Nas alturas
No alto de uma torre batizada de Mata Atlântica, junto à Cidade Matarazzo, Alexandre Allard construiu um refúgio repleto de referências brasileiras – e uma vista 360 graus de São Paulo.
Esqueça os tradicionais pedidos de moradores a seus arquitetos para o projeto da casa dos sonhos. Nesse caso, o briefing do proprietário é de outra dimensão: fazer do espaço um símbolo de regeneração urbana para São Paulo ou um catálogo do melhor do Brasil. O morador: o francês Alexandre Allard. Na verdade, o proprietário do edifício onde construiu, no topo, a sua casa brasileira, e também do entorno dele, a chamada Cidade Matarazzo, formada pelos prédios do antigo Hospital Matarazzo e da Maternidade Condessa Filomena Matarazzo, que ele restaurou e ali instalou o seu luxuoso hotel Rosewood São Paulo, entre outros serviços.
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Allard, 55 anos, fez fortuna ainda jovem, quando fundou a Consodata, a primeira base de dados digital especializada em comportamento de consumo no mundo. Também ficou famoso pela reabilitação do icônico hotel Royal Monceau, em Paris, entre outros. Há mais de dez anos, ele se dedica ao seu megaempreendimento no Brasil. Junto à área do complexo histórico, localizado próximo à Avenida Paulista, fica uma moderna e imponente construção batizada de Torre Mata Atlântica. Projetada pelo arquiteto francês Jean Nouvel, vencedor do Prêmio Pritzker, o Nobel da arquitetura, a torre é envolta em um jardim vertical, formado por 10 mil árvores, que sobem por treliças. No cocuruto da torre fica a cereja do bolo: a penthouse do empresário.
Tudo nela é impressionante, de uma imensidão que nos coloca um pouco acima do mundo, portanto um pouco fora dele também, devido às dimensões avantajadas do espaço interno – um triplex de 860 m2 – e à magnitude da paisagem externa – uma visão da cidade de 360 graus, a 100 m de altura. Sem nenhum exagero, a sensação é de estar planando sobre a cidade.
O espetáculo da vista da selva de pedra na chegada à casa é impactante, porém a partir do salão de estar gigante, com pé-direito triplo e cercado de vidro, a experiência sensorial é de muita leveza. Proeza notável até mesmo na monumental escada suspensa, que leva ao segundo pavimento. Apesar da materialidade – 16 degraus de mármore de 3,80 m de comprimento e peso de cerca de 1 tonelada, cada um –, a escada, cheia de elegância, parece flutuar. Uma homenagem a Oscar Niemeyer, segundo Allard. O que o mestre não conseguiu fazer no Palácio do Itamaraty, por limitações de produção, o empresário realizou no seu triplex. Essa é apenas uma das histórias da categoria epopeia que envolvem a construção desse apartamento.
Em primeiro plano, namoradeira do equatoriano Angel Pazmino, de 1960, e, ao fundo, poltrona Tonico, de Sérgio Rodrigues, além de itens de artesanato brasileiro. As peças em cerâmica da etnia Waura estão disponíveis na Dpot Objeto. Foto: Matthieu Salving.
Terminada a sessão de fotos para a reportagem, Allard pega na estante do segundo andar, onde ficam o escritório e três das quatro suítes, a revista L’Architecture d’Aujourd’hui, que ele comprou (não o exemplar, mas a marca), e conta que na época Niemeyer telefonou, dizendo: “Você é o francês que salvou essa revista tão importante?”.
A publicação, que estava fechando, foi a primeira a falar do arquiteto brasileiro no exterior, em 1947. Entre as conversas que tiveram, a escada do Itamaraty foi um assunto de destaque. “Quando visitei Brasília com ele”, lembra Allard, “Niemeyer disse ter escolhido um granito chamado branco argento, de Curitiba, para usar porque Juscelino Kubitschek viu a pedra na inauguração de um prédio e gostou. Por isso, todas as pedras usadas no Itamaraty e nos palácios vêm de lá. Só os degraus, Niemeyer não fez com o branco argento porque não conseguiram cortar peças gigantes.” Assim, a aventura para homenagear o maior arquiteto brasileiro começou com a abertura de uma jazida para edificar, com a mesma pedra de Brasília, a escada enorme da penthouse. “Depois importei máquinas da Itália e criei uma usina para cortá-la.”
Caranguejo com Renda, de Joana Vasconcelos, poltrona Tonico, de Sergio Rodrigues, e peça indígena na parede. Foto: Matthieu Salving.
Outros processos de trabalho foram igualmente mudados para realizar os desejos do morador. As pranchas imensas (10 m de comprimento) de madeira sucupira que revestem o piso da sala principal exigiram caminhões especiais para o transporte. “Trouxe artesãos da França, do Ateliers de France, que são os melhores do mundo no trabalho com marcenaria, para ensinar a fazer os detalhes de acabamento.”
O propósito de apresentar um catálogo do melhor do Brasil foi levado a sério. O próprio francês Philippe Starck, que assinou a direção artística, embarcou na viagem. “Eu disse para ele: ‘Vamos trabalhar com os locais’”, conta Allard. Uma marca indelével, porém, da estrela do design internacional brilha na suíte principal: a banheira de mármore estrategicamente disposta para a vista aérea da cidade.
Banheira de mármore com design Philippe Starck. Foto: Matthieu Salving.
Os objetos de arte espalhados pelo apartamento vão desde desenhos de Tarsila do Amaral (“Sou o único que teve a autorização para reproduzir originais”) até objetos de designers contemporâneos e indígenas (“A maior coleção do mundo”). Nas estantes, obras icônicas sobre o país, como Brésil, des Hommes Sont Venus, de Blaise Cendrars, um vinil oferecido por Ben Jor e outro por Chico Buarque. E imagens de Nossa Senhora, como a da padroeira Aparecida e a francesa da Medalha Milagrosa. E ainda há a ayahuasca numa garrafa disposta na estante. Na suíte principal, Allard recriou o cartaz de um filme do Tarzan, na pele de Johnny Weissmuller, em que ele aparece junto a uma iguana e a Jane, entre palmeiras e bananeiras, contemplando a cidade do alto.
Detalhes do banheiro da penthouse. Foto: Matthieu Salving.
Caso Tarzan saísse da suíte e subisse alguns lances de escada, o estadunidense Weissmuller certamente largaria o papel de homem macaco para relembrar no melhor estilo seus momentos de campeão de natação.
No último andar, o 25º da torre, entra-se numa pequena floresta, com belas e vigorosas espécies da Mata Atlântica, para terminar em uma enorme piscina de borda infinita e a vista arrebatadora do skyline. E o melhor de tudo, o triplex de Allard faz parte do pool do Rosewood São Paulo. Ou seja, quando o empresário não está na cidade, ele fica disponível para hospedagem.
Vista espetacular para a cidade de São Paulo. Foto: Matthieu Salving.
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- Esta reportagem foi publicada originalmente na edição impressa do volume 3 da ELLE Decoration.
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