Itamar Assumpção é celebrado em museu virtual

Plataforma com o acervo do artista "maldito", um dos precursores do afrofuturismo no Brasil, estreia no Dia da Consciência Negra.


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Será lançado nesta sexta, 20, no dia da Consciência Negra, o Museu Itamar Assumpção, o primeiro no formato virtual de um artista negro no país. O MU.ITA é uma edificação digital da contribuição do criador para a cultura brasileira. Compositor, cantor, instrumentista, produtor e ator, agora é também por meio de pixels que o trabalho de Itamar é fundado na memória.

O acervo é formado por mais de 2 mil itens, com curadoria da cantora e compositora Anelis Assumpção, da escritora Ana Maria Gonçalves, do arquiteto Frederico Teixeira e da pesquisadora Rosa Couto. O quarteto conecta diferentes marcas de Itamar a discussões atuais de ancestralidade e vivência preta, “olhando para roupas, objetos, desenhos, fotos, vídeos e trabalhos acadêmicos”, explica o arquiteto.

Um dos principais nomes da vanguarda paulistana, Itamar Assumpção foi um dos precursores do afrofuturismo no Brasil. Com mais de 300 músicas e 9 discos lançados, deixou um legado de canções construídas com uma percepção aguçada da palavra, posicionamentos críticos de si e do mundo e figurinos que buscavam outros tempos, com sensibilidade gráfica ancestral e cosmológica.

Idealizado por Anelis Assumpção, que também é diretora geral do MU.ITA e filha do cantor, a iniciativa é um movimento de reconhecimento dos “seus” por uma artista independente. Itamar, assim como Anelis, sempre foi um artesão da música independente, o que lhe rendeu o apelido de “maldito”. Consideram-se aqui todas as peripécias deste terreno, não contemplado por grandes gravadoras e programas de TV do domingo.

Itamar Assumpcao, bem jovem,  abracado por Anelis crianca

Itamar e Anelis, em foto de 1990.Foto Glória Flugel

Mas, desde o pai até a filha, muito mudou. “A internet é o ponto crucial. A democratização do acesso potencializou a arte, a contracultura e o artista independente, para que esse pudesse criar os seus próprios mecanismos e possibilidades”, conta a cantora. “Há 30 anos, fazer um disco independente era mais duro. Como fazer, naquela época, um disco chegar a todas as lojas e rádios do Brasil não tendo dinheiro e estrutura?”, complementa.

Porém, muito se mantém num estado pueril. Segundo Anelis, o entendimento engessado das mídias tradicionais em relação ao que é popular é um bom exemplo. “A massificação de um determinado gênero pelos meios de maior poder, como rádio e televisão, contribui muito para isso. Ir ao programa do Faustão ainda tem peso e importância como há décadas”.

Em canções como “Mulher segundo meu pai”, do álbum Sou suspeita estou sujeita não sou santa, lançado em 2011, Anelis se mostra tão focada nas possibilidades da palavra quanto Itamar. Tanto pai quanto filha parecem partir da rítmica e profundidade do vocabulário para depois avançar em direção à melodia. O coração está na língua.

E é provavelmente desse olhar que vem a concepção do MU.ITA de criar traduções para o iorubá, além do inglês e alemão. “Esse desejo é uma tentativa de reaproximação, o início de construção de uma ponte ideológica, ancestral e espiritual digna”, explica a diretora geral.

Itamar, ja grisalho, abraca a jovem Anelis

Pai e filha em outro abraço, nos anos 2000.Foto Marcela Haddad

É um estímulo de provocação e reflexão. “Acredito ser importante termos acessos de compreensão de um artista negro diaspórico que não sejam somente por meio do inglês. Em muitos países da África onde se fala iorubá, a língua do colonizador é o inglês ou francês, então, já bastaria. Mas a gente quer ir um pouquinho mais fundo, né?”

Por falar em profundidade e possibilidades, já há planos de construção de um espaço físico no futuro, desejadamente, na Penha, Zona Leste de São Paulo, onde o cantor morou. “Mas a sustentabilidade de uma instituição cultural de memória no Brasil é complicada, por isso estamos pensando em formas de ocupar espaços e museus já existentes em um primeiro momento”, detalha o curador Frederico Teixeira.

O lançamento vai ser feito às 21h30 desta sexta com a live de abertura “Oferenda. Anelis Canta Itamar”, onde a artista canta o seu pai sob direção de Ava Rocha. Para a ocasião, também vão ser apresentados textos de Alice Ruiz, Djamila Ribeiro, Gilberto Gil, Mano Brow, Monica Ventura e Tiganá Santana. Acesse: www.itamarassumpcao.com.

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