Chico Brown: Marisa Monte, Chico Buarque e um disco solo a caminho
Aos 24 anos, o multi-instrumentista desponta com um dos talentos de sua geração, grava cinco músicas em parceria com a cantora em seu novo álbum, depois de colaboração com o avô.
O primeiro instrumento que ele lembra ter tocado foi uma colher de pau na panela, na primeira infância. “Já nasci enraizado na percussão”, diz Chico Brown, com sua fala mansa e gentil. Filho de Carlinhos Brown e Helena Buarque, o músico nasceu no Rio de Janeiro, mas com apenas 1 ano mudou-se para Salvador. A força percussionista das ruas da capital baiana o tomou de frente. “A timbalada estava no auge”, destaca Chico, hoje com 24 anos. Foi também, naturalmente, arrebatado pela poesia, letras e músicas do seu avô ilustre, Chico Buarque, para ele o “Voico”. Com todo esse DNA, Chico tem suas raízes bem formadas, mas vieram dele outros tantos dons. Desde muito pequeno, seu avô materno detectou que ele tinha “ouvido absoluto” e já deu depoimentos dizendo que “o Chiquinho é o melhor músico da família, autodidata”.
Ele é multi-instrumentista. O piano aprendeu desde muito pequeno na casa da avó, a atriz Marieta Severo. Aos 12 anos, já de volta ao Rio, foi estudar guitarra. “Ali eu começava a dar os meus próprios passos. Sempre curti o instrumental, a escaleta, a flauta, o violão, o violino, o cavaquinho, o tamborim, o lado mais didático também, as notas”, conta. “Cada instrumento tem o seu idioma, sua expressão corporal”, acredita. “Engraçado, eu gosto de todos eles e quando começo a tocar mais um do que o outro sinto que eles reclamam comigo, ficam com ciúmes um do outro: ‘Chico, volta um pouco pra cá'”, diverte-se. Quem já o viu tocar guitarra sente a sua paixão pelo rock pesado. Cita o Steve Harris, baixista e um dos fundadores do Iron Maiden como seu ídolo, e Roots, disco do Sepultura com influência da percussão indígena e participação de Carlinhos, que vê como uma representação das raízes do Brasil, título da obra do seu bisavô, o historiador Sergio Buarque de Holanda, o que mostra que Chico tem sua personalidade bem definida. “Tenho a sorte de ter convivido sempre com o suingue do meu pai e a poesia do meu avô”, agradece. “Mas, claro, sou esponja e também tenho o meu radar, minha criação.”
Chico é o compositor que tem o maior número de parcerias no álbum Portas, que Marisa Monte acaba de lançar. Das 16 faixas, ele compôs cinco com a cantora, incluindo o primeiro single, “Calma”, e participou da gravação de nove. “É uma honra e uma alegria muito grande ter participado deste trabalho com a Marisa. Desde pequeno eu ia com o meu pai na casa dela, acompanhava os ensaios deles, a passagem de som. Sempre ia muito empolgado para a casa dela”, lembra. Chico conta que o processo de criação de algumas faixas já vem sendo construído há bastante tempo. Começaram a compor “Em qualquer tom” e “Medo do perigo” em 2016, mesma época em que ele compôs a valsa “Massarandupió”, em parceria com seu avô. A música está no álbum Caravanas (2017), de Chico Buarque. “Ele me deu a letra de presente quando eu fiz 20 anos: não tinha como ser melhor!”. Um presente que parece melhor do que ganhar um carro. “Bem melhor, até porque eu não sei dirigir, meu lance é a música”, disse rindo. “Vai ser difícil alcançar o ponto de partida que foi esse presente, mesmo com todo o tempo que eu tiver para fazer música na minha vida.”
Na letra, Buarque leva o neto Chiquinho a passear em uma das praias de sua infância, Massarandupió (BA). Pergunto se ele deu alguma sugestão sobre isso para o avô e ele diz que só mandou a melodia. “E as minhas pegadas na areia”, brinca. “Curiosamente, quase não mandei essa música, achava que era a mais infantil das que tinha enviado para ele.”
Chico está em um momento muito especial da sua carreira. Além do estouro com o disco da Marisa, ele se dedica ao seu primeiro trabalho solo, que pode sair até o fim do ano. “É um primeiro passo muito importante e quero fazer de maneira coerente. Não tenho pressa.” Será um disco de música brasileira. “Solitário, voz e violão. E estou gravando os outros instrumentos também – baixo, bateria”, adianta, ele que deve contar também com o grupo que formou com os amigos da escola. “Banda é quase uma família”, diz. “Tenho meu caminho que é instrumental, erudito, tem valsas jobinianas. Melodia em primeiro plano. Gosto muito da intimidade com os instrumentos, o lado criativo.” Além, claro, de também compor as letras e cantar. “Tem muita água para correr”, diz. Ninguém duvida.
MEMÓRIAS DE CHICO BROWN
Meu primeiro instrumento: colher de pau e panela
Quando me descobri músico: enquanto artista é existencial, enquanto profissão é necessidade como qualquer outro ofício
Meu pai é: determinado
Minha mãe representa: postura
O piano da avó Marieta: professor
A letra para a valsa “Massarandupió”, presente de Chico Buarque: uma poesia que vale por mil, até hoje me faltam e sobram palavras
Seu avô Bororó, pai de Carlinhos Brown: malandro original!
DNA: memória e ancestralidade.
Sua intuição: instinto, por vezes beirando à clarividência
Time de coração: já fui mais flamenguista, mas as pisadas na bola recentes me fazem pensar no Real Criarte meu time de futsal de escola, na infância
Massarandupió: preciso voltar, mas talvez eu não tenha mais acesso para a memória passada, não consiga revisitar…
Sabor de infância: Pititinga, peixinho frito torradinho com limão
Salvador: energia e horizonte
Rio de Janeiro: descobertas e céu
Eu vejo o futuro: repetir o passado
Racismo: pena do quanto perde o ser humano, em termos de conhecimento, saber, afeto
Recado: ou combatemos as desigualdades entre o ser humano ou estaremos combatendo a humanidade
Ídolo: Steve Harris (Iron Maiden)
Uma representação de Raízes do Brasil: Roots, do Sepultura, que absorve os aspectos tribais, os rituais dos índios
Inspiração: Herbie Hancocok e Thjis Van Leer (músico holandês)
Uma comida: acarajé com vatapá
Uma bebida: mate no calor e vinho no frio
A melhor hora para compor: tento dormir cedo, mas as melhores ideias são amigas da madrugada
Chico e sua colher de pau.Foto: Arquivo pessoal
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