend Preview, e teve o seu trabalho reconhecido por Fabiana Milazzo, com quem fez colaborações que cruzaram o tapete vermelho do Grammy Awards. O estilista se apresenta há pelo menos 12 anos no Dragão Fashion, em Fortaleza, mas o sonho de integrar o line-up do maior evento de moda da América Latina o seguia por ainda mais tempo. “Me formei há quase duas décadas e, desde o meu primeiro período, tive como um grande objetivo chegar à São Paulo Fashion Week. Esta é a realização do sonho de um menino pobre do interior de Minas Gerais”. E não só. É a realização de outras costureiras que andam com ele também.

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