PREVIEW SPFW: O renascimento de João Pimenta

Há poucos dias de desfilar a nova coleção, o estilista recebe ELLE em seu ateliê para contar um pouco sobre seu processo criativo.


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João Pimenta em seu ateliê



Um sobradinho no bairro de Pinheiros guarda os segredos de uma das marcas mais importantes da moda masculina brasileira. Em quatro andares, divididos entre loja, ateliê, escritório e estoque, João Pimenta cria, produz e vende suas peças, que, apesar de não ser exatamente o estilo que grande parte dos homens procura, encontraram na subversão seu mercado.

O clima do último sábado antes do desfile na São Paulo Fashion Week, marcado para esta quinta-feira, 17.11, estava estranhamente calmo dada a proximidade do evento. É o que o estilista destinou a semana anterior para fazer provas e reprovas em cada um dos seus modelos, escolhendo o que cada um vestiria e fazendo questão que tudo caísse perfeitamente.

Suas três últimas coleções formam uma trilogia bastante focada nos sentimentos que assolaram muita gente durante os anos mais duros da pandemia. Começou em novembro de 2020, com um vídeo marcado pelo desespero de quem se encontrava confinado em casa. Sem vacina. Sem perspectiva de melhora. Naquela estação, João usou camadas, babados, bordados em tecido pesados e máscaras de couro para representar o sufoco que vivíamos.

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Desfile de João Pimenta no SPFW N53.

Desfile de João Pimenta no SPFW N53. Foto: Divulgação

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Detalhes da pintura à mão. Foto: Giuliana Mesquita

Para esta coleção, o designer pensou em renascimento – tanto no que diz respeito à pandemia quanto ao período histórico compreendido entre o século 14 e 18. “Senti vontade de rever tudo, olhar de outra forma, ressignificar um monte de coisas. Sempre uso as minhas modelagens base e criou em cima delas. Dessa vez, quis fazer uma modelagem do zero, desenhar peças que nunca tinha feito”, diz João. “Parti, então, de um caimento de roupa chamado degagê, que é uma espécie de drapeado”, explica. Na prática, são roupas com ombros mais arredondados, algumas com detalhes pregueados, e decotes no meio da barriga. Já a cartela de cores vai de bege e rosa esmaecidos a um marrom e vinho mais fechados.

O estilista mostra cada uma das peças com o brilho nos olhos de quem está explorando novos territórios. Nesta coleção, uma outra novidade é o casting, o mais diverso de sua carreira. “Voltei o olhar para um público ainda mais diverso, porque ainda temos aquela coisa que, por mais que a gente queira fazer diferente, acabamos voltando para o mesmo modelo magro e alto, que ‘ajuda na roupa’. Tive uma vontade gigante de ter pessoas gordas ficando mais à vontade no look e, principalmente, fazer isso de verdade. Estamos fazendo um exercício real com essa modelagem maior, mas sem mudar o estilo”, explica João.

E aqui vai um spoiler: na passarela, em dado momento, um menino muito magro vai cruzar com outro gordo. Os dois estarão com a mesma roupa. “E aí, você poderá ver que cai lindo nos dois”, fala o estilista. Após essa apresentação, sua grade vai aumentar de 50 para 58.

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Luiz Amorim provando seu look João Pimenta. Foto: Giuliana Mesquita

Naquele sábado, quem iria provar o look de seu pivô era Luiz Amorim, ator e diretor, que já conhecia o trabalho de João Pimenta há tempos, mas só foi se aproximar do criador  este ano, quando o designer criou o figurino da peça Deus de Spinoza, a qual dirigiu.

Visivelmente emocionado pelo combo de saia, camisa pintada à mão, casaco e Converse Run Star Motion escolhido por João, Luiz andou em meio às mesas onde as costureiras davam pontos finais em peças para treinar seu desfilar. “Com mais energia vai ficar perfeito”, sugeriu o estilista. Além dos corpos maiores, os clientes mais maduros também entraram no radar do estilista nesta estação. “Quem define o que usa são as pessoas, não as marcas”, pontua ele.

As pinturas à mão que permeiam a coleção também complementam a história. Com nome de Das Tripas Coração, ela fala sobre como a parte de dentro do nosso corpo é igual, independente da raça, corpo ou idade. Por isso, as vísceras e órgãos estampam camisas, casacos, saias, calças, jaquetas e transparências tanto recortadas e aplicadas quanto pinceladas diretamente nas peças. As padronagens de ossos e esqueleto também voltam, como na última coleção, mas agora com efeito matelassê.

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Arara com looks da nova coleção de João Pimenta. Foto: Giuliana Mesquita

A moda de João Pimenta é poética e, como ele mesmo reconhece, para um nicho de pessoas que não é contemplado por grandes empresas ou marcas. A sensibilidade de sua estética pode não ser para todo mundo, mas quem gosta, vira fã. Há clientes que, inclusive, ganham o direito de visitar o ateliê antes do desfile para separar seus looks favoritos antes mesmo que o grande público os veja. Na última edição, uma das mais dramáticas de toda sua história, as peças mais absurdas foram as que venderam mais rápido – e a coleção inteira voou das araras em poucas semanas. O estilista entendeu, como poucos, para quem ele desenha, cria e sonha. E é daí que vem essa tranquilidade inabalável, mesmo poucos dias antes de sua apresentação.

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