Por que as pessoas estão tirando o preenchimento facial?
Depois do boom da harmonização facial, famosas como GKay “tiram a boca” e procuram visual mais natural. Mas como e por que isso acontece?
Em janeiro, os mais de 20 milhões de seguidores da comediante e influenciadora Gessica Kayane, a GKay, viram um rosto um pouco diferente. “Tirei a minha boca”, falou em seus stories, enquanto mostrava lábios menos inchados do que os que tinha até alguns dias atrás. “Tirei o preenchimento, estou testando vários ângulos ainda. Vocês gostaram? É estranho inicialmente”, comentou.
A brasileira está longe de ser a única do showbiz a tomar essa decisão. As estadunidenses Amy Schumer e Courteney Cox foram outras famosas que tomaram uma decisão semelhante. “Ainda bem que podemos dissolver os preenchedores, eu estava parecendo a Malévola”, escreveu a comediante. A atriz do icônico sitcom Friends, por sua vez, disse que “queria voltar a aparecer comigo mesma”.
Como reverter um preenchimento facial?
Há vários tipos de preenchedores, alguns podem ser dissolvidos, outros não. Os bioestimuladores de colágeno, por exemplo, não podem ser removidos. “O que fazemos são intervenções para manipular e deixar o volume indesejado menos evidente”, diz a cirurgiã plástica Renata Vidal. Os efeitos dos bioestimuladores na face podem durar até dois anos.
A substância mais popular para preenchimento facial é o ácido hialurônico. Este, por sua vez, tem um “antídoto”: uma enzima chamada hialuronidase. O componente, extraído de testículos de bovinos, facilita a difusão do ácido hialurônico e, assim, acelera a absorção do preenchedor pelo corpo.
“Alguns (tipos de ácido hialurônico) são fáceis e outros não, mas, em teoria, todos se podem dissolver”, fala a médica. O fato de ter uma solução não garante que a pessoa livrará completamente seu corpo do preenchimento. “Podem sobrar resíduos do ácido hialurônico, não dá para diluir tudo.”
Tudo depende muito da forma como o componente foi aplicado. Em áreas mais delicadas, como olheiras, o ácido hialurônico é absorvido mais rápido, enquanto em regiões em que ele é usado para emular ossos, como na mandíbula, os efeitos não desaparecem tão rápido.
Antes de fazer a dissolução, é preciso ter uma série de cuidados. É recomendado, de acordo com a médica dermatologista Anne Leroy, fazer uma ultrassonografia de alta frequência. “Para avaliar a localização do ácido hialurônico, se está em uma parte mais profunda ou superficial do tecido e, dessa forma, guiar o profissional”, afirma a especialista.
Além disso, a hialuronidase é bastante segura, mas não é completamente livre de riscos. “É preciso um preparo semelhante ao uso de um contraste, por exemplo, porque há risco de alergia ou de ter um choque anafilático”, complementa Renata Vidal. Para isso, o paciente faz um breve tratamento com antialérgico e corticóide para evitar qualquer complicação.
Após a aplicação de hialuronidase, o tempo para que o preenchimento seja dissolvido e o rosto do paciente volte ao normal costuma variar de corpo para corpo. “Em alguns é necessário mais de uma aplicação. Às vezes podem ocorrer hematomas e edemas que duram cerca de sete dias. Enquanto outros pacientes, após 72 horas, já estão com o rosto natural”, diz Anne Leroy. Segundo a especialista, são necessárias, em geral, 3 sessões de hialuronidase.
Menos preenchimento, mais naturalidade
O Brasil, especificamente, é um país que adora uma intervenção estética. Um relatório da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS, em inglês), em 2020, foram realizados mais de 1,3 milhão de procedimentos de cirurgia plástica no país. Ficamos em segundo lugar no ranking global, atrás apenas dos EUA.
O mesmo levantamento dá conta que o uso de procedimentos não cirúrgicos injetáveis, como a aplicação de botox e o preenchimento facial, aumentou 24,1% entre 2016 e 2020. Mais de 600 mil intervenções não invasivas foram realizadas em 2020 no Brasil. Dois anos depois, há quem esteja indo contra a maré. E não são apenas as celebridades.
Tanto a cirurgiã plástica Renata Vidal como a médica dermatologista Anne Leroy estão acostumadas a fazer preenchimento facial e labial em seus pacientes. Ambas perceberam, no entanto, que o número de pessoas que chegam aos seus consultórios a fim de diluir os preenchedores tem se tornado cada vez maior. “Principalmente quando não está adequado, quando fica visível que houve a manipulação”, comenta Renata Vidal.
Para Anne Leroy, o mundo da beleza, assim como o da moda, muda de acordo com a época, o país e a faixa etária. “Em um determinado período, o belo era ter lábios mais grossos, a sobrancelha fina. Hoje em dia, vivemos uma tendência da naturalidade nos procedimentos estéticos. Eles devem servir para realçar a beleza de cada um”, afirma a dermatologista.
Renata Vidal concorda. “Muitas vezes, os pacientes vêm diluir o preenchimento e depois o refazem, só que com uma técnica mais leve”, complementa a cirurgiã plástica. “Quando o preenchimento é bem feito, as pessoas vão dizer que você está bonita, mas não saberão falar o que foi feito”, diz Anne Leroy.
Isso tem alavancado a popularização de alternativas como o lip flip, procedimento em que botox é aplicado para paralisar os movimentos dos lábios que, sem a contração, passam a sensação de que eles são maiores.
Por que todo mundo está “tirando” o preenchimento?
A saturação dos preenchimentos pode ter a ver com a estigmatização do rosto “harmonizado”. “Muitas vezes escutamos do paciente que ele não quer fazer o procedimento para não ficar com a mesma cara que todo mundo”, afirma a dermatologista.
Nessa busca por uma beleza mais natural, mesmo o termo “harmonização facial” pode acabar caindo em desuso. “Dá a sensação de que temos que ser simétricos. Porém, sabemos que nosso rosto não é exatamente igual dos dois lados e que, muitas vezes, a beleza está nessas pequenas diferenças.”
“Quando percebem que estão fazendo uma modificação de suas feições, não um rejuvenescimento, elas não querem mais os preenchimentos”, aponta Renata Vidal. É que, segundo a médica, um rosto agressivamente harmonizado pode parecer mais envelhecido do que um com as marcas de envelhecimento naturais.
Para ela, o preenchimento facial e a harmonização se tornaram, até um certo ponto, uma espécie de bem de consumo como uma bolsa ou sapato de marca. “As pessoas antes usavam os procedimentos para ostentar, participar de um clubinho. Isso já não está mais tão popular”, avalia a cirurgiã plástica.
Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes