Por que marcas de moda ainda resistem ao TikTok?
A plataforma tornou-se parte da equação de marketing, mas as etiquetas de luxo ainda parecem confusas em relação à rede.
“Não faça propagandas publicitárias. Faça TikToks.” Essa é a frase em destaque na primeira página dedicada a negócios no site da rede social chinesa. A afirmativa pode soar um tanto exagerada, mas não descabida. Se, na década passada, as empresas podiam antecipar e planejar mudanças, no cenário atual, a lógica é mais de reação e adaptação. Para se conectar com o público, não é difícil concluir que uma marca precisa ir até onde o seu consumidor está e, caso ele seja jovem, hoje já não há muitas saídas além do TikTok.
Para marcas de moda, embarcar na plataforma de vídeos pode ser intrigante na melhor das hipóteses, e alienante na pior. Porém, queiram elas ou não, essa mídia não irá embora tão cedo. Com uma geração inteira marcando presença por lá, parece que um mercado maduro de jovens consumidores foi capturado com um laço e jogado no colo de qualquer empresa em busca de lucro. O TikTok vem se tornando um grande negócio, e até os mais hesitantes do mercado precisarão recalcular suas estratégias de marketing.
DECIFRANDO O CASO
Noen Eubanks para CelineDivulgação
As primeiras estrelas do TikTok começaram a estreitar relações com a moda em dezembro de 2019. Quem saiu na frente foi a Celine. A marca francesa, que costumava apresentar campanhas com nomes aclamados, como a escritora Joan Didion ou a atriz Margaret Qualley, nomeou o tiktoker Noen Eubanks como seu novo rosto. Dois meses depois, a Prada reservou um lugar na primeira fila de seu desfile para Charli D’Amelio, a pessoa mais seguida na plataforma. Aos 15 anos, a garota capturou os bastidores do show e compartilhou tudo com seus seguidores. Em cinco vídeos, acumulou 235 milhões de views, chamando atenção para uma marca, até então, ausente do aplicativo.
Charli e Prada é uma história de amor que, apesar dos números impressionantes, não deu muito certo. Quer dizer, não teve futuro. Desde sua chegada no TikTok, em setembro de 2020, a marca italiana nada mais faz do que compartilhar trechos de seus desfiles. Os comentários dificilmente chegam a atingir três dígitos, enquanto no Instagram ultrapassam essa quantia com facilidade. A proporção do engajamento assusta ainda mais ao observar outras etiquetas: a Givenchy, que acumula 14 milhões de seguidores no Instagram, possui apenas 13 mil no TikTok.
Após uma década elaborando estratégias em torno do polimento já quase primitivo da rede de Mark Zuckerberg, as empresas de moda parecem ainda não ter entendido como usar o TikTok a seu favor. A plataforma não é apenas um Instagram de vídeos ou um Youtube de filmes mais curtos. Comparar a sua dinâmica com qualquer outra mídia social pode ser um erro e, se tratando em especial da primeira, é preciso ter em mente que elas não poderiam ser mais diferentes.
A ilusão da perfeição dourada foi uma arma poderosa para o Instagram, mas o TikTok é tudo menos isso. Sucesso e beleza também vão bem lá, como em qualquer outro lugar, mas antes disso, os usuários querem te ver fracassando, se envergonhando, rindo disso e tentando de novo. Quem se leva a sério demais não vai longe no aplicativo, e esse talvez seja um dos maiores erros cometidos pelas marcas de luxo. Os vídeos publicados nos perfis das etiquetas podem ser conceituais, artísticos ou seja lá como queira chamar, mas a ideia de um conteúdo altamente produzido e rigidamente controlado se perde em uma plataforma baseada na espontaneidade.
A Gucci sentiu isso pouco tempo depois de estrear no app. Nos primeiros meses por lá, ela pouco se arriscou. Os seus clipes comerciais para lançamentos de produtos só ganharam atenção após uma usuária gravar um TikTok zombando do maximalismo e das sobreposições excessivas vistas nas passarelas da etiqueta italiana. O áudio de Morgan Presley, de 22 anos, viralizou e foi usado por milhares de pessoas que gravaram vídeos reproduzindo a estética com suas próprias roupas. A reação da label foi rápida: deu-se nome ao desafio, apropriou-se dele e passou a compartilhar os vídeos mais legais em seu perfil. A hashtag #GucciModelChallenge ultrapassa 260 milhões de visualizações, enquanto outras impulsionadas pela grife anteriormente, como #GucciOuverture e #GucciEpilogue, não passam dos 2 milhões.
Esse foi o ponto de virada da marca no TikTok. O sucesso não foi resultado de uma estratégia brilhante ou de uma tentativa forçada de captar o zeitgeist, mas sim de um quase acidente. A partir de uma trend criada organicamente, a Gucci soube aproveitá-la, respeitando a linguagem do meio e jogando de acordo com as regras da rede. O áudio viral debocha da imagem de moda proposta pela casa italiana, mas a própria o divulgou, fazendo piada de si mesma. É assim que boa parte dos criadores ganha audiência na plataforma: através de um humor autodepreciativo, estimulando a conexão, em vez de um superestrelato intocável.
