Yoga para todo corpo

Jessamyn Stanley ensina yoga pela internet e prova, aula após aula, que a prática tem menos a ver com ficar "relax" do que com um duro, porém necessário, encontro consigo mesma.


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Ela dá aulas de yoga pela plataforma digital The Underbelly, já rodou os Estados Unidos fazendo palestras, tem um livro publicado (Every body yoga, de 2017), está preparando a segunda temporada de seu podcast Dear Jessamyn e, no meio do furacão que é a vida de Jessamyn Stanley, a ativista antirracista, body positive e pró-justiça canábica encontrou um tempinho para conversar com a ELLE Brasil via Zoom. “Se alguém fala para mim que yoga é um saco, eu entendo, juro. Quando comecei a praticar, eu também detestava. Mas, acho que isso tem muito a ver com uma série de ideias pré-concebidas a respeito do assunto que, quando se provam falsas, geram muita frustração. Yoga não é relaxante. Yoga é um encontro duro, porém necessário, consigo mesma”, disse.

A missão da professora formada pelo centro de yoga Kimberly Puryear of Asheville é o de mudar a mentalidade de quem está querendo enfrentar o tapetinho. “E a verdade é que mesmo quem, como eu, está praticando há anos, todo dia é o primeiro dia. Todo dia que você decide fazer yoga é um dia em que você teve que tomar a decisão ativa de se cuidar, de olhar para si mesmo. E não é todo mundo que topa esse desafio”, diz a guru de bem-estar que já tem quase 450 mil seguidores em seu perfil no Instagram e já foi entrevistada por veículos estadunidenses consagrados como o jornal The New York Times e programa de televisão Good Morning America do canal ABC. Jessamyn não é o tipo de pessoa que finge felicidade para provar que vale a pena dedicar-se a si. Ela reconhece as agruras do processo e, provavelmente, é essa honestidade que a diferencia. Confira a entrevista a seguir.

Quando eu comecei a praticar yoga, me sentia muito desconfortável por ser gordo. Tinha a impressão de que estava tentando me encaixar em um lugar ao qual eu não pertencia. Não foi fácil, mas eu insisti em manter-me ali e, em dado momento, percebi que estava fazendo muito bem para mim mesmo. É possível suavizar essa virada? Existe uma maneira de mudar as expectativas que as pessoas impõem para si mesmas quando começar na yoga?

Acho que quando estamos falando de aulas de yoga em grupo (como as que fazíamos antes da quarentena) é mais difícil, não tem jeito. Naturalmente, a gente se compara com quem está lá há mais tempo e essa experiência pode ser frustrante. Fora o fato de que você pode acabar caindo nas mãos de um professor ou professora que pegam pesado demais nessa questão da cobrança, da técnica. Eu comecei o The Underbelly por causa disso. Fazer yoga em casa foi o que fez com que eu seguisse adiante com a prática. Quando a gente está sozinho, se você cair, se você se desequilibrar, se você errar: ninguém está vendo. É muito libertador. E digo isso muito honestamente. Você nem precisa fazer yoga pelo Underbelly. Procura aí o que você achar no YouTube. O Underbelly, é claro, é uma opção legal (risos), mas o mais importante é que você encontre algum guia com quem sinta uma sinergia legal. Do contrário, vai ser difícil. Acho que para fazer yoga em grupo você já tem que ter uma certa autoconfiança. Quando eu frequentava aulas de yoga em grupo, frequentemente era uma das poucas pessoas gordas e, na maioria das vezes, era a única pessoa preta na classe. Ao fazer em casa, eu estava praticando exatamente essa autoconfiança. As coisas não acontecem como mágica. Demora. E você precisa, todos os dias, decidir dar esse tempo para si mesma. Para mim, por exemplo, foi muito importante me fotografar praticando yoga. Imediatamente, eu percebi que, ao olhar as fotos, minha cabeça já disparava uma série de ofensas ao meu corpo. Aos poucos, fui me acostumando com aquelas imagens. Não amava o que via, mas amava esse processo de me enxergar. E, em certa medida, isso basta. Tem dias que a gente se ama mais, tem dia que a gente se ama menos. O que precisamos entender é que nosso corpo está em constante mudança. Ao invés de tentar aceitá-lo como ele é, aceite-o de qualquer forma que ele aparecer. Todos os dias, uma pessoa diferente surge em frente ao espelho.

