O roteiro da charcutaria artesanal em São Paulo
Com matéria-prima de primeira, paciência para uma cura caprichada e muita dedicação, restaurantes e empórios elevam embutidos, terrines e patês a outro nível. Saiba onde encontrar essas iguarias.
Tábua de frios, não. Plateau de charcuterie! Provavelmente você já se deparou com esse termo em algum menu indie ou post hipster por aí. Quiçá recorrentemente, de uns tempos para cá. Se o primeiro pedido pode soar até meio kitsch, o segundo, com os mesmos ingredientes, destaca novos artesãos. De quebra, lança mais uma trend gastronômica.
Para que não restem dúvidas, ambos os pedidos se equivalem! Charcutaria nada mais é do que o preparo de alimentos à base de carnes, crus ou cozidos, valendo-se de técnicas de salga e, não raro, de defumação como conservante. Um costume que existe há milênios, mas que só ganhou a nomenclatura na França, no século 16.
Boa parte dos produtos abusa do porco todinho como matéria-prima, ainda que cortes de aves, boi, coelho e javali também sejam apreciados para a confecção de rillettes, patês, terrines, presuntos, linguiças e outros embutidos. Aqui, deixamos uma seleção literalmente bem curada de onde achá-los em São Paulo.
Testados & Aprovados
Foto: Divulgação Pâtes en croute, do AE!
Antes mesmo de abrir o AE! , há três anos, na Vila Mariana, Ygor Lopes já havia enveredado pela fabricação de embutidos e pâtés en croute, isto é, um patê (sim, uma charcutaria feita de carne picada) envolto em massa (folhada ou brisée) e cozido em uma terrine, normalmente servido como entrada fria. “Meus queridinhos são a mortadela e o patê devido à complexidade na produção e o número de tentativas e erros até chegar ao resultado de hoje”, revela o chef. A primeira pode vir acompanhada de picles de legumes, mostarda à l’ancienne e pão de fermentação natural. O segundo, com mostarda e brotos de agrião.
Sempre à mesa
Foto: Divulgação Pastrame de peito bovino da La Table Charcutaria.
Apaixonado por preparos carnívoros, Bernardo Abdalla Criscuolo se aventura pelo mundo dos embutidos desde 2013. Mas, verdade seja dita, depois de uma temporada na França e da sociedade com o francês Charles Henri, a coisa deslanchou. Hoje, sua À Table Charcutaria possui 22 itens, entre salsichas, linguiças, patês e rilletes (espécie de confit de carne) vendidos pelo whatsApp (11/93210-9170) para restaurantes, empórios e clientes diretos. Um dos destaques é o pastrame de peito bovino, que passa 15 dias em uma salmoura secreta antes de ser assado e defumado. Outro é o foie gras que vem do sudoeste da França para ser aromatizado com brandy de jerez e especiarias em baixa temperatura. Mais um? A linguiça do sertão, 100% bovina com pimenta-biquinho, pimenta-rosa e coentro.
Savoir faire
Foto: Divulgação Linguiças artesanais dod Bistrot de Paris.
Na vila mais fofilda – e gastronômica – dos Jardins, Alain Poletto recorre à sua bagagem pessoal para preparar salmão defumado (que leva no mínimo quatro dias para ficar pronto e segue a receita mantida em sigilo pelos restaurantes de Alain Ducasse), patê de campagne (uma trabalhosa terrine de porco, cuja receita vem de sua avó), foie gras ao Armagnac (terrine de fígado de pato ao elegante brandy da região da Gasconha) e um bacon que pode ser comido purinho! Os itens ficam disponíveis tanto na lojinha Sabores da França, quanto no Bistrot de Paris. Neste último, aliás, o chef incluiu linguiças artesanais grelhadas nas versões cordeiro, saucisson com pistache e saucisse au chou (suína com repolho, como sua família fazia em Thonon-les–Bains, no leste da França).
Nível mundial
Foto: Katiuska Salles A salsinha do famoso Hot Pork também pode ser comprada para levar para casa.
Porco Real é o frigorífico familiar dos Rueda. O que abastece o 7º melhor restaurante do planeta (aka A Casa do Porco), o Bar da Dona Onça, o Hot Pork e pontos do varejo (como a Casa Santa Luzia) com salsicha, hambúrguer, linguiça com e sem pimenta. Tudo artesanal. Tudo à base de porco caipira. Tudo sem conservantes. Tudo com a assinatura dos chefs Jefferson e Janaína Rueda.
