Rejina Pyo: “vestir quem apenas deseja seguir tendências não é meu objetivo”

Em entrevista à ELLE, a estilista coreana se abre e comenta com honestidade sobre a sua história, xenofobia, atemporalidade e o que acredita para a indústria da moda.





Com a sua elegância, atemporalidade e doçura, Rejina Pyo trouxe novos ares para a cena de moda de Londres, onde mora há 13 anos. À frente de sua marca homônima desde 2014, em pouco tempo, a estilista coreana se tornou uma das designers mais interessantes de sua geração – e colecionadora de prêmios. Hoje, ela é dona de uma lista de clientes extensa, incluindo nomes que vão de Leandra Medine à Meghan Markle. No entanto, ela não está interessada apenas em celebridades, muito menos em tendências ou conselhos ultrapassados.

Aos 38 anos, Rejina está empenhada em descobrir novos caminhos para a indústria na qual se encontra. Sempre focada nas necessidades femininas, acredita no poder transformador da honestidade, acima de qualquer estratégia de marketing contemporânea. Quando perguntamos sobre sua nova coleção, ela preferiu falar dos filhos em vez das roupas, e ainda com um sorriso no rosto. É que afeto é algo bem importante em seu processo criativo. Figuras como essa não são das mais comuns na moda.

Em conversa com a ELLE, Rejina Pyo nos relembra o valor eterno da genuinidade.

Como surgiu o seu interesse pela moda?

Tive muitas influências da minha mãe. Ela sempre teve interesses diferentes e uma obsessão por antiguidades. A nossa casa era cheia de móveis vintage, com uma decoração superunica. Lembro de quando era adolescente e voltava da casa de algum amigo e perguntava ‘mãe, por que só a nossa casa é diferente?’. Ela também foi designer por um tempo, então foi com quem eu aprendi a costurar e desenhar. Mas, o que ela mais me ensinou foi como as coisas materiais não são descartáveis e devem ser feitas para durar. Sinto que seria estilista de qualquer jeito, mas ela tem o seu papel nessa escolha.

E como entrou no mercado?

Estudei na Central Saint Martins, o que por si só já é uma ótima introdução à indústria. Os maiores estilistas estudaram lá. Depois de formada, trabalhei com Roksanda Ilincic e Christopher Raeburn, até lançar a minha marca, em 2014. Criar algo meu não foi exatamente fácil. Há tantas dores no começo e os primeiros anos são tão difíceis, de trabalho tão duro, mas aprendi muito, tinha de ser assim.

Você é coreana. Em que momento você se mudou para Londres? E como foi essa recepção? Sabemos que o racismo é uma realidade.

Me mudei aos 25 anos, quando estava ingressando na Saint Martins. Quando cheguei, não me apaixonei pela cidade de cara. Tudo era muito diferente e eu mal conseguia me comunicar. Nessa indústria, o racismo com pessoas asiáticas é tão normalizado que as pessoas te ofendem sem nem perceber que estão te ofendendo, o que é igualmente cruel. Para ser sincera, nem sei o que dizer sobre xenofobia. É tão revoltante e cansativo.

E como uma jovem estilista, o que você enfrentou?

As coisas podem se tornar difíceis quando várias pessoas te dão conselhos totalmente diferentes ao mesmo tempo. É importante ouvir, mas seguir e respeitar os nossos próprios instintos também é. As pessoas insistiam muito em dizer que as minhas roupas deveriam ser mais caras. Eles falavam: ‘você nunca vai estar ao lado da Prada com esses preços’. Lá atrás, em um certo momento, o meu agente de vendas me disse que eu deveria desistir da minha marca homônima e trabalhar para outra etiqueta. Me separei dele e decidi que, a partir daí, seria sempre 100% honesta com as minhas vontades e foi aí quando tudo começou a acontecer.

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Rejina Pyo.Getty Images

Desde o início da marca, você fala que não quer seguir tendências. Por que?

Quando lancei a Rejina Pyo, o ritmo de tendências estava começando a ficar muito acelerado e não era exatamente isso o que queria fazer. Me concentrei em construir algo que funcionasse a longo prazo. Vestir quem deseja apenas seguir tendências não é o meu objetivo, estou muito mais interessada naquelas clientes que querem se ver por meio de diferentes interpretações da moda e não têm medo de correr riscos.

