Uma marca de óculos. Só que diferente

Com tecnologia 3D, a Reframd produz óculos sob medida focados em pessoas esquecidas pelo padrão de mercado.


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Murilo Iwassake usa óculos há uma década, mas sempre teve dificuldades para encontrar um modelo que se adaptasse ao seu rosto. ”Por vários anos, encontrá-los foi se tornando uma experiência ruim. Achava que não combinavam comigo e não eram confortáveis o suficiente”, diz o estudante, residente de Florianópolis (SC). O depoimento converge com o de Fabiana Camargo, estilista de São Paulo: ”é difícil encontrar uma armação que se encaixe na sua anatomia. Pela especificidade do nosso nariz, às vezes, aperta e não se acomoda corretamente”. O motivo das experiências negativas? As armações ainda seguem um ‘padrão de beleza’ e são, normalmente, projetadas para um nariz mais fino e magro.


Essa realidade excludente, aliada à frustração de também não encontrarem modelos compatíveis com suas necessidades, chegou ao sul-africano Ackeem Ngwenya ao holandês Shariff Vreugd. A dupla, radicada em Berlim, relata que achava que seus rostos não eram feitos para os óculos disponíveis no mercado. Até que perceberam ”que o problema não era com a gente, mas com os próprios designs”, compartilha Shariff em entrevista à ELLE. ”Depois desse momento ‘eureka’, ficou claro que os óculos não foram feitos para pessoas como nós e decidimos fazer algo a respeito.”

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Nana D’Artist, modelo, usa óculos Umoyo.Foto: Ibra Wane

E fizeram. Em 2020, fundaram a Reframd, uma marca de óculos focada em pessoas com narizes mais largos ou achatados. “O público alvo são ‘todas as pessoas com esse perfil. Podem ser negros, pessoas do Leste Asiático ou qualquer um cujo nariz esteja fora do ‘padrão'”, diz Shariff. A ideia da dupla foi validada por diversas pessoas de toda a Europa Ocidental, EUA, Brasil, África Subsaariana e Japão, todas com interesse e pertencimento ao propósito em comum. ”Tem sido uma verdadeira surpresa ver o número de pessoas que se sentem reconhecidas, vistas e valorizadas porque os produtos estão sendo desenvolvidos especialmente para elas.”A tecnologia 3D

Um dos recursos da Reframd é a tecnologia 3D. É ela quem permite o investimento em diversidade. Shariff explica que o primeiro passo é criar uma versão tridimensional do rosto do cliente. ”Funciona como uma nuvem de pontos que representa vários marcos faciais (olhos, nariz etc.). A partir disso, obtemos parâmetros que orientam a criação de quadros.” Esses quadros têm as medidas específicas de cada pessoa. Por isso, as peças são basicamente feitas sob medida.

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Akhir Ali, modelo, usa óculos Liptika.Foto: Ibra Wane

”Depois de criar e verificar um quadro, enviamos os dados para nosso parceiro de produção, na Bélgica”, continua o designer. “A impressão 3D, neste caso, nos permite oferecer molduras personalizadas com um mínimo investimento na fabricação. Isso também significa que nosso processo de desenvolvimento de produto é bastante flexível e dinâmico: podemos fazer alterações em nossos projetos até um minuto antes de enviá-los para produção.”

Murilo acredita que investir nesse tipo de tecnologia e pesquisa é fundamental para que as marcas tenham diversidade. ”Para haver mudanças, é preciso estudar os diferentes tipos de rostos. Hoje, temos o escaneamento digital que facilita todo o processo e permite testar digitalmente os óculos em diferentes pessoas.”

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Naemi Trenelle e Nana D’Artist posam para editorial da Reframd.Foto: Ibra Wane

Processos mais tecnológicos, pautados na esfera digital, têm crescido na moda. Shariff e Ackeem acreditam que isso pode ajudar a democratizar a indústria, já que permite um intercâmbio maior acerca da metodologia e localização da produção. De acordo com a dupla, a escolha da impressão 3D também é uma tentativa de trazer a automação para mais perto de casa. ”Chega de mão de obra barata em países estrangeiros para reduzir os custos. Em vez disso, usamos a tecnologia 3D para mudar a forma como fazemos óculos, aproveitando o que esse método pode oferecer em termos de velocidade e produção just-in-time.

O que é ”normal”?

São comuns filtros de Instagram e tutoriais de maquiagem no YouTube que ensinam a ‘afinar o nariz’. Mas por que isso seria necessário? Essa incessante ‘ditadura da beleza’ faz com que pessoas como Shariff, Ackeem, Murilo e Fabiana passem anos acreditando que itens essenciais, como os óculos, não são para elas. ”O que acontece (com quase tudo) é que existe um padrão, mas as pessoas são diversas, ou seja, existe um paradoxo aí”, desabafa Fabiana.

A questão da padronização se transforma quase em um controle de corpos, através do qual a indústria do design, da moda e da beleza ditam as regras. Não é à toa que, no Brasil, as cirurgias plásticas aumentaram 141% nos últimos dez anos, conforme a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Da estatística, fazem parte as cirurgias de rinoplastia. Os motivos para realizar o procedimento podem ser diversos, mas um estudo da Academia Americana de Cirurgiões Plásticos Faciais e Reconstrutores, aponta que 55% das plásticas no nariz, em todo o mundo no ano de 2017, tem como principal motivador sair ‘melhor em selfies’.

É uma questão da indústria da moda e da beleza, mas não só. Tudo faz parte de um sistema que precisamos subverter para que a diversidade seja motivo de celebração, e não de exclusão. ”A indústria do design não é a única que não é inclusiva e diversificada o suficiente. Na verdade, a maioria dos setores não é. É uma questão de poder. Quem tem o poder de decidir quais produtos são feitos, por quem e para quem são feitos? Quem é considerado normal?”, questiona Shariff.

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