Por que as novas gerações estão obcecadas com a moda da terceira idade?
Impulsionados por perfis no Instagram e livros dedicados a capturar a moda de rua sênior, Millennials e Gen Z celebram o estilo de idosos de grandes cidades do mundo.
As rugas estão na moda. Não aquelas adquiridas por roupas de linho ao longo do dia, mas sim as linhas bem finas que aparecem no rosto à medida que envelhecemos. Nos últimos anos, Millennials e Geração Z estão celebrando os idosos pelos seus estilos por meio de perfis no Instagram dedicados a capturar o street style desse público. No Brasil, páginas como Velhos Parentes e Estilo Vovô registram a melhor idade de São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente, enquanto a Gramparents (@gramparents) traz o melhor da moda de rua sênior de Nova York e do mundo.
Kyle Kivijärvi, 37 anos, consultor de moda estadunidense e criador da Gramparents, diz que a prática regular de postar fotos de idosos em sua conta pessoal foi o combustível para lançar a página no verão de 2016. “Chegou um momento em que meu perfil era apenas street style e foi quando percebi que precisava de um espaço próprio dedicado a isso”, relembra. Após trabalhar em um lar de idosos por alguns anos, o consultor passou a apreciar cada vez mais o estilo cativante desse público.
Inspirado pelo trabalho de lendas da fotografia de moda de rua, como Bill Cunningham e Scott Schumann, Kyle aproveitou o cenário de Nova York para testemunhar alguns dos melhores momentos do estilo urbano. Segundo ele, alguns locais em particular, como o Museu de Arte Metropolitano (MET), tornaram-se destinos populares para encontrar idosos elegantes, experiência que requer olhar afiado para conseguir um bom registro.
No entanto, a fim de ampliar sua audiência, o consultor passou a permitir que qualquer usuário envie sugestões de fotos. “As pessoas adoram fazer parte da página e enviar imagens de idosos aleatórios ou até de seus próprios avós. Adoro vê-las chegarem de todos os cantos do mundo.” Atualmente, além de registros que vão da Índia ao Reino Unido, a página conta com mais de 190 mil seguidores. Dentre eles, o falecido diretor artístico masculino da Louis Vuitton, Virgil Abloh, e Louise Trotter, diretora criativa da Lacoste.
Em solo brasileiro, a Velhos Parentes também embarcou na tendência. Dono de uma loja de roupas vintage em São Paulo, Vitor Diogenes, 25, conta que a ideia de criar, em 2020, um perfil para as fotos que fazia de idosos em brechós de igrejas e bazares surgiu após descobrir a Gramparents. “Eram registros pessoais que usava como referência na hora de garimpar peças para a loja”, diz. “Quando vi o que Kyle estava fazendo lá fora, me inspirei a fazer algo parecido aqui no Brasil”. Para Vitor, além de ajudar a quebrar estereótipos e preconceitos, a Velhos Parentes busca criar uma comunicação entre o público sênior e a nova geração. “São pessoas que já viveram e se vestiram muito mais do que a gente. Eles têm muito a nos ensinar”, afirma.
Já a Estilo Vovô, com o designer Felipe Gutnik, 29, no comando do perfil, tem Copacabana, bairro com o maior número de idosos do Rio de Janeiro, sua principal inspiração. “Assim como o apelo clássico de Copa, com a arquitetura Art Déco, a maneira como os moradores se vestem sempre me fascinou”, conta. Além da página, o designer divide o tempo na direção criativa da recém-lançada marca de roupas Welcome Sunny Garments. É entre entregas da etiqueta e passeios aos finais de semana pela orla da praia que Felipe encontra as verdadeiras joias da moda de rua avançada. “Me inspiro e sinto uma identificação muito forte com o que eles usam: peças confortáveis, com modelagem fluida e de qualidade. São atributos que a nova geração tem levado em conta na hora de se vestir”, analisa.
Autêntico e despretensioso
Além de perfis no Instagram, o fenômeno da atração pela maneira como pessoas da terceira idade se vestem também é impulsionado por grandes players da indústria da moda. Em fevereiro deste ano, Teddy Santis, designer por trás da marca estadunidense Aimé Leon Dore, foi nomeado diretor criativo da linha Made in USA, da New Balance. Na campanha de anúncio, no lugar de modelos da nova geração, o estilista apareceu rodeado de nova iorquinos sêniores que vestiam suas roupas do dia a dia. Em 2015, a grife francesa Céline escolheu Joan Didion (81 anos à época), escritora norte-americana falecida no final do ano passado, para modelar seus designs, enquanto a Prada convocou o ator Jeff Goldblum, 69, para encerrar o desfile masculino de inverno 2022.