Por sinal, você tem conseguido construir uma base de clientes com essas exatas características, não é?

Sim, já tive muitos momentos incríveis, mas quando vejo alguém usando Rejina Pyo em alguma loja, ou mercado, ainda é o que mais me arrepia. Nem acredito que consegui.

Recentemente, suas coleções passaram a ser sem gênero. Como decidiu isso?

Sempre quis criar para todos. Queria que meu marido e meu filho também pudessem usar o que eu desenho, que as minhas peças pudessem ser compartilhadas entre homens e mulheres. Então, começar a olhar para a moda por uma lente sem gênero foi o caminho natural.

“Ouvir mulheres é importante para que seja criado um diálogo direto entre a designer e a cliente. Isso não pode ser subestimado”.

Como a pandemia te afetou e como tem sido esse momento?

Desde que comecei a marca, nunca tinha parado. Então, poder desacelerar foi algo interessante secretamente, sabe? Pude ficar mais tempo com o meu filho e com a minha família, o que me ajuda a me manter sã nesse momento. Na marca, ainda logo no início da quarentena, conseguimos nos adaptar muito rápido, o que me deixou orgulhosa. Então, desde lá, estamos bem ajustados.

No início do isolamento, foi dito que a moda passaria por grandes transformações. Mais de um ano depois, você acha que algo mudou ou ainda vai mudar?

Antes de tudo isso, estávamos todos nesse ciclo corrido e nem sobrava tempo para questionar nada. Particularmente, eu usei esse momento para entender onde o meu negócio se encaixa nessa indústria, qual é o meu propósito, por que fazemos a diferença. E devo dizer que tive muitas respostas. Não todas, até porque não acho que algum dia iremos alcançá-las por inteiro. Mesmo que em alguns lugares as coisas já estejam melhores, todos nós ainda estamos muito receosos com o tempo que temos vivido. Por muitos meses, a preocupação geral não era com a moda, óbvio. Talvez, justamente por isso, a gente pôde investir em novos projetos e pensar em novos caminhos para o futuro. Foi a oportunidade para muitas marcas e estilistas começarem a tomar decisões mais corajosas.

Você considera que tomou alguma decisão corajosa?

Sim. Decidimos adotar o formato see now buy now e isso poderia ter sido muito arriscado. Não sei por quanto tempo irá durar, talvez não muito, mas pelo menos por enquanto, fez toda diferença para nós. Como as fast fashions não viram os nossos desfiles com antecedência, há bem menos cópias das nossas roupas pelas ruas. As imitações fazem parte do business para muitas das grifes tradicionais, eu sei, mas para marcas como a nossa não é vantajoso e nesse momento poderia nos prejudicar.


Vimos muitas marcas apostando em roupas mais confortáveis, algo que você sempre se preocupou. Como observa esse momento?

Lembro quando a pandemia começou e todos falavam sobre essa suposta transição para roupas confortáveis. Confesso que isso me pareceu um pouco estranho. Antes, os estilistas não estavam preocupados em fazer roupas práticas para a vida das mulheres? Isso foi o que eu sempre fiz e é o que mais me interessa: tornar funcional até as roupas mais glamourosas. O ritual de se vestir todos os dias, expressando o seu humor, é algo que me fascina. Se eu conseguir fazer com que as pessoas se sintam confortáveis, confiantes e especiais, estarei feliz.

Isso é tão importante, ainda mais vindo de uma mulher.

Sim, é algo que penso muito. Uma estilista entende perfeitamente o que é vestir as roupas que desenha. Nós conseguimos nos relacionar com as experiências e necessidades reais das clientes, porque são exatamente as mesmas que as nossas. Ouvir mulheres é importante para que seja criado um diálogo direto entre a designer e a cliente. Isso não pode ser subestimado.

Conta sobre o verão 2021, sua última coleção apresentada?

Passei um bom tempo do isolamento com o meu filho, na Coréia, e isso me fez muito bem. Sinto que muitas das minhas sensações desse período estão canalizadas nessa coleção. Tem um pouco de um espírito solar e veraneio, mas também há o instinto de que a felicidade pode ser momentânea, de que a felicidade é formada apenas por vislumbres pontuais.

E os seus momentos de felicidade são formados por quê?

Pelo meu filho, definitivamente.

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