A Moncler não pensou muito diferente. Chamado de #MonclerBubbleUp, o desafio realizado pela marca pedia para que os usuários se embrulhasse em algo parecido com seus casacos acolchoados – as opções incluíam sacos de dormir e plástico bolha. A campanha apresentou Charli D’Amelio, aquela que a Prada não levou para frente, junto a outros grandes nomes do TikTok fazendo uma transição para um casaco Moncler real. Embora vídeos patrocinados como esses possam sair caros, eles podem valer a pena. Atualmente, a hashtag acumula mais de 7 bilhões de visualizações.
Ao contrário da Moncler, muitas marcas de luxo ainda parecem evitar os influenciadores do aplicativo. Em entrevista ao Fashionista, a stylist Tabitha Sanchez, responsável pelo visual de alguns dos maiores tiktokers, revelou: “você ficaria surpreso ao saber como é difícil conseguir algumas marcas para eles. São dezenas de telefonemas”. A nova-iorquina, porém, prefere que os números falem por si. Segundo ela, em um conteúdo recente de Lil Huddy, de 19 anos e com mais de 30 milhões de seguidores, havia uma jaqueta Dior: “ele nem marcou a grife no post, apenas vestiu. No dia seguinte, verifiquei e a peça já havia se esgotado”.
Até certo ponto, os receios por parte das empresas podem ser compreensíveis. “É necessário ocupar as redes sociais não apenas com qualidade, mas principalmente com intenção”, pondera Ly Takai, em conversa com a ELLE. Quando se trata de posicionamento e comunicação de marca, a pesquisadora e fashion branding defende a importância do domínio de qual público deseja-se atingir. “Mas não dentro de uma perspectiva engessada ou de uma segmentação convencional, afinal, hoje, as relações da nossa sociedade são tão fluidas quanto as pessoas”, completa.
Enquanto o mercado de luxo hesita, a roda segue girando: a indústria da beleza decola na plataforma e gigantes do varejo de moda também se dão bem. Após fechar mais de 100 lojas desde o início de 2020, a Gap viu alguns de seus produtos voarem das prateleiras ao serem citados organicamente no TikTok. “Tivemos um aumento de 200% nas vendas dos nossos jeans largos em apenas um dia”, afirma Mary Alderete, chefe global de marketing da empresa, em nota divulgada à NBC News.
Um produto na rede pode alcançar o mesmo efeito das músicas e danças que explodiram no primeiro boom da plataforma. Basta uma postagem viral para iniciar uma avalanche de resenhas e disputas e, rapidamente, o item já estará fadado a se esgotar. “O vídeo pode demonstrar muitos atributos de um produto ou marca, e a aderência tem sido enorme”, comenta Ly Takai. “As plataformas vêm se modificando para dar foco a esse tipo de desenvolvimento criativo, então, não há porque negá-lo e muito menos trabalhá-lo de forma convencional.”
Um bom exemplo disso é o Instagram. A rede nasceu dedicada às fotos, mas há algum tempo passou a criar mais espaço para os conteúdos audiovisuais – algo que o head da plataforma, Adam Mosseri, prometeu intensificar ainda mais, em uma publicação (em vídeo) recente.
Para tanto, Ly não encontra muitas alternativas além do estímulo ao poder de adaptabilidade: “as marcas que não se ajustarem serão engolidas pelas que entendem o ritmo, o formato e o consumidor dos novos tempos”. E essa adaptação tem muito a ver com controle, algo de que muita grife de luxo não está disposta a abrir mão.
A reprodutibilidade quase infinita proposta pela rede chinesa, por meio das ferramentas de dueto e costura (reagir ou responder em vídeo à um TikTok), permite que até a campanha mais meticulosamente planejada mude de rumo, de acordo com os caprichos dos usuários. Estar na plataforma exige soltar as rédeas, o que pode assustar, mas ser muito proveitoso, se a marca for capaz de entrar na natureza autêntica da rede.
A hashtag da Moncler só foi um sucesso porque a italiana permitiu que os usuários contassem suas histórias e liderassem a conversa. Embora muitas campanhas venham com desafios ou músicas pré-definidas, as melhores têm vida própria. Se realmente funcionar, elas serão inseridas em contextos que as empresas jamais teriam imaginado. Em casos como esse, é literalmente pedir ao público que ele faça uma propaganda para você.
Tudo bem, o TikTok até pode ser um mundo regido a regras sociais muito específicas e difícil de penetrar caso você não se identifique. Acontece que, à essa altura, o aplicativo é mais como um fato do que uma mera hipótese. O segredo do sucesso, se é que existe, é abrir-se de verdade à novidade e não apenas reivindicar um lugar em um espaço que não lhe pertence. Esqueça conteúdos aspiracionais e superproduzidos. No TikTok, por ora, ninguém sabe o que realmente está fazendo e, enquanto as marcas de moda decidem o que fazer, os usuários seguem construindo seus próprios microuniversos, com ou sem a presença delas.
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