A comunidade indígena vai à luta contra o coronavírus
Conheça Vanda Ortega, do povo Witoto, professora e técnica em enfermagem que atua na linha de frente no combate ao Covid-19 no Parque das Tribos, em Manaus.
Fotos Christian Braga
Foi em meados do mês de abril que Vanda Ortega se deparou com o primeiro caso grave de Covid-19 no Parque das Tribos, na periferia de Manaus. Com dificuldade respiratória, tosse e muita dor de cabeça, a mulher, do grupo indígena Tuiuca, não conseguia se levantar. “Me assustou muito. Quando eu a vi naquela situação, sem conseguir sair da rede, eu falei: meu Deus, a nossa comunidade realmente está com vírus”.
Técnica em enfermagem, acadêmica de pedagogia pela Universidade do Estado do Amazonas e indígena do povo Witoto, Vanda, de 33 anos, é a única profissional de saúde moradora do Parque das Tribos, onde vivem cerca de 2. 500 indígenas de 35 grupos étnicos. Logo que começaram a aparecer os primeiros casos de contágio pelo novo coronavírus na capital amazonense, ela passou a acumular a jornada de trabalho em seu emprego, no centro cirúrgico da Fundação Alfredo da Matta, com o trabalho voluntário no bairro. Quem manifesta sintomas da Covid-19 procura Vanda pelo whatsapp, para que ela vá ao local, tire a temperatura, meça a pressão e dê orientações.
Vanda também começou a atuar logo no início da pandemia na prevenção contra o coronavírus. Ajudou na produção de um vídeo, feito com outros moradores, sobre os cuidados para evitar o contágio, além de realizar a primeira campanha de arrecadação para a compra de materiais de proteção para todos na região. Começou a produzir máscaras, juntamente com outras mulheres do Parque das Tribos, para incentivar a comunidade a se proteger. “Só tinha uma máquina e estávamos produzindo 20 máscaras por dia. A gente só estava dando para as pessoas que estavam tossindo ou que precisavam ir pra fora da comunidade”, conta ela. A demanda começou a aumentar e Vanda saiu em busca de doações. Conseguiu mais duas máquinas, tecido e elástico. “Montei na casa da minha mãe uma mesa bem grande, onde três mulheres começaram a confeccionar as máscaras para a comunidade.”
Mas foi ao atender aquele primeiro caso grave no bairro, da mulher Tuiuca, que a técnica em enfermagem percebeu que a comunidade teria outro desafio a enfrentar. O problema, agora, não era a desinformação ou a falta de materiais, mas um entrave institucional. Ao solicitar uma ambulância ao SAMU para atender a parente (como os indígenas se referem uns aos outros), ela teve o pedido recusado. A alegação era de que, por ser uma paciente indígena, o atendimento deveria ser feito pela SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena), mesmo sendo o Parque das Tribos um bairro de Manaus.
Vanda relata a angústia daquele momento: “A minha parente estava morrendo no fundo da rede, estava com muita falta de ar e dor”. Sem conseguir ambulância do SAMU ou do SESAI, a técnica em enfermagem resolveu a questão por conta própria: contrariando a família, que não queria que ela fosse ao hospital, paramentou-se com luvas, máscara e capote e, junto com o filho da mulher doente, levou-a para uma UPA. “Não ia deixar minha parente morrer enquanto eu pudesse fazer alguma coisa.” Depois de passar a noite e o dia seguinte inteiro internada, a mulher teve alta e voltou para casa.
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