O que mudou após o 13 de maio? O CCSP se propõe a construir uma resposta

Com uma programação interdisciplinar e online, o Centro Cultural de São Paulo debate sobre os desdobramentos da tardia abolição da escravidão brasileira.





Há 133 anos, o Brasil se tornava o último país das Américas a abolir a escravidão – pelo menos no papel. A supressão de algo que nunca deveria ter acontecido foi tardia na nação que ainda mata um jovem negro a cada 23 minutos. Para refletir sobre as implicações acerca da data, o Centro Cultural São Paulo (CCSP) idealizou o evento online O dia seguinte. Trata-se de um projeto que envolve todas suas curadorias (moda, música, artes visuais, cinema, dança, literatura e teatro) e reúne 50 artistas pretos e pardos, durante os dias 14, 15 e 16 de maio, para discutir o que sucedeu (e sucede) a abolição, além de evidenciar as múltiplas manifestações artísticas de pessoas negras.


Ao propor ações para o dia posterior ao 13 de maio, a organização reforça a pergunta: será que a abolição acabou mesmo? As estatisticas mostram que não: negros são a maioria entre os analfabetos, recebem salários menores do que pessoas brancas, morrem mais de Covid-19 e os relatos de discriminação racial não caberiam em uma única matéria. Não à toa, a música 14 de Maio, de Lazzo Matumbi é usada como referência na programação do evento: “No dia 14 de maio ninguém me deu bola / Eu tive que ser bom de bola pra sobreviver / Nenhuma lição, não havia lugar na escola / Pensaram que poderiam me fazer perder”.

Contudo, a vida de pessoas negras não se resume – nem nunca se resumiu – ao racismo. Para muito além, elas são plurais em todos os aspectos, produzem arte, cultura e moda há séculos por meio da criação das próprias tecnologias de resistência e resiliência.


14 de Maio

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É isso que o debate Moda Afro-Brasileira: um legado não reivindicado? quer expor. Ele é uma das ações do núcleo de moda, que tem Dudu Bertholini como curador. Com mediação da pesquisadora e mestre em Ciência da Religião Hanayrá Negreiros, a mesa está programada para ser exibida no YouTube, sexta-feira, 14.05, às 18h. A estilista e educadora Cynthia Mariah e a designer e pesquisadora Wanessa Yano são suas convidadas da vez para conduzir outro olhar para a historiografia brasileira no têxtil e vestuário. O ponto de partida é a presença negra, sejam nos ofícios como modelistas, costureiras ou alfaiates, mas também nas artes e saberes. ”É uma provocação ótima, pois elas justificam como (isso) foi imprescindível para a construção da moda nacional”, explica Bertholini.

”Será que a gente entende essa moda como um legado cultural que se estabeleceu durante anos, durante o regime escravista?”, questiona Hanayrá, que também é colunista da ELLE. ”Mesmo nesse período, essas pessoas criaram e deixaram um legado. O turbante é um deles, por exemplo, é uma herança africana”, continua.

Outra questão abordada na mesa é a cor da moda brasileira. ”Talvez, os futuros possíveis para moda não sejam justamente as modas negras e indígenas? Esses vestuários e histórias que ficaram à margem, mas sempre estiveram aqui”, diz a pesquisadora, destacando que a reivindicação é uma continuidade da luta sempre presente.

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Tem ainda o vídeo-performance Axé, produzido pela Black Pipe, portal de cultura preta. Idealizado por Isaac Silva e Neon Cunha, a produção foca nos corpos negros tanto para celebrar suas vidas como para refletir sobre o que é beleza e ampliar o olhar acerca de suas subjetividades.

Moda é arte?

Ao despender atenção à moda, o CCSP ajuda a consolidar o interesse, por parte das instituições artísticas e culturais, para o tema. Quem percebe isso é Bertholini. O estilista acredita que é um ótimo sinal, pois mostra como ”a moda é entendida como cultura, antropologia e denominador imortante para compreender nossa própria história”.

