Casa de Criadores sem filtro: Ateliê TRANSmoras, UMS 458 – LL, Rafael Caetano e mais

O que rolou no segundo dia do evento dentro e fora das passarelas.


Modelo no desfile da Ateliê TRANSmoras.
Ateliê TRANSmoras. Foto: Marcelo Soubhia | Agência Fotosite



A gente estava no carro quando chegou uma mensagem de Renata Bastos, uma das assessoras de imprensa encarregadas pela comunicação da Casa de Criadores, avisando que naquela terça-feira, 06.12, os desfiles começariam pontualmente às 19h. Nem deu tempo de responder e já veio outro recado. Na verdade, haveria, sim, um atraso.

Parece que Renata ficou meio tensa com nosso texto sem filtro de ontem e repassou a preocupação para André Hidalgo, diretor e fundador do evento. Uns cinco minutos depois, chegamos lá e logo vieram nos explicar sobre os horários. Não que a gente goste de ficar plantado à noite em qualquer evento, mas reclamação é parte do charme desta seção (e das nossas personalidades, sem reclamar é mais caro). E comparado às quase três horas de espera nos cinco dias de SPFW, o que é uma hora e pouco de delonga, né?

Enfim, eram umas 18h20 quando recebemos a tal mensagem. O trânsito já estava daquele jeitinho. Choveu o dia todo, o clima fechou ainda mais e o mundo caiu minutos depois de entrarmos no prédio da rua Roberto Simonsen. São Paulo, horário de pico, fim de ano e tempestade é uma combinação que ninguém quer no seu evento. Não à toa, antes do primeiro desfile, André pegou o microfone, agradeceu os presentes e emendou um “tem que gostar muito de moda para estar aqui”.

Modelos se beijam no desfile da Ateliê TRANSmoras.

Ateliê TRANSmoras. Foto: Marcelo Soubhia | Agência Fotosite

Um pouco antes, ao lado de um ventilador poderosíssimo, aonde muita gente ia se refrescar ou evitar o derretimento da maquiagem, Vicenta Perrotta falava sobre como o desfile do Ateliê TRANSmoras, projeto idealizado por ela e com colaboração de algumas dezenas de pessoas transexuais e travestis, é uma grande celebração e exaltação de um outro jeito de fazer moda. Aliás, um jeito bem diferente daquele construído pelas estruturas de poder consolidadas depois da revolução industrial.

A coleção é resultado de um movimento cada vez maior, nascido no campus da Unicamp, em Campinas, e, hoje, com atuação e alcance nacional. Na passarela, foram apresentados trabalhos de criadoras de Manaus, São Luís, Salvador e mais um tanto de cidades brasileiras por onde passaram os ensinamentos de Vicenta sobre transmutação têxtil e, se nos permite, social e política também.

Com trilha sonora divertida e ao mesmo tempo crítica (com falas da criadora sobre o lugar que a sociedade coloca travestis e transsexuais, entre batidas eletrônicas), o desfile é um dos melhores já orquestrado por Vicenta. O trabalho de ressignificação, reciclagem, reaproveitamento e upcycling ganha camadas mil de relevância, importância e abrangência  – não são poucas as referências, origens, culturas e vivências ali representadas. Sem contar na atenção e cuidado com a costura e a vestibilidade, algo meio raro em temporadas anteriores.

Modelos no desfile da Ateliê TRANSmoras.

Ateliê TRANSmoras. Foto: Marcelo Soubhia | Agência Fotosite

“Não dá para esperar que façam mais pela gente, que nos ajudem. Temos que fazer nós mesmas”, diz Vicenta, ali ao lado do ventilador mais disputado do camarim. De forma bem resumida, a apresentação é sobre isso: pessoas sem vez num mundo que já vem malhado antes da gente nascer, mas que não deitam e mostram suas caras. Fazem por onde, sabe? Por onde, para si mesmas e para toda uma comunidade.

E sim, gostamos de moda. Porém, o que nos faz voltar à Casa de Criadores, temporada após temporada, é justamente esse tipo de criatividade e provocação. Enquanto muita gente prefere se limitar aos conformes do mercado, a semana de moda de André Hidalgo e seus participantes não têm medo de propor alternativas, por mais improváveis que possam parecer à primeira vista. Na real, é um respiro muito bem-vindo, principalmente em tempos de humanidade escassa. O produto é importante. Histórias, vivências e existências idem. Talvez até mais.

Entrada final do desfile da ULM 458 - LL.

UMS 458 – LL. Foto: Marcelo Soubhia | Agência Fotosite

Outro destaque da noite foi a estreia solo da UMS 458 – LL, de Lucas Lyra (a marca já havia desfilado com Felipe Fanaia na edição passada). Apesar do nome difícil, a roupa é de fácil entendimento. A estética lembra os looks de brechós gringos, com peças oversized e tracksuits dos anos 1970 com detalhes de pelúcia.

A etiqueta tem como carro-chefe os tricôs, que aqui aparecem com carinha de puídos e trama aberta. Porém, para essa estreia, o estilista aproveitou para introduzir novos segmentos, como o jeans e a alfaiataria. A ambição é compreensível, é o que muita gente quer vestir agora. Porém, falta um pouco de técnica e cuidado com o acabamento dos materiais. Outro ponto que vale menção é a identidade. Talvez pelo tema genérico, a coleção fala mais sobre desejos de agora e menos sobre o que distingue a grife das tantas outras no mercado.

Modelo no desfile de Rafael Caetano.

Rafael Caetano. Foto: Marcelo Soubhia | Agência Fotosite

Rafael Caetano foi outro que decidiu sair da sua zona de conforto nesta estação. Já na temporada passada, ele retomou o trabalho com camisaria, que marcou o início de sua carreira, e lembrou do quanto gostava de costurar roupas um pouco mais trabalhadas. Daí as calças de alfaiataria bem levinhas, os blazers com aberturas internas nas mangas e as blusas soltinhas com babados e volumes.

É uma boa partida, ainda que apegada àquela imagem meio infantil de suas coleções. É também um grande desafio, técnico e comercial, já que são peças com custo maior do que o ticket médio da marca. Aliás, parece que esse é um movimento meio comum nesta temporada. Há uma preocupação maior não só com o feitio das roupas, mas com a evolução e crescimento do repertório e potencial de cada um.

Modelo no desfile da Vivão.

Vivão. Foto: Marcelo Soubhia | Agência Fotosite

Modelo no desfile de Jorge Feitosa.

Jorge Feitosa. Foto: Marcelo Soubhia | Agência Fotosite

Modelo no desfile da Couto Store.

Couto Store. Foto: Marcelo Soubhia | Agência Fotosite

Modelo no desfile da Dellum.

Dellum. Foto: Marcelo Soubhia | Agência Fotosite

Nesta segunda noite, teve ainda o desfile digital da Ken-gá, trazendo um brasil core divertido, bem no estilo das estilistas, o futuro distópico com jeitão DIY reciclável da Vivão e a “mata-branca” da caatinga na coleção cheia de texturas e formas arredondadas de Jorge Feitosa. No projeto PIM (Periferia Inventando Moda), desfilaram a Couto Store, com roupas supercoloridas, e a Dellum, em clima mais dark, gótico, extraterrestre e com volumes exagerados.

Ah, e teve a participação especial de uma grande supermodelo fazendo as vezes de hostess:

Gato na entrada da Casa de Criadores.

Foto: Luigi Torre

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