Arte e materialidade: 7 designers que redefinem matérias-primas

A matéria-prima pode ser a chave para a construção de uma identidade criativa forte, aliando a escolha a estilo, referências culturais, memórias afetivas e sustentabilidade. Eis alguns designers inspiradores não só pelo talento, mas também pelo material que caracteriza as suas obras.


Designers inspiradores: conheça profissionais dedicados à diferentes tipos de matérias-primas.
Peças da Alva Design, de Susana Bastos e Marcelo Alvarenga. Foto: Divulgação



Matéria-prima das famosas esculturas de Aleijadinho, de adornos de igrejas e de edifícios barrocos de Minas Gerais, a pedra-sabão virou quase um símbolo do estúdio Alva Design, formado pelos irmãos Marcelo Alvarenga, arquiteto, e Susana Bastos, artista e estilista. Os dois cresceram imersos nesse contexto cultural – até as panelas da casa dos pais e avós eram feitas da rocha. Com essa memória afetiva, nada mais natural então que ela virasse o material queridinho da dupla e em suas mãos ganhasse um novo significado. “É uma pedra linda e dócil”, diz Marcelo. “Com ela, estamos produzindo peças que carregam uma brasilidade ancestral e, ao mesmo tempo, exalam contemporaneidade”, completa Susana.

O início foi despretensioso. Os designers queriam apenas transformar objetos que os artesãos já faziam, dando a eles um toque atual, para fugir do senso comum. Do primeiro contato com a pedra-sabão veio a linha de vasos Morandi, inspirada nas linhas do artesanato mineiro. O caráter singelo da ideia, no entanto, trazia uma sofisticação sutil: juntos os vasos, de desenhos únicos, remetiam à obra do pintor italiano Giorgio Morandi. Em seguida, o Alva lançou a série Bolas Sabão, também iguaizinhas às vendidas nas feirinhas de artesanato. Mas seus ricos detalhes de latão polido ou cobre oxidado faziam toda a diferença no visual.

Designers inspiradores: conheça profissionais dedicados à diferentes tipos de matérias-primas.

Susana Bastos e Marcelo Alvarenga da Alva Design. Divulgação

“O passo seguinte foi investir em desenhos mais complexos”, conta o designer. A ideia ganhou força e beleza nas coleções Itá (“pedra” em tupi-guarani), primorosamente executada com a borda em diferentes espessuras, e Amorfos, definida por uma oposição de cheios e vazios, que soma a sensação de movimento a uma pegada artsy. Empolgado com o resultado, o duo tratou de explorar novas possibilidades para essa rocha macia, facilmente torneável, acrescentando outros materiais, formas e acabamentos.

“Vimos que o cinza do mineral ficava bonito não só com o metal, mas com madeiras escuras também, como a baraúna”, afirma Marcelo. Para quebrar a geometria circular, a dupla adotou cortes retos nas obras mais recentes. Além disso, anda experimentando diferentes arremates. “O apicoado, feito manualmente, dá uma textura linda à pedra.”

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Alva Design: marca tem amplo trabalho com pedra-sabão. Divulgação

Madeira bruta

Escolhida pelo designer Rodrigo Silveira como o elemento principal de seu trabalho, a madeira maciça o aproximou da natureza. Foi uma conexão lenta, orgânica e, no fim, visceral. Depois de se formar em desenho industrial, ele decidiu estudar marcenaria só para ficar de olho na execução de seus projetos – acabou se apaixonando pelo ofício e virou marceneiro também. Aprimorou inclusive algumas técnicas para desenvolver o mobiliário artesanal de linhas bem racionais que assina. No meio do caminho, porém, percebeu que a estratégia só estaria completa se também entendesse tudo sobre a origem da matéria-prima. “Descobri que eu teria de ir até a floresta para aprender.” E nunca mais parou de viajar à Amazônia.

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Rodrigo Silveira trabalha com madeira maciça. Foto: Divulgação

De tão habitué por lá, Rodrigo se aproximou de comunidades ribeirinhas e, ao sul, de algumas etnias do Xingu. “Eu queria pesquisar meios de produção mais justos com a floresta e com as pessoas que vivem dela”, conta. Resultado: o estudo deu um norte ao seu trabalho, que busca evidenciar, além do aspecto sustentável, a beleza, a rusticidade e a força do material. Tudo supervisível na sua nova e incrível coleção de banquinhos, peças únicas ditadas por um interessante jogo de contrastes e semelhanças.

Já em seu ateliê, o designer emprega técnicas e encaixes genuinamente brasileiros, que eram usados por aqui antes de a colonização portuguesa chegar. “O conhecimento que permeia a floresta e seus povos é enorme e ainda pouco utilizado”, diz. “A possibilidade de aprendê-lo, aplicá-lo e divulgá-lo é o que me estimula, me faz sentir vivo.”

