Maria Ribeiro lança “Não sei se é bom, mas é teu”
Atriz, que reúne crônicas que vão de Rayssa Leal à menopausa em novo livro, divide texto com a ELLE.
Dez anos após seu último livro, Maria Ribeiro retorna com Não sei se é bom, mas é teu (Record, 176 págs., R$ 69,90). Em mais de 70 crônicas escritas desde 2018, ela discorre sobre temas que passam por Vini Jr, menopausa, Rita Lee, os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips e Marie Kondo, com prefácio de Anitta (a atriz assina o roteiro de Larissa – o outro lado de Anitta, série da Netflix lançada neste ano) e posfácio de Caetano Veloso. Maria pegou título do livro emprestado de uma fala de Paulo José no filme Todas as mulheres do mundo (1966), de Domingos Oliveira, de quem foi uma colaboradora próxima.
Ela, que também é autora de Tudo o que eu sempre quis dizer, mas só consegui escrevendo (2018) e Trinta e oito e meio (2015), divide uma crônica do livro com a ELLE sobre sua mãe, “Perto de você”:
Você me disse que não pintaria mais o cabelo, e eu achei bom. Quer dizer, em tese, eu achei bom, mas a verdade é que eu não sei. Porque, no fundo, as coisas nunca são as coisas, as coisas são o que elas significam pras pessoas, e confesso que essa foi uma fala que eu nunca vislumbrei na sua boca. A vida toda você ligou muito pra cabelo e reclamava que eu não penteava o meu, ou que eu cortava muito curto, que devia aproveitar a juventude pra ter cabelão – essas coisas que hoje já
não fazem sentido, mas que, na sua época, na nossa época, faziam.
Na única vez em que cortei o cabelo no estilo joãozinho, isso no início dos anos 2000, eu com 25 anos, você com pouco mais de 60, você me disse – nunca vou esquecer – que eu estava “adiantando o tempo”. O mesmo aconteceu quando, grávida de dois meses do meu primeiro filho, eu dei pra usar macacão, e você achou que era cedo pra eu “me vestir de mãe”. É tudo como a gente vê o outro, né? A partir de si. É engraçado isso. Engraçado e um pouco triste.

Foto: Catarina Ribeiro
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Te vejo com seus 80 anos, mas também te vejo indo pra faculdade: você, 40 anos, universitária. Eu era pequena, mas lembro dos cadernos e dos comentários que você reproduzia sobre ser a mais velha da turma. Será que era isso que você queria dizer sobre atravessar o tempo? Será que era assim que você se via? Fazendo faculdade depois de quatro filhos? “Minha mãe estuda na puc”, lembro de dizer, antes mesmo de aprender a ler. Foi quando, na verdade, te conheci. Talvez, de alguma forma, tenha estudado lá pra estar perto de você – essa busca da vida inteira. Nunca tinha pensado nisso, mas agora pensei.
Porque você tinha uma máquina de escrever e uma bicicleta que não saía do lugar, e acho que foi por causa dela, da máquina, que me mudei pra esse teclado, que hoje me dá colo. Porque letras podiam
dar em palavras que viravam folhas com tinta, como as folhas dos adultos que eu queria ser, desses que receitam remédios, redigem documentos e escrevem declarações de amor.
Eu te achava o máximo, mãe, ainda mais de jeans. Era raro, porque você tava sempre muito arrumada, e tinha roupas incríveis, maquiagens e saltos que eu queria crescer só pra usar. Você vivia organizando festas e jantares, e eu até gostava quando eles aconteciam em casa, mas, de uma maneira geral, eu te preferia estudante. Porque, assim, nossos horários combinavam mais, e eu ia dormir sabendo que você estava perto, pro caso de eu ter algum medo.
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E eu tinha muitos. De monstro, de assalto, do infinito, de você e meu pai se separarem, e, principalmente, de você morrer. Que bom que você não morreu. E agora estamos aqui, você e eu, neste junho de 2022, num diálogo para o qual eu não só não treinei as falas como não tenho a menor ideia de como improvisar. Você não quer mais pintar o cabelo, e eu acharia isso o máximo caso você estivesse querendo outras coisas, como conhecer o rio Negro e a torta de chocolate belga do Instituto
Moreira Salles. Aliás, eles estão fazendo uma exposição da Clarice Lispector, vamos?
Você coloca um jeans, lava os seus cabelos brancos, e a gente passeia por aquele jardim do Burle Marx, que, aliás, ainda se recupera das chuvas de 2020. Às vezes, a gente também demora pra se recuperar das coisas, né? Não dá pra adiantar o tempo, mãe. Não dá pra atrasar o tempo, mas dá pra fazer alguns planos. Pra amanhã, pra mais tarde, pro mês que vem. Quer saber? Vou descobrir até quando vai a exposição da Clarice.
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