O que está por trás e por que a identidade visual importa tanto na moda?

Celine sem acento, Ferragamo sem Salvatore, Burberry com serifa, o verde de Bottega: todos esses e outros elementos carregam uma mensagem. Desbravamos o que está por trás das mudanças nas apresentações das marcas.


Logos das marcas e identidade visual das Burberry, Celine e Ferragamo
Ilustração: Mariana Baptista



Logo que assumiu a direção criativa da Saint Laurent, em 2012, Hedi Slimane eliminou o Yves do logo da marca e trocou a fonte por uma sem serifa (aquela perninha no começo e/ou fim da letra), em negrito e com mais espaçamento. Em 2018, ao ocupar o mesmo cargo na Celine, repetiu a fórmula e cortou o acento gráfico no primeiro E do nome da grife. Muita gente não gostou. Talvez mais pelo fato do estilista ser controverso do que pela mudança visual.

Também em 2018, Riccardo Tisci se tornou diretor de criação da Burberry, após a saída de Christopher Bailey. E adivinha? Também mudou a identidade visual da casa britânica, de um jeito bem parecido ao de Slimane nas duas francesas citadas acima. A repaginada, porém, tem menos a ver com ego e mais com adequação às demandas do mercado em determinado momento. No caso, a preferência por uma comunicação gráfica mais telegráfica e moderna, tem a ver com aceleração digital e com uma ideia de progresso e atualização. O que fazia bastante sentido naquela época.

Logo do momento

 

Em novembro do ano passado, a Burberry trocou de estilista mais uma vez. Naquele mês, a empresa anunciou Daniel Lee, responsável pelo reposicionamento da Bottega Veneta, como o novo diretor criativo. Em sua primeira campanha, apresentada pouco mais de um mês após sua chegada, Daniel disse adeus ao logo com fonte bold, espaçada e sem serifa, incorporada por seu antecessor, Ricardo Tisci. No lugar, introduziu uma versão serifada com as letras mais agrupadas – um conceito com uma leitura clássica e tradicional.

Em entrevistas, o designer disse que sua vontade era ser “mais fiel às origens da marca”. Não à toa, juntamente à nova tipografia, ele recuperou o desenho de um cavaleiro segurando uma bandeira com a palavra “prorsum” (adiante em latim). O dizer foi adicionado à imagem no século 21, porém todo resto é de 1901 e foi usado como logo da grife inglesa em boa parte de sua história.

Semanas depois, a vontade de reviver o passado da Burberry pôde ser percebida no desfile das primeira coleção de Daniel para a marca. Os trench coats estavam lá, mas com forros em verde militar e não no já conhecido xadrez. O tartan, nome oficial daquela padronagem, fizeram aparições pontuais e com linhas mais espaçadas.

Campanha 2023 da Burberry

Foto: Tyrone Lebon

“Existem duas demarcações importantes para uma marca de luxo: a tradição e a inovação”, diz Irene Knoth, professora do curso de publicidade e propaganda da FAAP. “Essa evolução é como um serviço para o público consumidor, que muda com os anos. As pessoas que consomem essa grife hoje, não são (sempre) as mesmas de antes. O desafio é encontrar esse equilíbrio entre manter a personalidade histórica e evoluir para ser percebida como atual”, explica ela.

Daí a importância de transmitir a renovação também em seus símbolos institucionais. “Identidade, muito simplificadamente, é aquilo que identifica, aquilo que cria uma relação entre a marca e seu público”, fala Auresnede Pires Stephan, consultor de design gráfico e professor da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo. E o logotipo é uma ferramenta eficaz para estabelecer rapidamente essa identificação.

“Quando você vê esse movimento (de mudança visual), você entende que existe uma intenção”, comenta Irene. E a intenção nunca é puramente estética. Como vimos, é parte de uma história maior. Ao aplicar uma fonte serifada, a Burberry não faz só um apelo à tradição, como também à diferenciação.

É que, na busca por atualização, muitas marcas de luxo caíram na mesmice. Todo mundo com logo parecidos, meio que variações de uma coisa só, a febre da fonte helvética, da digitalização do mundo offline. Sair disso pode colocar a grife um campo visual alternativo. “Talvez não sejam as melhores para uma leitura rápida, mas as fontes serifadas são muito utilizadas para dar personalidade”, comenta Irene.

Nem só de logomania se faz uma identidade

 

A identificação ou branding vai muito além do logo e se estabelece “em todas as ações tangíveis e não tangíveis da empresa”, diz Auresnede Stephan, da faculdade Santa Marcelina. Ou seja, produtos, serviços, posicionamentos, comunicação, ações internas e externas são elementos importantes na percepção de identidade. É aquela velha história de ser e não parecer, sabe? Assim, a parte gráfica é apenas uma das muitas nuances da construção de uma marca.

