Sobre champanhe e outros prazeres borbulhantes

Além da célebre região francesa, outros localidades no mundo – incluindo no Brasil – produzem deliciosos espumantes pelo método tradicional. Confira as dicas de rótulos de diferentes faixas de preço.


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Espumante? Quem não quer? Ver o mundo através das bolhas é sempre uma boa opção de estilo, nos altos ou nos baixos da vida. Ou mesmo para quando tudo parece absolutamente normal. “Bebo champanhe quando estou alegre ou triste. Às vezes, quando estou sozinha. Quando tenho companhia, é obrigatório. Dou uma tapeada com ele quando não tenho fome, bebo-o quando tenho fome. Caso contrário, nunca toco nele – a não ser que eu tenha sede”, disse Lily Bollinger para o Daily Mail, de Londres, em 1961.

Para Lily era moleza. Herdeira da Bollinger, uma das caves mais tradicionais da França, não era problema ter o precioso líquido borbulhante à mão quando bem entendesse (inveja define). Há quem sonhe com essa disponibilidade ininterrupta, mas a mítica do champanhe pode ser quebrada com um mundo de opções bastante interessantes de outras regiões do mundo. “Quando um cliente aparece perguntando por champanhe, gostamos de sugerir outros espumantes nobres. Há muitas alternativas encantadoras”, diz Carla Oliveira, sócia da Brindisi, loja e espaço de cultura do vinho em São Paulo.

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Champanhe Bollinger: Lilly não desperdiçou o sobrenome.Foto: Divulgação

“Há vários estilos e denominações em diversos países que produzem borbulhas. Por mais diferentes que possam ser, todos levam dentro da garrafa uma vida, uma alegria e uma poesia”, filosofa a sommelière Gabriela Bigarelli, que nos ajudou, junto com Carla e outros profissionais, a indicar rótulos de diversas denominações de origem. Alguns mais leves, próprios para o dia a dia. Outros luxuosamente complexos em aroma e sabor. Uns que cabem no bolso com mais facilidade e outros que, talvez, você precise esperar a grande ocasião para beber (ou a herança de uma benevolente tia que você nunca viu na vida).

Da França, da Espanha, da Itália, de Portugal ou do Brasil, os espumantes de que vamos falar têm um traço em comum: todos são elaborados pelo método tradicional, nascido em Champagne e replicado em quase todos os cantos onde se faz vinho. Todos também têm denominações de origem, territórios que muitas vezes aplicam regras específicas para determinar a qualidade dos produtos. Nada contra métodos mais ligeiros, como o charmat ou o ancestral, que podem, sim, originar excelentes vinhos espumosos (o Brasil têm charmats e pét-nats deliciosos). Mas entenda porque a forma de produzir borbulhas nascida na França pode provocar felicidade em alto estilo. E saiba quem copiou a receita com classe.

Champagne

Os vinhos borbulhosos feitos predominantemente com as uvas Pinot Noir, Chardonnay e Pinot Meunier deram a régua e o compasso para a produção de espumantes no mundo. Em Champagne, região do nordeste francês, o monge Dom Pérignon e outros abnegados desenvolveram no século 17 o método tradicional (ou champenoise), que consiste em fermentar duas vezes a bebida. As uvas maceradas (mosto) passam por uma primeira fermentação em tanques (às vezes, em carvalho). Em seguida, o vinho recebe uma nova dose de açúcar e é refermentado na garrafa. A comilança das leveduras nessa segunda etapa origina o gás, que ali fica aprisionado. Mesmo depois de mortas, fartas de comer o docinho, elas cumprem o importante papel de enriquecer a bebida com aromas e sabores, num processo chamado autólise.

Há muito mais detalhes na parada, mas é fundamental saber que, quanto maior o tempo de adega, mais complexo será o resultado. Champanhes jovens devem permanecer pelo menos 15 meses em autólise. “Trazem notas mais delicadas, florais e cítricas”, diz Gabriela Bigarelli. Os muito idosos podem ficar 15, 20 anos ou mais em descanso (que não é exatamente descanso, pois as garrafas são giradas suave e manualmente para fazer circular as borras no líquido e deixar tudo mais rico). Evoluem para aromas tostados, de amêndoas, de nozes, de panificação, e ganham muita cremosidade, sem deixar de manter a acidez que caracteriza o estilo.

