Mobiliário moderno e arte contemporânea se encontram em apartamento em São Paulo
Coleção de obras de arte ganha destaque neste apartamento em São Paulo assinado pela arquiteta Carolina Maluhy.
A arte, a vegetação, o branco e a luz. Italiana, Stefania Pelusi Cestero tinha muito claras as ideias que norteariam seu apartamento em São Paulo. Primeiro: era preciso que se pudesse avistar o verde e a amplidão do céu, mesmo em meio ao concreto do bairro Jardim Paulistano. Segundo: as obras de arte teriam protagonismo. Estabelecidos no Brasil desde 2011, ela e o marido, o advogado Francisco Luís Cestero, encontraram no mobiliário moderno e, em seguida, na produção artística contemporânea uma maneira de fincar raízes no país. Hoje, o casal faz parte do conselho consultivo de instituições culturais, como o Masp e o Teatro Cultura Artística. A paixão por arte está em cada detalhe. No centro da sala, onde recebem musicistas, amigos e amantes de música clássica, um piano de cauda é o centro das atenções nos animados recitais que o casal promove. Ao fundo, vê-se a cidade, emoldurada na janela, que atravessa a sala de ponta a ponta.
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As poltronas de Joaquim Tenreiro e Sergio Rodrigues e a cadeira de Lina Bo Bardi dão o tom modernista. Pendurada ao fundo à esquerda, Embutido IV, obra de Marepe. Foto: Ruy Teixeira
“Só aceitei morar em São Paulo por causa dessa casa, dessa vista”, crava Stefania com um ótimo português, confessando a resistência que teve para aterrissar com os filhos num idioma e numa cultura sobre os quais pouco sabia. Embora se trate de um apartamento, faz todo o sentido chamá-lo de casa – a escada translúcida, que integra os dois pavimentos, o terraço, rodeado pela folhagem tropical (com o paisagismo assinado por Renata Tilli), e o caráter aconchegante dos espaços incrementam essa impressão.
Trabalho de Sara Ramo junto à estante de Joaquim Tenreiro. Mesinha de apoio para os pés atribuída a Zalszupin. Foto: Ruy Teixeira
Foi o arquiteto Isay Weinfeld, contratado para conceber o escritório de Cestero, que sugeriu o nome de Carolina Maluhy para pensar a reforma da residência. Ao se conhecerem, entretanto, a arquiteta e a cliente descobriram uma espécie de coincidência cósmica: Stephania havia morado com o marido de Carolina em Londres décadas antes. “Quando contei, vi que ela ficou surpresa. A expressão ‘morar com’, em português, pode significar muitas coisas, inclusive estar em um relacionamento, o que certamente não era o caso. Éramos roommates”, lembra Stephania, divertindo- se. “Acabou virando uma piada entre nós.”
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Obras de Fernanda Gomes. Foto: Ruy Teixeira
Os dois casais se tornaram amigos e Carolina encampou a missão de fazer o projeto. “Busquei a simplicidade e a unidade dos espaços. Como é uma casa que tem obras e objetos importantes, que pedem um olhar mais demorado, foi essencial criar um respiro entre eles. Sem o recurso da cor, nos focamos nas proporções, em jogos de luz e sombra e no uso de diferentes texturas de branco”, conta a arquiteta, que mantém escritórios em Londres e em São Paulo, com trabalhos de peso espalhados pela Europa. Sua marca registrada são projetos com uma paleta de materiais minimalista e o foco em formas puras e proporções equilibradas.
Cerâmicas de Shoko Suzuki sobre a mesa de Zalszupin. Foto: Ruy Teixeira
O segundo pavimento mereceu uma atenção especial. “A ideia foi limpar, retirar o que podia ser uma interferência, criando um ambiente que ressaltasse a vista maravilhosa e integrasse melhor o terraço”, rememora Carolina. “Eu queria que a parte de cima pudesse ser vivida”, completa Stefania. Nada dá mais a dimensão da transformação do que a instalação de uma claraboia com brises de madeira que abre e fecha, permitindo que se aviste diretamente o céu.
A mesa Andorinha, de Zalszupin e a obra Por um Fio (na parede à esquerda), de Anna Maria Maiolino. Foto: Ruy Teixeira
O escritório ganhou luminárias que um dia pertenceram a uma alfaiataria dos anos 1960. Alguns móveis projetados ou sugeridos por Carolina vieram complementar os que Stefania já começara a colecionar. “Os italianos têm sensibilidade para o design, mas o que eu vi no Brasil é único: certo background europeu, mas com exuberância”, elogia. Cadeiras de Lina Bo Bardi, uma poltrona Mole, de Sergio Rodrigues, e peças que participaram da primeira exposição de Joaquim Tenreiro na Pinacoteca, entre outras, ajudam a compor o local de maior convivência, trabalho e leitura do casal, no segundo piso.
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Obras de Adriana Varejão (na parede ao fundo) e Cildo Meireles sobre o aparador desenhado pela arquiteta. Foto: Ruy Teixeira
Uma fotocolagem de Caio Reisewitz que mistura vegetação e arquitetura foi a primeira aquisição feita numa galeria brasileira. Pouco a pouco, a arte passou a ocupar toda a casa, incluindo obras de forte conteúdo político. Assim, diferentes itens de Cildo Meirelles (como um múltiplo comemorativo dos 40 anos de Sermão da Montanha: Fiat Lux, de 1979), Rosângela Rennó (uma obra da emblemática Série Vermelha), Rivane Neuenschwander (Repente, de 2016, um painel de madeira, cortiça e feltro com frases inspiradas pelos protestos que tomaram a Avenida Paulista naquele ano) e Marepe (Embutido IV), além de obras de nomes mais jovens, como Sofia Borges, Paulo Narazeth e Jonathas de Andrade, viriam compor a coleção.
Um destaque especial, no entanto, é dado às obras de três artistas mulheres, cada uma com um canto na sala: Renata Lucas, conhecida por seu diálogo irreverente com espaços urbanos, Fernanda Gomes, que trabalha com a capacidade reflexiva e refratária do branco, e a veterana Anna Maria Maiolino, com quem Stefania compartilha a ascendência italiana e que se tornou uma amiga pessoal, com direito a longas conversas telefônicas ao longo da pandemia.
Obra Tectônica Evasiva, de Renata Lucas. Foto: Ruy Teixeira
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No quarto do casal, em meio aos livros, uma obra de Marilá Dardot ladeia a cama, ostentando uma frase de Jorge Luis Borges sobre um homem desterrado que rememora. A história da casa é também uma história de transformação pessoal do casal. Depois de ter vivido por muitos anos em Nova York e ter conseguido voltar para a Roma que lhe fazia falta, Stefania foi convencida, com certo custo, a alçar voo outra vez para abraçar o Brasil. Assim o fez. E hoje se mostra apaixonada pela decisão.
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- Esta reportagem foi publicada originalmente na edição impressa do volume 2 da ELLE Decoration.
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