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Banco do designer Rodrigo Silveira. Foto: Divulgação

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Efeito cromático

Super em alta, o aço inox dá o tom fabril chic e diferentão da coleção Sons of Metal, do arquiteto e designer Felipe Protti. “Os metais são a base do meu trabalho e é por meio deles que sinto o estilo bold e rock’n roll da Prototype”, afirma Felipe sobre a sua marca de móveis. Simples assim. Lançados há pouco tempo, os bancos, mesas, sofá e poltronas da série endossam o discurso. Neles, o aço se destaca pela liberdade criativa que proporciona a estruturas tubulares retilíneas com recortes assimétricos nas superfícies, como na mesa Let’s, no encosto da cadeira Jack, no sofá Cargo, com almofadas de veludo, no corpo da luminária Punch, ou em lâminas polidas curvas, como a que compõe a base da mesa de centro Blade, com brilho espelhado.

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Designer Felipe Protti, da Prototype. Divulgação.

“É um ótimo material para trabalhar porque é resistente e não requer outros processos, como a pintura e a envernização”, conta o designer. Influenciado pelos acabamentos brilhantes e cromados do mobiliário dos anos 1980 e 90, Felipe atualizou a ideia nessa coleção, que alia a matéria-prima a um desenho descomplicado e elementos como madeira, couro, veludos, bouclés, peles e pontos de cor. “Percebi que o polimento seria uma opção melhor do que a cromação, um processo complexo e tóxico”, diz. “O inox polido entrega a estética cromada que busco nos meus projetos. Além disso, é mais sustentável devido à simplificação das etapas e por ser reciclável”, resume.

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Cadeira Jack, da Prototype. Foto: Ana Orsi

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Resgate cool

“Desde crianças, convivemos com esses utilitários de ágata”, lembra o designer Marlon Moraes, do Estúdio Dentro, que lançou a coleção de objetos de mesa Arado, feita com o material sobre bases de madeira de diferentes desenhos. “Fazia parte do ritual almoçar na casa da minha avó em belos pratos esmaltados. Alguns com pinturas de flores, outros brancos com a borda azul-marinho e muitos deles com lascas”, lembra Marlon. “Talvez o interesse em pensar uma coleção de ágata venha dessa memória, e também da ideia de agregar novas possibilidades de uso e de estética a algo popular”, emenda seu sócio, Rodrigo Queiroz.

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Marlon Moraes e Rodrigo Queiroz, do Estúdio Dentro. Foto: Divulgação

Ligada às raízes mineiras da dupla, dona de um olhar fresco e inventivo, a Arado mostra justamente essa atualização da matéria-prima tradicional a partir de uma abordagem inovadora. Embora pouquíssimas fábricas ainda realizem o processo de esmaltação, Marlon e Rodrigo acreditam que o resgate de elementos esquecidos e técnicas pouco aproveitadas no design contemporâneo possa despertar a beleza de interpretações atualizadas de objetos prosaicos.

Designers inspiradores: conheça profissionais dedicados à diferentes tipos de matérias-primas.

Coleção Arado do Estúdio Dentro. Foto: Divulgação

O processo produtivo é simples. Consiste em envolver o metal com um esmalte líquido, que passa por um processo de vitrificação dentro de um forno. A única mudança na fabricação da Arado é que o inox substituiu o aço-carbono, empregado originalmente. “Nos fascina na ágata a capacidade de obter brilho e delicadeza, que por vezes se confundem com os da cerâmica e da porcelana.”

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História revisitada

Pedra emblemática na arquitetura secular italiana, o mármore caiu nas graças de Giorgio Bonaguro, designer italiano radicado no Brasil, quase por acaso e virou a sua matéria-prima preferida. “Meu encontro com essa rocha nasceu da vontade de experimentar diferentes materiais”, conta. “Há alguns anos, ao lado de outros dois designers, organizei uma exposição que tinha como fio condutor um único elemento ainda inexplorado pelos três, o mármore.”

Designers inspiradores: conheça profissionais dedicados à diferentes tipos de matérias-primas.

Giorgio Bonaguro, designer. Foto: Divulgação

Na hora, Giorgio se encantou pelos acabamentos, história, cores e enorme variedade de pedras. Dali em diante, passou a usá-la constantemente, além de combiná-la com o couro, a madeira e o vime. A composição com esta matéria-prima, por exemplo, dá força à coleção de mesas Amazonas, inspirada pela exuberância da floresta. Nela, o vime parece sair do mármore, justamente a grande sacada do desenho. “Me fascina o processamento da pedra, um exemplo típico de produção semiartesanal, em que a utilização de máquinas sofisticadas é acompanhada por um acabamento cuidadoso e manual”, diz.

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Peça da coleção Guaíba, de Giorgio Bonaguro. Foto: Divulgação

Na sua coleção Guaíba, que alia sobras de mármore branco de uma jazida paranaense e raízes de tarumã, uma árvore nativa do Rio Grande do Sul, o mármore deu forma a peças de edição limitada inspiradas na arquitetura icônica da Fundação Iberê Camargo, às margens do Rio Guaíba, em Porto Alegre, assinada pelo arquiteto português Álvaro Siza. Nos móveis, de linhas curvas, destacam-se as superfícies ricas em grafismos imaginados por Giorgio, com a composição de fragmentos da rocha e seus veios naturais. Um clássico ultracontemporâneo não só pelo desenho, mas também pelo caráter sustentável da proposta.

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