A maioria dos champanhes mistura líquidos elaborados em anos diferentes – e é por isso que não se costuma ver nenhuma menção ao ano de produção como acontece com outros vinhos. Encontrar um champanhe com o ano da colheita inscrito no rótulo indica que aquela foi uma safra excepcional e que a bebida precisou ficar em autólise por pelo menos três anos antes de chegar ao mercado – são os chamados champanhes safrados. A idade e a safra vão determinar o preço, que sempre começa no caro, passa pelo caríssimo, pelo carérrimo e pode chegar ao estratosférico. Para qualquer que seja sua verba, porém, há sempre uma garantia: não existe champanhe ruim. Trata-se de uma das regiões vinícolas mais valorizadas do mundo e é bem pouco provável que algum produtor mequetrefe consiga se estabelecer por lá.

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Pol Roger, a escolha para os casamentos da realeza britânica.Foto: Divulgação

Na frente jovem, Gabriela indica os clássicos Perrier-Jouët Grand Brut e Ruinart, elegantes e delicados. Outras opções na mesma linha são Chapuy Brut Tradition, Moët & Chandon Impérial Brut, Drappier Carte D’Or Extra Brut NV, Lanson Le Black Label Brut, Nicolas Feuilllatte Brut, Jacquart Mosaïcque Brut, o famoso Veuve Clicquot Brut e Piper-Heidsieck Cuvée Brut, da marca de champanhe oficial do Oscar. Para quem quer sonhar em cor-de-rosa, vale provar Remi Leroy Rosé Extra Brut, Montaudon Grande Rosé e Lanson Rosé Label Brut.

Avançando em complexidade, quem tem queda por produtos referendados pela realeza vai gostar de conhecer Pol Roger Brut Réserve, servido nos últimos três casamentos da família real britânica. “Bollinger Special Cuvée Brut era o champanhe preferido de George VI, pai de Elizabeth II, que o considerava especial, por isso a palavra ‘special’ foi incorporada ao nome”, conta Ricardo Mainardi, diretor de marketing da importadora Mistral, sobre o rótulo que foi servido aos chefes de estado que compareceram ao casamento de Lady Diana e Charles. Dom Pérignon Brut, quase sinônimo do estilo, é outro exemplar que pode estar na lista de 100 coisas que você precisa fazer antes de morrer.

Por fim, se tiver a sorte de provar um champanhe com muitos anos de envelhecimento, desconecte-se de tudo que possa distrair sua atenção e mergulhe fundo. Bollinger RD 2007 é assim e você pode esperar alguns anos até o momento certo de abri-lo. Ao contrário dos jovenzinhos, champanhes safrados permitem muitos anos de guarda, desde que armazenados corretamente, bien sûr.

Cremánt

Diferentemente de Champagne, as denominações de origem de crémant estão espalhadas por oito regiões francesas e uma em Luxemburgo. Há regras específicas de produção em cada localidade, que permitem ao vinhateiro estampar o termo “crémant” no rótulo. As uvas também variam bastante, de acordo com as castas comuns em cada pedaço. São opções de qualidade muitas vezes compatível com as produzidas em Champagne, porém com preço um pouco mais camarada.

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Louis Bouillot, um crémant da Borgonha.Foto: Divulgação

De maneira geral, são espumantes jovens e frescos, bons para o aperitivo ou para harmonizações clássicas com queijos leves, frutos do mar e peixes. A Alsácia é a maior produtora entre as denominações de Crémant e dela temos alguns exemplares no Brasil, como Crémant Breit Blanc de Blancs, de Domaine Pfister (com a diferentona uva Auxerrois, blendada com Chardonnay e Pinot Blanc), e Crémant d’Alsace Chardonnay Brut, de Doff au Moulin, feito com 100% de uvas Chardonnay. A mesma empregada no J. Arnoux Crémant du Jura Brut Nature, só que vindo da região do Jura. Borgonha é outro pedaço reconhecido pela qualidade dos seus espumantes, e as pedidas podem ser o Louis Bouillot Grande Réserve AOC Crémant de Bourgogne Brut ou o rosado François Labet Crémant de Bourgogne Rosé Brut.

