Tudo o que você precisa saber sobre o trench coat
Item-desejo e atemporal, o casaco clássico é um sobrevivente da história.
Poucas peças sobrevivem décadas na moda, passando por várias gerações e ressignificações. Geralmente, acabam perdendo relevância, ficam antigas e acabam esquecidas. Mas com o trench coat foi diferente. Criado no século 19 com propósitos militares, transcendeu alguns séculos para se tornar ícone do cinema, hit nas passarelas, básico de guarda-roupas pelo mundo e peça favorita de muita celebridade e fashionista.
Uma das principais características da peça em questão é sua impermeabilidade. O tecido resistente à água apareceu pela primeira vez na Inglaterra, em 1823, a partir de uma camada de borracha diluída aplicada entre duas camadas de lã. Ele foi criado por Charles Macintosh, daí o nome do conhecido casaco Mac, quase como uma versão primária do trench coat.
Nas décadas seguintes, a empresa britânica Aquascutum desenvolveu capas de lã à prova d’água, que se tornaram populares entre os soldados que lutaram na Guerra da Criméia (1853-56). Mas a versão mais icônica da peça viria com Thomas Burberry, em 1856. Aos 21 anos, o inglês fundou uma loja com seu sobrenome no centro da Inglaterra.
Anúncio antigo da Burberry.Foto: Getty Images
A Burberry’s, como inicialmente foi batizada, se tornou uma referência em 1879, quando seu fundador criou a gabardine, um tecido feito a partir de fios individualmente impermeabilizados. Patenteada oito anos depois, a nova trama foi usada, em 1895, para criar o tielocken, uma versão anterior àquilo que viria a ser o trench coat. Foi com essa peça que os soldados britânicos lutaram na Segunda Guerra dos Bôeres (1899 – 1902), na África do Sul.
Cada elemento do novo casaco da Burberry’s tinha propósito bélico. As abas largas suavizavam o coice dos rifles, as dragonas, nos ombros, serviam para segurar máscaras de gás ou insígnias militares, e a fivela do cinto, em formato de D, era ideal para prender munições. Até o tom claro de bege, o caqui, hoje considerado elegantemente atemporal, foi um aprendizado sobre camuflagem com as forças armadas da Índia. “Caqui” tem origem na palavra “khaki”, que em urdu significa “cor do chão”.
Nasce uma estrela
O nascimento do trench coat se deu com o início da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), quando o Ministério da Guerra inglês encomendou milhares de casacos da Burberry’s. Até então, os tielockens eram usados apenas pela elite militar e, por isso, eram peças visualmente e estruturalmente complexas. Para tornar a produção mais rápida e barata, Thomas Burberry redesenhou o item, dando origem ao trench coat.
O nome, aliás, só surgiu em 1916, quando a loja passou a anunciá-los como “trench-warms” (aquecedores de trincheiras, em tradução livre), já que os soldados passavam grande parte dos conflitos dentro de trincheiras. A vitória dos britânicos na Guerra consolidou a peça no imaginário popular como um símbolo de heroísmo e coragem, enquanto a marca tornou-se um ícone patriótico.
Não à toa, em 1919, o capitão John Alcock e o almirante Arthur Whitten Brown fizeram a primeira viagem transatlântica sem escalas (em um voo de 72 horas) vestindo casacos Burberry. Oito anos antes, o capitão Roald Amundsen havia se tornado o primeiro homem a alcançar o Polo Sul, também vestindo a etiqueta.
Apesar do aspecto viril, o casaco acabou conquistando as mulheres emancipadas dos anos 1920. Greta Garbo e Gloria Swanson, estrelas da última novidade – o cinema – vestiram o trench coat e despertaram uma nova tendência de figurinos. O corte reto e masculinizado da peça estava de acordo com a moda da época e foi rapidamente adotado pelas mulheres.
Marlene Dietrich, Bette Davis e Audrey Hepburn foram outras atrizes que, nas décadas seguintes, usaram o item nas telonas. Os homens não ficaram de fora, com destaque especial para Humphrey Bogart, protagonista de Casablanca (1942). O cinema preto e branco trouxe ao trench coat uma faceta enigmática. Personagens ligados a histórias de investigação logo adotaram a peça como uniforme, desde os cômicos inspetores Clouseau (de A Pantera Cor-de-Rosa) e Bugiganga, até o sombrio John Constatine, da DC Comics, e a ladra internacional Carmen Sandiego.
Joia da coroa
Rainha Elizabeth II. Getty Images
Rainha Elizabeth II, que serviu na Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) como mecânica e motorista de caminhões, tornou-se tão fã dos casacos que, em 1955, dois anos após sua coroação, oficializou a Burberry como sua fornecedora oficial e, em 1990, foi a vez de seu filho, o Príncipe Charles de Gales, fazer o mesmo.
O trench coat hoje
Apesar de clássico, o trench coat ficou ignorado durante a experimentação excêntrica da moda que marcou os anos 2000. Foi Christopher Bailey, na primavera de 2016 da Burberry, quem devolveu os ares de modernidade e jovialidade à peça. Desde então, anualmente, ele ganha espaço nas passarelas e araras sob diferentes etiquetas e estilos, trocando os soldados de antigamente pelas celebridades, modelos e consumidores de hoje.
Mais recentemente, o item foi revistado na primeira coleção inteiramente masculina da Burberry, sob comando de Riccardo Tisci, na temporada de inverno 2021. O estilista italiano propôs o trench coat desde sua manifestação mais habitual até modelos mais inovadores, como aqueles com franjas nas mangas e barra.
Burberry. Foto Cortesia | Burberry
Na mesma temporada, Maria Grazia Chiuri levou o item para a Dior em uma versão verde-militar escura, enquanto Daniel Roseberry, na Schiaparelli, o trouxe em pele de cordeiro. Na Givenchy, Matthew M. Williams encarnou a peça com ares de alfaiataria e Paul Andrew recorreu à união do futurismo e ficção-científica para trabalhar o casco na Salvatore Ferragamo.
Salvatore Ferragamo. Foto Cortesia | Salvatore Ferragmo
Se existe uma verdade sobre o trench coat é a de que, mesmo com uma assinatura visual célebre, ele não segue uma fórmula. Nem sequer deveria, pois é exatamente a sua mutabilidade que permitiu a sua sobrevivência em tantas eras e contextos diferentes. Apesar de sua forma clássica consagrada em gabardine caqui, esse casaco transcende amarras estéticas. Um verdadeiro camaleão da moda, são suas sucessivas reencarnações que justificam sua sobrevivência e status de ícone.
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