Entretanto, na maioria dos precedentes, o look usado pelos modelos foi cuidadosamente orquestrado pela etiqueta. A grande novidade é o motivo pelo qual a nova geração é cativada na forma como idosos se vestem: sua naturalidade. “Diferentemente de influenciadores digitais e celebridades, eles não estão preocupados com tendências”, afirma Kyle, criador da Gramparents. “É uma maneira de se vestir muito orgânica e sem esforços que traz uma visão diferente sobre como enxergamos moda e estilo.”
É justamente a importância de abraçar a naturalidade do envelhecimento que a economista e artista plástica paulista Marisa Biondo, 63, reforça: “Apesar de ter sofrido bullying por não pintar o cabelo, aceitar o envelhecimento foi um passo importante para mim. Hoje procuro fortalecer minha personalidade com o que visto”, revela. “Fico impressionada, porque vejo as novas gerações se encantarem muito mais por roupas que usamos do que amigas minhas, por exemplo”.
Para a jornalista estadunidense Valerie Luu, 34, o apelo pela moda de rua sênior está nas histórias por trás de cada personagem fotografado e entrevistado. Moradora de São Francisco, Valerie é coautora do fotolivro Chinatown Pretty, que documenta o estilo de rua dos idosos em Chinatowns por diversas cidades dos EUA. “Quando cidadãos sêniores se vestem, não necessariamente o fazem pela moda. É criativo, genuíno e acima de tudo despretensioso”, diz. “Muitos contam uma história por meio do que estão vestindo: às vezes é uma história de cor com seis combinações de roxo diferentes ou até história de família com uma jaqueta feita por algum parente. Quando você tira um tempo para conversar com eles, acaba conhecendo um pouco mais sobre seus valores, referências e histórias de vida”.
Já para a consultora de moda Manu Carvalho, a atração das novas gerações pela moda da melhor idade está atrelada ao sentimento de afetividade em tempos difíceis. “Na minha visão, esse apelo com o estilo de pessoas mais velhas tem muito a ver com a busca de afeto durante a pandemia e, agora, em cenário de guerra”, analisa. “O afeto é um sentimento que também está diretamente ligado aos nossos avós”.
A voz e a vez da experiência
Ainda que na última década marcas tenham incluído modelos 60+ em desfiles e editoriais de moda, o fenômeno não se tornou norma e o setor ainda continua a desejar em certos quesitos, como produtos inclusivos. “Com o envelhecimento, mudanças no corpo também acontecem e sinto que a oferta de produtos que atendem essa necessidade ainda pode ser mais diversa”, afirma Sheila O’Callaghan, jornalista que agora virou modelo sênior.
Segundo o relatório The World Population Prospects 2019, da Organização das Nações Unidas (ONU), a população mundial com mais de 65 anos será de 17% até 2050. Em 2019, era de 9%. No Brasil, o envelhecimento cresce a passos largos. A projeção do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) é de que pessoas com mais de 65 anos no Brasil passarão de 9,5%, em 2019, para 25,5% até 2060.
À medida que cresce, a população da melhor idade também se digitaliza e cumpre importante papel no consumo pela internet. De acordo com o Google Survey Black Friday de 2018, os consumidores maiores de 55 anos compraram 1,4 vezes mais do que a faixa entre 18 e 54 anos, durante a data promocional. No Brasil, pessoas acima de 60 anos movimentam 1,8 trilhão de reais por ano, de acordo com dados do Pnad-IBGE.
“O público da terceira idade é quem tem o maior poder de compra e por muito tempo foi deixado de lado nas comunicações das marcas”, afirma Daniela Penteado, gerente de contas e especialista em tendências no WGSN Brasil – uma das empresas líderes em tendências de comportamento e consumo. “Com isso, as áreas de marketing estão reavaliando suas estratégias para incluir esse perfil em sua comunicação. Esses consumidores querem se sentir incluídos e representados. A era da autenticidade tem impulsionado representações mais realistas da beleza e, embora os produtos anti-idade ainda façam sucesso, a narrativa está se afastando do combate aos efeitos do envelhecimento e adotando uma postura ‘sinta-se bem em qualquer idade’”.
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