Cava

O cava é bem popular entre quem gosta de borbulhas aqui no Brasil, por causa do preço ainda mais em conta e da presença maciça em restaurantes e comércios da marca Freixenet, maior produtora de espumantes da Espanha. O método também é o tradicional, o que garante qualidade, mas as uvas predominantes são as diferentonas Macabeu, Xarel-lo e Parellada, embora outras castas sejam permitidas. Várias regiões têm autonomia para elaborar cavas, mas a maior parte da produção é concentrada na Catalunha, nos arredores de Barcelona. Dali podemos esperar vinhos muito frescos, de boa acidez, leves e fáceis de beber. Mas há vinícolas que, a exemplo de Champagne, fazem rótulos mais evoluídos, com bom tempo de cave e safrados.

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Freixenet Cordón Negro: bom custo-benefício.Foto: Divulgação

A Freixenet Cordón Negro Brut é um bom começo para quem quer entrar no mundo dos cavas na vibe da boa relação custo/benefício. Segura Viudas Reserva Brut, Toro Loco DO Cava Brut, Chozas Carrascal Roxanne Brut e Real de Aragón DO Cava Brut são outros exemplares de bom preço. Indo bem adiante na complexidade, Freixenet Reserva Real Brut, Freixenet DS Cuvée de Prestige 2015 (venda exclusiva em restaurantes), Recaredo Terrers Corpinnat Brut Nature e Gramona Imperial Brut trazem as tais notas tostadas e de frutas secas próprias do envelhecimento mais longo na cave.

Entre os rosados, há um mundo de opções: Raventós i Blanc de Nit Rosé (que ganha a cor pela presença da uva Monastrell), Viña Romale Rosado Brut Nature (de salmão bem intenso, vindo da Garnacha) e os surpreendentes Elyssia Pinot Noir Brut e Freixenet Trepat (da uva de nome diferentão que se dá bem na Catalunha).

Franciacorta

Há diferentes denominações de origem para espumantes na Itália e Franciacorta ganha disparado nas avaliações dos especialistas. Dizem alguns críticos que seus vinhos rivalizam com os de Champagne. “São espumantes de uma complexidade, de uma nobreza, de acidez muito peculiar e de tamanha intensidade que não há de se estranhar que muitos conhecedores preferem Franciacorta a Champagne”, diz Luiz Lima, sócio da Brindisi. Em 19 vilarejos da Lombardia, ao redor de Brescia, reinam as uvas Chardonnay, Pinot Nero (como é chamada a Pinot Noir por lá) e Pinot Blanc, o trio que predomina nos cortes destes vinhos tão elogiados.

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Franciacorta da Ca’ del Bosco: maturado por 28 meses com as borras.Foto: Divulgação

Franciacorta DOCG Prestige Brut, da Ca’ del Bosco, é um dos grandes rótulos disponíveis no Brasil, maturado por 28 meses com as borras e cortado com vinhos de reserva envelhecidos por muitos anos. Marchese Antinori Tenuta Montesina Cuvée Royale Brut permanece em autólise por 36 meses e ganha cremosidade, aroma de pêssegos brancos e toques florais. Tem um irmão rosado, o Marchese Antinori Tenuta Montesina Cuvée Royale Rosé Brut, elaborado com Pinot Nero. “É de um buquê aromático delicioso, que vai de frutas silvestres a frutas vermelhas, fermento e massa de pão”, diz Vinicius Santiago, sommelier da evino.

Em se tratando de espumantes italianos, vale passear pela região de Trento, vizinha à Lombardia, onde são elaborados rótulos bem bacanas, entre eles os da vinícola Ferrari, presentes no Brasil. Ferrari Extra Brut Fórmula 1, um 100% Chardonnay, tornou-se recentemente o espumante oficial do campeonato de automobilismo, tomando a dianteira de Champagne.

