Kidcore: estamos todos nos vestindo como crianças?

Você viu pelo seu feed algum adulto vestindo uma blusa com estampa de smiley ou um colar de miçangas nos últimos meses? A estética já tem nome e aqui desvendamos a sua história.


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Foto: Divulgação Fluffy



Colares de miçangas, presilhas no cabelo, estampas de doce, bolsas de pelúcia e blusas com desenhos que mais parecem ter saído diretamente das aulas de arte do ensino fundamental. Não, não estamos falando sobre roupas infantis, mas da nova estética favorita entre a Geração Z e aquela parcela de millennials cansada do feed conceitual e minimalista que, por muito tempo, dominava entre eles. Agora, adultos e adolescentes usando peças associadas às crianças não só virou um hábito, como também uma tendência. O Twitter percebeu o movimento e, como já era de se esperar, vem produzindo memes e muitas discussões.

Piadas à parte, uma coisa é certa: a forma que uma pessoa se veste não é um veredito de sua competência ou maturidade (obviedades que, pelo que temos visto, ainda precisam ser repetidas). Aos 30, idade de pessoas que parecem gostar bastante da tendência, uma pessoa segue sendo jovem mas, para além disso, a moda, como uma expressão criativa, não tem idade.

Um revival dos anos 1990 e 2000

Foi no último ano que elementos vibrantes e nostálgicos voltaram à tona com força, promovendo um verdadeiro revival dos anos 1990 e 2000. Esse retorno, até certo ponto, não surpreende. Afinal, as tendências estão sempre indo e voltando, mas perceber um retrato tão fiel da infância é no mínimo curioso.

Observar o comportamento da juventude sempre pode nos dizer algo e se em tempos obscuros a moda costuma ser provocativa, o que significaria adultos se vestindo como crianças? Em meio às crises climáticas, instabilidades políticas e inúmeros complexos emocionais, responder essa pergunta não é tão difícil assim. Basta se teletransportar mentalmente, por alguns minutos, para perceber que resgatar a pureza e inocência do tempo em que se cresceu é confortável, uma espécie de escape da barbárie contemporânea e a representação de uma vontade de que, ao menos imageticamente, a felicidade esteja por perto.

Lizzie McGuire dominou as redes nos \u00faltimos meses, com a volta dos anos 2000.
Cena de Lizzie McGuire, que dominou as redes recentemente.Reprodução

O retorno dessas duas décadas vai além dos colares coloridos de amizade e das minissaias com cardigans em tons pastel. As músicas e séries dos anos 1990 e 2000 também dominaram as redes nos últimos meses. Ou vai dizer que você não viu nenhum post sobre Lizzie McGuire? O recente lançamento do Disney Plus tem a sua responsabilidade e o apego a essas produções está fazendo a sua parte nessa dose de nostalgia.

As influências do TikTok

Foi no TikTok que essa estética ganhou nome e, como se não bastasse, ainda virou um segmento de conteúdo. O movimento não é novidade para a plataforma, afinal, os tiktokers se apegaram ao termo
aesthetic, primeiro o transformando em um estilo específico, e depois abrindo para diversos tipos de “estéticas”: eles foram os responsáveis pela ascensão da aparência inspirada no campo, apelidada de Cottagecore, da ideia romântica proposta pelo Lovecore, da tendência soft-grunge das E-Girls e E-Boys e de tantas outras construções visuais.

O visual aqui desvendado, por sua vez, ficou conhecido como
kidcore e, sempre acompanhado por estampas de smiley e muitas cores, domina o aplicativo com a sua energia vibrante. Os tiktokers fazem desde vídeos inspiracionais com as suas fotos favoritas do estilo, passando por dicas de looks e gravam até tutoriais de como colocar miçangas no cabelo. A trilha sonora, embalada por músicas de Doja Cat e Benee, artistas que ficaram especialmente populares na plataforma, completa a sensação de felicidade transmitida pelas produções.

Meninas da Gera\u00e7\u00e3o Z usando looks com a est\u00e9tica Kidcore.
Ursinhos carinhosos, crochê, estampas de flores e muito tie dye fazem parte do visual kidcore.Reprodução Instagram

Se há quem ache estranho ver adultos usando peças com elementos infantis, ver os adolescentes (que são os principais usuários do TikTok) adotando a tendência também é curioso. Isso porque sempre existiu o momento em que adolescentes faziam o possível para se afastar do que gostavam quando crianças para mostrar que já haviam crescido. Aqui, essa ideia é colocada de ponta cabeça, sublinhando o anseio de escapar do caos e voltar aos dias mais tranquilos, em que, para alguns, a preocupação máxima era concluir o dever de casa.

Hobicore, um primo K-Popper

E falando em kidcore, não dá para escapar do seu primo K-Popper, uma estética inspirada no estilo pessoal e na personalidade de J-Hope, um dos sete integrantes do grupo BTS. Sempre usando tricôs coloridos e publicando fotos preenchidas por emojis, o artista de 26 anos passou a ser um dos grandes nomes da estética aqui desvendada, mas os seus fãs que se identificam com o visual e passaram a reproduzi-lo decidiram criar um nome próprio em homenagem à positividade de Jung e, assim, nasceu o Hobicore, mais uma tendência viral das mídias sociais.

Adeus às regras

Apesar do kidcore ter se tornado um sucesso nas plataformas digitais, a probabilidade da indústria do luxo abraçar essa estética não era tão grande assim. Afinal, a moda, por muitas vezes, colocou o minimalismo e as técnicas rígidas em um lugar de superioridade, descartando tudo o que parecia popular demais. Isso significa que quem mais se destacou na criação de peças que fazem referência à infância foram pequenas marcas nascidas já com esse intuito e que têm a nostalgia como código, como a novaiorquina Susan Alexandra ou a jovem Tyler McGillivary.

Olhando para as passarelas, não a vemos de forma tão literal, mas, em diferentes níveis, o kidcore está ali, seja nos tules vibrantes de Tomo Koizumi, nas menções à infância feitas por Jacquemus, nas proporções de Molly Goddard e Simone Rocha ou no aspecto quase
kitsch que, às vezes, a Gucci de Alessandro Michele assume.

Há quem diga que essa tendência revela um medo em torno do envelhecimento – o que pode ser verdade – mas é evidente que estamos ansiando por tempos mais simples. Olhar para a infância é reconfortante e reconhecer os sonhos, vontades e interesses de quando éramos crianças pode ser inspirador.

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