Quase raridade
Foto: Divulgação O porco preto alentejano é a base da charcutaria do Lardo Bar e Sebo.
No ano passado, três amigos de infância obcecados por comida e bebida abriram o Lardo Bar e Sebo, na Vila Pompeia. No espaço de uma garagem para dois carros, eles dão um jeito de fabricar e servir pães, picles, ricota e charcutaria – para eles, o símbolo-mor da manufatura. A microprodução que dá nome ao espaço é preparada com porco preto alentejano e divide um frigobar de cura, ora com guanciale (a bochecha que dá vida ao carbonara), ora com pancetta ou copa lombo de porco canastra. Por vezes, até sofre de entressafra, visto que as edições de cada tipo de charcutaria são limitadíssimas.
Variada e itinerante
Foto: Divulgação A produção do chef Tuca Mezzomo, do Charco.
A charcutaria é um dos focos do gaúcho Tuca Mezzomo, do premiado Charco, no Jardim Paulista: “Como as produções têm tempos diferentes, costumo dizer que elas mudam praticamente todos os dias”. Nesse sentido, o chef pode ter à mão salame ou nduja (embutido pastoso típico da Calábria) de porco moura, bresaola (único item da salumeria italiana feita com carne bovina) de wagyu, magret curado (às vezes chamado de presunto de pato, embora seja feito com o peito e não com o pernil) e pancetta (barriga suína curada), por exemplo.
Tradição hispânica
Foto: Divulgação Sobrasada do Best Jamón.
O madrilenho Andrés Jimenez até atravessou o Atlântico, mas não abandonou a Espanha. Uma das formas de permanecer ligado a ela é importando iguarias de relevância cultural, como embutidos D.O.P. (Denominação de Origem Protegida) da Señorio de Montanera.
Nessa propriedade em Extremadura, cada porco da raça ibérico dispõe ao menos de 3 hectares naturais e particulares para se alimentar de bolotas (frutos que diferenciam o sabor de sua carne). Ao fim, não tem jeito, transformam-se em sobrasada (espécie de salsichão que incrementa paellas), lomo (diferente da copa, feita com o pescoço, leva o lombo), paleta (corte dianteiro que se confunde com o presunto) e o jamón original. São itens especiais – porém caros – e podem ser comprados pelo whatsapp (11/94354-6185) da Best Jamón.
Caseirices à la française
Foto: Divulgação Terrine do Empório Manuel.
No Itaim, o Empório Manuel se orgulha da charcuterie maison. A começar pela terrine de campagne, receita à moda antiga, feita com carne magra, gordura e fígado suíno picados grosseiramente, perfumados com leite infusionado com guarnição aromática e assados numa terrine. Outro trunfo é a rillete de porc et canard maison (patê caseiro de porco e pato desfiados). Ambos acompanham cornichon (conserva de pepino) e pain de campagne (ou pão do campo, cujo preparo faz jus a tradições de outrora).
Vício desde o início
Foto: Divulgação Charcutaria da casa e pães de fermentação natural do Cepa.
Entre os motivos que colocaram o Cepa na trilha foodie da cidade está a charcutaria de Lucas Dante. Suas primeiras empreitadas se deram há quase uma década, na cozinha do extinto Osteria del Pettirosso. Acompanharam-no na passagem pelo Hospedaria e, não é exagero dizer, impulsionaram a gênese dessa casinha cheia de charme no Tatuapé. Tanto é assim que, antes mesmo de falar de vinhos, a sommelière e co-fundadora, Gabi Fleming, sugere um voo por esses curados manufaturados. O mais completo inclui bresaola de wagyu, pancetta, lardo e copa lombo e vem escoltado por picles de vegetais, manteiga defumada e pão caprichadamente fermentado.
Vale o passeio!
A cerca de 180 km da capital paulista, no Espaço Essenza, vinícola boutique em Santo Antonio do Pinhal, o calabrês Domenico Trocino usa tradições de sua terra natal para maturar speck (irmão do presunto cru, suavemente defumado e curado por no mínimo oito meses), guanciale e salames bem condimentados. Confeccionados com porcos moura bastante marmorizados, baixas temperaturas, pouco sal e fumaça natural das oliveiras locais, os itens são harmonizados pelo sommelier José Márcio Cunha, que ainda leva os visitantes por um inspirador tour pela vinícola.
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