Bairrada

Pouco lembrada quando se fala em vinho português, a região da Bairrada produz variados estilos e também é famosa por seus espumantes. Boa parte é produzida com Baga, uva tinta que origina vinhos redondos, mais “gordinhos”, bastante cremosos e gastronômicos. São ótimos para acompanhar pratos gordurosos, como o leitão à Bairrada, harmonização famosa na região. Mas uma boa variedade de castas cultivadas por lá pode entrar na elaboração dos espumantes. Portanto, é hora de se surpreender.

Regateiro Bruto é um clássico produzido com Baga, bem estruturado e intenso, com destaque para as notas de maçã verde na boca. Marquês de Marialva Extra Brut é outro exemplar 100% Baga. JP Extra Brut (Castelão e Arinto), da Bacalhôa, é leve e frutado. Filipa Pato 3B Blanc de Blancs (uvas Bical, Sercial e Maria Gomes) traz frutas frescas e mineralidade ao paladar. Tem um irmão rosado, o Rosé 3B Filipa Pato Brut (Baga, Bical, Maria Gomes, Cercial e Arinto). Luis Pato, pai da enóloga Filipa, vinifica o Luis Pato Espumante Baga Rosado. Na categoria luxo, o branco Raríssimo Espumante Bairrada 2015 (Arinto), passa por 13 anos de maturação em garrafa e tem tiragem limitada de 1500 unidades.

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Raríssimo, espumante da bairrada maturado por 13 anos.Foto: Divulgação

Outras regiões de Portugal produzem espumantes bem interessantes, sobretudo o Dão, onde a casta branca Encruzado gera vinhos tão delicadinhos que até emocionam (podem mesmo fazer chorar, quando acabam). São meio raros de se encontrar no Brasil, mas há pelo menos uma fina opção no mercado, o Pedra Cancela Brut (Encruzado e Cercial). A região dos Vinhos Verdes, com suas castas cítricas, também traz grandes supresas, como o leve Portal da Calçada Cuvée Prestige DOC (Arinto e Loureiro, uvas de fragrância apaixonante).

Pinto Bandeira

Não deveria ser novidade que o Brasil produz grandes espumantes, alguns com estrelas e menções importantes em prêmios internacionais. Mas talvez pouca gente saiba que há uma regiãozinha específica, dentro da Serra Gaúcha, em que as condições de solo e de clima são exuberantemente próprias para os borbulhantes, tanto que ganhou o status de IP (indicação de procedência). O enólogo chileno Mario Geisse identificou em Pinto Bandeira, a 20 km de Bento Gonçalves, condições excelentes para o amadurecimento das uvas. Ali, castas típicas de Champagne, como Chardonnay e Pinot Noir, não precisam ser colhidas mais cedo, para garantir acidez à bebida, o que resulta em equilíbrio perfeito entre fruta e a característica cítrica tão importante para os espumantes.

A viagem pode começar pela linha de entrada da Família Geisse. Cave Amadeu Brut (Pinot Noir e Chardonnay) é um básico muito mais do que básico. A Vinícola Aurora, maior cooperativa de produção de vinhos do país, também fincou pé no pedaço e criou o Aurora Pinto Bandeira Extra Brut (Chardonnay, Pinot Noir e Riesling). Don Giovanni Rosé Brut (Merlot, Pinot Noir e Chardonnay) é outra boa supresa da microrregião.

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Cave Amadeu: linha básica de respeito da Cave GeisseFoto: Divulgação

Os vinhos da linha Cave Geisse, com mais tempo de amadurecimento, são uma boa opção para quem quer algo superior sem ir à bancarrota. Cave Geisse Blanc de Blanc Brut é especial para quem quer sentir a tipicidade da uva Chardonnay na região. Exclusivo da importadora e distribuidor Mosto Flor, Cave Geisse Nature Leveduras Autóctones Vintage 2015 é um vinho de produção limitada, fermentado com leveduras selecionadas dos vinhedos da família. Para mais informações dicas sobre os rótulos de Pinto Bandeira, não deixe de ler nosso superguia de espumantes nacionais.

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