Segundo ele, ao ocupar diferentes espaços, com narrativas descentralizadas, a moda firma seu papel enquanto agente transformador da sociedade, para além do consumo. ”Isso é algo recente, mas temos um terreno fertil explorado”, completa, ao reforçar os agradecimentos aos curadores de arte contemporânea da CCSP, Helio Menezes e Ray Carvalho. Hanayrá, nomeada curadora adjunta de moda do MASP na última semana, também cita essa abertura. A pesquisadora destaca o trabalho de Erika Palomino, também colunista na ELLE, ex-diretora do CCSP e atualmente responsável pela comunicação do MAM-Rio.

Em sinergia com essa crescente, outras narrativas descentralizadas são, enfim, visibilizadas. Para Bertholini, isso é essencial, pois a moda é um espelho. Falar em sua versão brasileira ”deve ser um reflexo de nossa história e da pluralidade que constitui o nosso país, seja ela de corpos, gêneros, classes, raças”, diz ele. ”Se a gente insiste em divulgar uma moda hegemônica e eurocentrada, não estamos refletindo o que a moda é no Brasil”, finaliza.

Outros destaques da programação

Além do debate Moda Afro-Brasileira: um legado não reivindicado? e do vídeo-performance Axé, o CCSP preparou ações voltadas para a música, teatro, cultura de rua, cinema e dança. A programação completa você confere no site da instituição, mas veja abaixo alguns destaques.

Projeções no CCSP: Fachada Rua Vergueiro

As projeções que serão reproduzidas na rampa lateral do CCSP ficam por conta do Coletivo Coletores. Com imagens de Alberto Pitta e poesias do escritor Sérgio Vaz, com enfoque no período pós-abolição, adentrando ao contexto atual pandêmico, que aponta debates importantes, como o aumento da mortalidade da população negra vítimas do Covid-19.

Data: 14, 15 e 16 de maio

Horário: 19 às 22h

Festival musical

Festival reunindo grupos musicais oriundos de quilombos rurais e urbanos. A programação contempla diferentes regiões do Brasil e sonoridades distintas derivadas de manifestações culturais e religiosas afro-brasileiras. A mostra exibirá uma produção audiovisual, com tempo estimado em 20 minutos.

Data: 14.05

Horário: 20h

Plataforma: YouTube

Show Lazzo Matumbi

Dono de uma voz única e de uma musicalidade potente, que vai do reggae ao jazz, passando por samba, soul e tantos outros batuques de origem africana, Lazzo Matumbi é um dos maiores expoentes da música brasileira. Com 39 anos de carreira e oito discos gravados, o músico, cantor e compositor baiano é referência para toda uma geração de artistas. Considerado figura essencial na resistência da cultura negra na Bahia e no Brasil, influencia cantores de várias gerações com sua voz forte e seu swing cheio de personalidade, e é carinhosamente chamado de “A Voz da Bahia” por seus fãs e admiradores.

Data: 14.05

Horário: 20h

Plataforma: YouTube

Jornal O Dia Seguinte

Editorial jornalístico sob as temáticas do encarceramento em massa, senzala moderna, o papel negro nos veículos de comunicação, manutenção e conservação de saberes e as persperctivas acerca do teatro, moda, beleza e economia. Reúne personalidades como Juliana Borges, Nabor Jr., Leda Maria Martins, Mãe Sandra de Xadantã, Hanayrá Negreiros e Preta Rara.

Manifestações pelo Brasil

A Coalizão Negra Por Direitos, que integra diferentes organizações do movimento negro, convocou manifestações nacionais para o dia de hoje. O movimento exige justiça para as vítimas do massacre na Favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, e de outras operações que resultaram em mortes nas periferias brasileiras. Além disso, é reivindicada a permanência do auxílio emergencial, o direito da população negra a vacina contra a Covid-19 pelo SUS e o impeachment do atual presidente, Jair Bolsonaro.

A orientação é para os participantes dos protestos, programados para ocorrerem ao ar livre, utilizarem máscaras seguras, higienizar as mãos com álcool em gel constantemente e manter o distanciamento social. No site da Coalizão, você confere a programação completa.

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