Nossa, acho que vou me fotografar também…

Sim, é uma ferramenta incrível. Inclusive, eu tenho percebido algumas discussões a respeito do movimento Body Positive e estou cheia de opiniões a respeito delas (risos). Mas, resumindo, acho que existe uma ideia de que o Body Positive é uma necessidade de estar bem consigo mesma o tempo todo. E não tem nada a ver com isso. É claro que o movimento perde credibilidade quando essa é a mensagem que as pessoas estão absorvendo. Isso é impossível. Ninguém se sente bem o tempo todo. A questão é que o Body Positive vai muito além disso. É sobre não se envergonhar, é sobre não se culpar, é sobre se despir de toda a negatividade que essa narrativa hegemônica embute em nossos corpos. Tentar ser feliz o tempo todo é receita para um pensamento tóxico que só vai gerar frustração. Tem o bom dentro do ruim e o ruim dentro do bom. E a yoga ajuda muito a gente a perceber isso, conviver com isso.

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Com certeza! Acho que as pessoas às vezes esquecem que não tem milagre no Body Positive. Vai muito tempo até que a gente consiga atravessar a dor. Até porque, a gente já começa em desvantagem. Depois que você descobre o Body Positive, os pensamentos que foram embutidos em você não somem de uma hora para outra. É um árduo trabalho de ir desmantelando cada um deles, de reeducação do olhar.

É a jornada de uma vida inteira. Como eu disse, os nossos corpos estão em constante mudança. E não só eles. Tudo é assim. Nada é estático. Então essa ideia de estar bem o tempo inteiro quase que vai contra a própria natureza volátil da mente humana. Fora que, não é porque você mudou que o mundo mudou também. Muitas vezes, você vai se ver tendo que enfrentar cara a cara esses discursos que tentam te diminuir. Como reagir a isso?

“Tentar ser feliz o tempo todo é receita para um pensamento tóxico que só vai gerar frustração. Tem o bom dentro do ruim e o ruim dentro do bom. E a yoga ajuda muito a gente a conviver com isso”, Jessamyn Stanley

Ia te perguntar isso. Como você lida com o ódio na internet?

Tem um amigo meu que faz um podcast e, em um dos programas, ele decidiu entrevistar algumas pessoas que ficavam destilando ódio contra ele na internet. Foi bem interessante perceber que, na maioria das vezes, essas são pessoas muito tristes, insatisfeitas. Quem está bem consigo mesmo não fica perdendo tempo com essa energia negativa online. Vai viver a vida. Então, eu tento olhar com empatia e compaixão para quem me ataca, mas é óbvio que nem sempre consigo ficar quieta. Teve uma vez que saí xingando todo mundo porque, de vez em quando, cansa, irrita, e dá vontade de se defender. Mas, é nessa que eles ganham. Fazer isso é entregar a eles o que eles querem: a sua atenção, a certeza de que, sim, conseguiram de atingir. Na medida do possível, me recuso a dar esse prazer a eles. A verdade é que cada um tem a sua própria maneira de lidar com seus problemas e tem gente que precisa fazer isso para se sentir melhor a respeito de si mesmo. Eu entendo e por isso não deixo com que sugue a minha energia.

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Até porque, pelo que percebo, você tem um feedback muito mais positivo do que negativo nas suas redes.

Sim, essa é uma maneira importante também de olhar para essa questão. Tanta gente legal e com quem eu realmente me importo elogiando o meu trabalho e, de repente, um robô desconhecido me afeta mais do que tudo isso… A gente tem mais controle sobre isso do que a gente pensa.

Falando sobre situações de conflito e enfrentamento, em geral, existe essa ideia de que yoga é uma atividade relaxante, feita para acalmar as pessoas. Fico feliz em perceber que você está trabalhando para desmantelar essa narrativa. Eu tenho a sensação de que yoga é muito mais sobre coragem do que equilíbrio. Equilíbrio talvez seja só uma consequência de quem decide travar essa batalha interior, não?

Eu vou até mais longe. Acho que a yoga naturalmente leva as pessoas ao ativismo político. Ao praticar yoga, você percebe que o seu corpo físico sente coisas e é afetado diretamente pelo fato de pertencer a um contexto maior do que ele. As questões, então, que enfrento na yoga não são só minhas. Começa a florescer um senso de comunidade. Acho que essa visão “relax” de quem faz yoga é uma coisa de marketing. Não tem muito a ver com a realidade. Yoga é sobre autenticidade. É sobre ter a coragem de tentar entender aquilo que faz sentido e se satisfazer com o não saber frente aos mistérios do mundo. Ou seja, é um processo caótico e, muitas vezes, nada prazeroso. Quando você olha para uma pessoa fazendo uma invertida, pode ter certeza que ela está lutando contra os demônios dela para se manter naquela posição. É raro alguém fazer yoga (e continuar praticando) só por causa da elasticidade, da força física… A gente busca algo maior. Algo mais próximo da cura.

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