Bárbara Paz cria poesia visual e amorosa sobre Hector Babenco
Escolhido como candidato brasileiro ao Oscar 2021, o documentário Babenco, dirigido pela atriz e diretora, entra em cartaz nos cinemas do Brasil.
“É a minha carta de amor para ele e uma carta de amor dele para o cinema”, diz a atriz e cineasta Bárbara Paz sobre Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou, seu primeiro longa-metragem como diretora, com estreia nacional marcada para esta quinta-feira, dia 26 de novembro.
O documentário foge das cinebiografias convencionais. Apresenta um retrato íntimo do cineasta argentino naturalizado brasileiro Hector Babenco, que foi companheiro da atriz durante nove anos e faleceu em 2016, aos 70 anos. Protagonista do filme, Babenco revela seus medos, ansiedades, memórias, reflexões e fabulações. Há na tela um grande confronto entre o seu vigor intelectual e a fragilidade física em seus últimos anos de vida.
A estreia em nossas telonas vem cercada de grande expectativa, já que o longa tem feito uma bela carreira nos festivais internacionais. Foi apresentado pela primeira vez no Festival de Veneza, em 2019, com direito aos prêmios de Melhor Documentário da Mostra Venice Classics e o Bisato D’Oro 2019, concedido pela crítica independente. Este mês, ele se tornou o representante do Brasil na disputa ao Oscar 2021. É a primeira vez que um filme de não-ficção é escolhido como candidato do país à premiação, na categoria de melhor filme estrangeiro.
A seguir, em entrevista à ELLE, Bárbara fala mais sobre sua estreia na direção de um longa-metragem, o processo de filmagem, a vontade de dirigir uma obra de ficção, e claro, conta como está a campanha do filme para o Oscar.
Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou – Trailer Oficial
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Quando surgiu a ideia de fazer esse filme?
Em 2009 ou 2010, em algum leito de hospital. O Hector estava doente – o que acontecia com frequência nesses nove anos em que estivemos juntos – e eu lembro que me deu muito medo de perdê-lo e, ao mesmo tempo, uma vontade de compartilhar as coisas incríveis que esse homem, que sempre lutou muito para sobreviver e fazer cinema, me dizia no dia a dia. Aí, propus a ideia para ele do documentário. Ele topou na hora e me perguntou quando começaríamos. Eu respondi: “Já começamos”. Nesse mesmo dia, liguei a câmera.
E como foi o processo?
Na verdade, fomos fazendo tudo bem devagar, e parávamos alguns períodos, pois não tínhamos prazo nem pressa. Mas, nos últimos anos, aí sim, retomamos com força total, principalmente a pedido dele, provavelmente por sentir que não teria mais muito tempo. E o fato de estar muito doente, mas filmando, o alimentava, o inspirava. Era combustível e cura.
Como você chegou ao formato desse documentário?
Eu sabia que eu não queria fazer um filme convencional, em ordem cronológica, com pessoas dando entrevistas falando sobre o Hector. Minha ideia era fazer um retrato poético e íntimo, tendo ele (que estava vivo!) como protagonista, falando sobre seus trabalhos, suas memórias, seus filmes, sua visão sobre o mundo e o cinema. No fim, o filme naturalmente se transformou na minha carta de amor para ele e na carta de amor dele para o cinema.
Ele fez algumas objeções sobre o que poderia ser filmado?
Ele estava totalmente aberto e confiava muito em mim. Tudo podia ser mostrado. Acho que eu fui mais cautelosa e, nos momentos mais delicados e difíceis, eu nem conseguia ligar a câmera. Tenho, por exemplo, muito material sobre os últimos dias de vida dele, que dariam um filme, mas não queria mostrar só isso. Queria realmente trazer para as telonas uma grande colcha de retalhos de memórias e imagens, quis falar sobre o cineasta, o homem e o pensador.
Quando você sentiu que tinha concluído o filme?
Quando ele partiu, fiquei sozinha e comecei a ver todo o material. Nesses últimos três anos, fui descobrindo aos poucos o filme que eu tinha. Aí, no ano passado, eu o concluí para a estreia no Festival de Veneza. Para dizer a verdade, você nunca termina um filme, você desiste, porque você sempre acha que pode melhorar e que mais coisas poderiam entrar na montagem, principalmente tendo um material rico nas mãos, como era o meu caso. Mas estou muito orgulhosa dele. O resultado final é o filme que eu queria ter feito.
E ele chegou a ver algo?
Eu fiz um “teaser” lá atrás para ele ver o que eu estava fazendo, para onde estava caminhando. Ele chorou e falou: “É, até que eu sou interessante”. O Hector acreditava muito no meu olhar para as coisas!
Hector Babenco, em cena do documentário dirigido por Bárbara Paz.Reprodução: Babenco
Você sempre teve vontade de dirigir?
Eu sou uma pessoa que gosta de fazer muitas coisas. Eu escrevo, pinto, atuo e já vinha flertando com a direção há algum tempo. Dirigi uns curtas, alguns programas de TV para o Canal Brasil. A ideia de dirigir o documentário foi nascendo a partir dessas experiências e de muita observação de como tudo acontece nos sets pelos quais passei. E sabe de uma coisa? Como atriz, sou muito mais insegura do que como diretora! Estou torcendo para fazer muitos projetos autorais por trás das câmeras.
Qual é o seu filme preferido dirigido pelo Babenco?
Nossa, eu sou apaixonada por toda obra dele, mas elegeria como o meu preferido o Ironweed. Ele tem uma teatralidade incrível e a Meryl Streep e o Jack Nicholson estão maravilhosos. Aliás, uma das grandes qualidades do Hector era a direção dos atores, ele sabia como conduzi-los muito bem.
Como você recebeu a notícia de que Babenco seria o candidato do Brasil para o Oscar 2020?
O filme teve uma estreia muito especial no Festival de Veneza no ano passado, com direito a prêmios, e tem feito uma carreira muito bonita pelos festivais – foram mais de 20 até o moment. Mas realmente foi muito emocionante receber essa notícia, e foi tudo muito inesperado, pois é o meu primeiro longa-metragem e até hoje só filmes de ficção foram escolhidos pelo Brasil para nos representar na corrida ao Oscar (na categoria de melhor filme estrangeiro).
E como está a campanha para o Oscar?
Estou totalmente focada nisso agora. Vou viajar muito e quero levar o filme para muitos lugares, para que mais e mais pessoas possam vê-lo.
No momento, você voltou para a frente das câmeras, não?
Eu acabei de idealizar e dirigir um curta chamado Ato, que rodamos em Ouro Preto (Minas Gerais), com roteiro assinado por mim e pelo Cao Guimarães. E neste momento estou no Rio atuando, depois de dois anos sem trabalhar como atriz, em um longa-metragem dirigido pela Julia Rezende, chamado Porta ao Lado. O filme, que é sobre dois casais de vizinhos, fala principalmente sobre relacionamentos contemporâneos.
E você pensa em dirigir algum longa-metragem de ficção?
Sim! Quero muito! Eu estou com dois projetos de ficção na mão para dirigir: um filme com roteiro da Antonia Pellegrino, chamado Silêncio, e um longa baseado na história da minha vida, com roteiro escrito por mim – e eu não vou atuar nele!
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