Projeto fomenta moda periférica em São Paulo

Novo Núcleo de Moda das Fábricas de Cultura é ponte para que jovens e coletivos do extremo sul da capital paulista desenvolvam as próprias referências de estilo.


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Já se passaram quase dez anos desde que Jaqueline Loyal fez seu primeiro curso em uma das Fábricas de Cultura, um complexo de espaços multiculturais em São Paulo que promove atividades artísticas e interação com comunidades de diferentes bairros da cidade. Desde então, a produtora cultural, afro-indígena e criadora do Movimento de Moda Periférica LOYAL continuou próxima dos projetos da instituição.

O mais recente, e no qual atua diretamente, é o Núcleo de Moda das Fábricas de Cultura. Totalmente gratuito, ele foi criado para o estudo e a prática da moda periférica. A primeira ativação do projeto é a imersão experimental “Troca de Saberes: Qual sua Moda?”, que começou neste mês de outubro e se estende até dezembro, na Fábrica de Cultura Jardim São Luís.

Ao longo de 12 encontros, os participantes podem trocar experiências com outros coletivos e artistas, enquanto aprendem técnicas de corte e costura. Além disso, Hisan Silva, estilista da Dendezeiro, e Vicenta Perrotta, estilista da Transmoras, serão os oficineiros e palestrantes convidados para duas das formações. As inscrições se estendem até o próximo sábado (15) e podem ser feitas na unidade Jardim São Luiz por qualquer pessoa interessada que resida em periferias de São Paulo.

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A produtora cultural Jaqueline Loyal.Foto: Alex Costa/Divulgação

Todo o projeto surgiu como resposta a um chamado da comunidade, explica Jaqueline. “A Fábrica percebeu que o curso que eles já oferecem, de figurino e costura, não atendia a essa demanda, porque eles recebiam projetos de desfiles e intervenções de moda. Então, resolveram criar o Núcleo de Moda e me convidaram para pensar junto”, diz ela, que começou sua carreira artística na Fábrica de Cultura do Capão Redondo, no curso de dança contemporânea, e hoje supervisiona o Núcleo.

No próximo ano, serão abertas as inscrições para a primeira turma anual do Núcleo, que prevê módulos teóricos bimestrais, com aulas de criação, negócios e indústria da moda. A parte prática irá contemplar ações em laboratórios de costura e modelagem. A ideia também é expandir o projeto por meio de um espaço colaborativo, com materiais e equipamentos disponíveis para uso integral e gratuito de toda a comunidade.

Para Jaqueline, o Núcleo representa “a possibilidade de ter um espaço para pensar moda com outras pessoas do seu território. É algo que vai [fomentar] muitos empreendedores locais. Significa estar dentro da periferia para promover a periferia”. A produtora cultural trabalha com moda desde os 16 anos e, em meados de 2016, chegou a iniciar um brechó com um amigo. Mais tarde, o negócio se transformou no movimento LOYAL, que busca empoderar as quebradas por meio da sustentabilidade e das linguagens artísticas.

Shayane Gonçalves, uma das participantes da imersão, acredita que o Núcleo de Moda tem um grande impacto social, já que é da periferia para o mundo. “O mais incrível é que as pessoas podem estudar, conhecer e praticar moda dentro da sua quebrada e se reconhecer em seu modo de vestir, criar e se reinventar, algo que muitas vezes não é olhado da forma correta”, diz ela, que afirma buscar o fomento de práticas sustentáveis na indústria por meio de seu brechó, o Amora.

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Novo ensino

Os cursos superiores de design, categoria na qual normalmente a moda está alocada como design de moda, ainda são majoritariamente brancos. Quase 70% dos designers em formação são dessa cor, outros poucos pardos e pretos, e menos ainda indígenas e de origem asiática. Junto a isso, apenas 18,1% dos jovens entre 18 e 24 anos estão nas universidades. Os dados são do Censo de Educação Superior (CES), respectivamente, de 2016 e 2018.

É comum que as grades curriculares dos cursos de moda no Brasil tenham matérias que atravessam desde a história da costura até o desenho e a modelagem, mas estudantes apontam que a racialização dos temas é insuficiente, quando não inexistente. Esse é um dos problemas que o Núcleo de Moda nas Fábricas de Cultura pretende desafiar, ressalta Jaqueline.

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Imagem do projeto de imersão “Troca de Saberes: Qual sua Moda?”, do Núcleo de Moda da Fábricas de Cultura.Foto: Iuri Fernandes/Divulgação

O objetivo da imersão iniciada neste mês é justamente ouvir o que as pessoas querem e precisam aprender. “Tem costura, modelagem, marketing, antropologia. Mas a gente quer saber o que os criadores e coletivos querem estudar, e eles não querem saber das mulheres brancas que na década de 1940 usavam corset”, sinaliza a produtora. Ela enxerga no curso uma maior flexibilidade de ensino devido ao fato de estar inserido na Fábricas de Cultura. “Quando um criador da periferia está com outro, não quer dizer que tenham o mesmo pensamento, então, é para haver uma troca”, completa.

Para ela, que também é publicitária, falta representação e pluralidade no mercado de moda. “Falo de referências. Cadê as pessoas negras, trans e gordas em capas de revista? Precisamos estar nesses espaços”, diz.

Jaqueline reforça que a ideia do Núcleo é fortalecer, por meio do acesso à educação, a produção dos estilistas, comunicadores e artistas das quebradas. “Acho que a indústria precisa ver que está acontecendo uma movimentação nas periferias, de todo o Brasil, de criadores que estão trazendo um novo olhar para a moda.”

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