Paris Fashion Week: Comme des Garçons, verão 2025

Existem algumas maneiras de reportar um desfile da Comme des Garçons, marca japonesa que chega ao Brasil em maio do ano que vem. Tem o jeito descritivo, no qual a gente falaria das estruturas rígidas e/ou volumosas que entraram na passarela em 23 looks. Mencionaríamos ainda os materiais: de um tipo de resina com aparência de gesso molhado, passando pelos jacquards florais àqueles tipo lona estampada com fotografias de multidões, até as almofadas ou travesseiros cobertos por organza ou tule. Ah, e não esqueçamos da sequência final de vestidos brancos com estruturas em formato de rolos ou amontoados de tecidos.

Também dá para comentar o desfile de um ponto de vista menos factual e mais histórico, contando como aquelas formas aleatórias se conectam ao passado da grife. Desde sua fundação no fim dos anos 1960, a etiqueta de Rei Kawakubo é conhecida – entre outras coisas – por trabalhar com construções bem fora da curva e com matérias-primas pouco convencionais.

E aí tem a livre interpretação – quase sempre a mais interessante quando associada a aspectos alheios à moda ou à passarela. Para o verão 2025, a estilista nipônica se limitou a dizer que se trata de futuros incertos. E, assim, para bom entendedor, meia palavra basta, né? É só passar o olho pelo noticiário para vislumbrar uma fração das incertezas que pairam sobre nossas vidas.

Comme des Garçons, verão 2025 Foto: Divulgação

Paria Fashion Week: Comme des Garçons, verão 2025

Comme des Garçons, verão 2025 Foto: Divulgação

Leia mais: Conheça a história de Rei Kawakubo, fundadora e criadora da Comme des Garçons

Dizem que a moda é o reflexo de uma (parte) da sociedade em determinado momento da história. Pode até ser. Mas é, sobretudo, a visão ou expressão de um criador em relação àquele período ou recorte. Rei nunca escondeu que suas roupas são manifestações bastante arbitrárias sobre qualquer coisa que a afeta ou impacta.

O fato de ela não explicar esse processo é só mais um elemento na equação de sucesso da etiqueta. Nesta temporada, ela falou (via tradução de seu marido, o executivo Adrian Joffe) apenas que um pouco de ar e transparência ajudam no confronto de um mundo duvidoso.

O desfile começa com uma série de três looks brancos de aparência rígida. Alguns lembram colunas gregas pela forma e textura. Porém, dado o caminho lento das modelos, os movimentos delicados (ou calculados), aquelas peças transmitiam uma enorme sensação de delicadeza e fragilidade. Como se pudessem quebrar ou rachar sob qualquer gesto brusco.

Comme des Garçons, verão 2025 Foto: Divulgação

Leia mais: Dover Street Market Paris: o belo caos de Rei Kawakubo

A sequência seguinte tem mais maleabilidade. São formas acolchoadas acumuladas umas sobre as outras, quase sempre envoltas por tule, seda ou organza. Aqui, entram cores na jogada, embora numa cartela limitada. As imagens fotográficas surgem pontualmente, sem muita leitura no meio de uma grande confusão. Vez ou outra, a rigidez retorna – ou quase. Nesses casos, os shapes ficam polidos, com desenhos mais definidos (um cone, um cilindro, uma pirâmide invertida, um biscoito da sorte chinês, um pufe) e pequenas aberturas, algumas arrematadas por fitas de gorgurão brancas ou vermelhas.

Pode parecer contraditório – paradoxal, para dizer o mínimo – falar de alívio com roupas que parecem engolir quem as usa. É questão de ponto de vista. Às vezes, um casulo protetor é mais reconfortante do que a completa exposição ao caos. Ainda assim, não existe porto 100% seguro, vale lembrar.

Em dado momento, algumas modelos ficavam frente a frente na passarela estreita. Olho no olho, entendimento do espaço próprio e alheio, aquele jeito para cá, uma jogadinha para lá, e todo mundo continua seu caminho sem maiores dramas. Vai ver que o ar e a transparência são exatamente isso: o simples entendimento das diferenças e espaços, e vida que segue. Sem dúvidas, assim seria bem mais tranquilo.