No entanto, são elementos que requerem uma certa aproximação ou conhecimento para além do que os olhos vêem. Na superfície, além do logo, um artifício com grande potencial de referência e assimilação são as cores. Pensa aí: a combinação vermelho e amarelo não lembra o McDonalds? Então, na moda acontece o mesmo. Laranja é Hermès, azul-esverdeado é Tiffany & Co, vermelho é Valentino, rosa-choque é Schiaparelli.

O uso dessas cores é tão emblemático que já são culturalmente referenciadas. Rosalía canta sobre o vermelho da Valentino no single “Aute Couture”. Quem nunca se deparou com uma parede azul Tiffany?

Citando de novo a transformação recente da Burberry, o azul-cobalto apareceu no primeiro desfile de Daniel Lee como uma tentativa pessoal de emplacar uma cor de referência, bem como ele fez com o verde na Bottega Veneta. O awareness (ou percepção) trazido para a marca italiana é inegável: No Tik Tok, vídeos sobre o verde Bottega já ultrapassam o marco de 600 milhões de visualizações – e até tutorial de nail art com o tom existe.

Em 2021, dois anos após a marca debutar a tonalidade na coleção de inverno 2019, esse verde foi considerado a cor do ano por muitos veículos da mídia, apareceu em lançamentos de redes de fast fashion e outras marcas de luxo. Hoje, até a sacola de papel da Bottega é comercializada como um item-desejo em sites de revenda, com valores entre 100 a 150 reais.

Vontade própria ou adequação à demanda?

 

Embora algumas decisões sobre a identidade partam diretamente das marcas, outras podem ser uma resposta ao público. O branding, como explicam os professores entrevistados, se baseia numa relação dinâmica com o consumidor, e por isso, algumas mudanças institucionais refletem comportamentos originalmente nascidos nas ruas, entre as pessoas.

Por exemplo, a simplificação de alguns nomes – como aconteceu na Ferragamo (antigamente Salvatore Ferragamo), Zegna (antes Ermenegildo Zegna) e Saint Laurent (agora sem o Yves) – pode ser vista como uma adaptação aos costumes modernos de abreviação das comunicações verbais.

“Hoje, o nosso comportamento é o de buscar agilidade, principalmente nas redes sociais. Reduzimos as palavras ao ponto em que algumas vezes nem as escrevemos mais, só usamos emojis. Então, em vez da pessoa falar Sal-va-to-re Fer-ra-ga-mo, que é mais longo, ela falava Ferragamo ou só Salvatore.” – Irene Knoth.

A retirada do acento de Celine, pode seguir a mesma lógica da facilitação, principalmente se considerarmos a importância dos mercados anglo-saxões e asiáticos, nos quais os sinais fonéticos não são usuais.

No entanto, é importante ressaltar que essas são apenas suposições. Nos comunicados oficiais, Ferragamo e Zegna não fazem menções exatas sobre o motivo do encurtamento dos respectivos nomes. Ambos, por outro lado, citam a atualidade ou o futuro como causas da adaptação. A Ferragamo descreve o novo capítulo como “uma conversa entre o clássico e o contemporâneo, baseando-se tanto na herança quanto numa visão clara do agora”.

Mudanças significativas no logo, nome ou outros elementos de apresentação são inevitáveis num tempo em que a distração impera. Tais novidades ajudam as marcas a se manterem na conversa e lembradas, apesar do barulho constante. São também cada vez mais comuns dada a alta rotatividade de diretores criativos. Aconteceu na Burberry e também na Ferragamo – o logo abreviado e com novo grafismo veio meses depois da chegada de Maximilian Davis no cargo.

“Isso pode ser positivo para a empresa se renovar e mostrar que ela está atenta, já que, muitas vezes, a forma visual pode cansar rapidademnte”, reflete Auresnede. Impactos negativos, por outro lado, podem surgir se o trabalho não for bem executado. “Depende muito de como a empresa faz essa transformação e mostra ao seu público que isso está acontecendo além da superfície”, afirma ele. E Irene concorda: “Não pode ser como alguém que troca de roupa. Se não, chega uma hora que você muda tanto que as pessoas nem te reconhecem mais”.

O trocadilho é válido. Na moda a mudança de logotipo impacta diretamente o produto: muitas vezes, eles são estampados nas roupas e acessórios. “Se a mudança é constante, pode chegar uma hora do consumidor achar que um produto oficial é uma cópia fajuta. Vão olhar o logo e pensar que não conseguiram nem copiar direito o símbolo da marca”, pondera. A logomarca que reconheciam não é mais a mesma, e o branding não identifica mais. “O diretor criativo quer marcar seu legado, mas é preciso que alguém olhe para o longo prazo da empresa”, finaliza.

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