Reinaldo Lourenço de volta à passarela
Depois de um hiato de três anos e meio, o estilista apresenta sua primeira coleção 100% couture.
Antes de Yves Saint Laurent popularizar o Rive Gauche, a margem esquerda do Sena, e o prêt-à-porter, quase tudo no mundo da moda se resumia ao couture. Traduzindo, até o começo da década de 1960, as roupas ainda não era seriadas, prontas para usar, mas, sim, feitas sob medida para cada cliente. A essência da costura.
E é esse ofício, esse sentimento quase nostálgico, que Reinaldo Lourenço coloca na sua passarela, três anos e meio depois de se ausentar delas. “Guardo na memória o primeiro desfile de alta-costura ao qual assisti, de Christian Lacroix para a Maison Patou, em Paris. E trago algumas referências do que vi para minha primeira apresentação de couture”, escreveu o estilista no material de divulgação entregue aos convidados e à imprensa.
Um parênteses aqui: alta-costura é exclusividade francesa, com suas próprias normas e regras, por isso, o termo acaba sendo usado de diferentes formas no resto do planeta – alta-moda na Itália, couture no Brasil, por exemplo.
Independentemente da nomenclatura, o que torna essas roupas tão singulares é o caimento perfeito, ajustado no corpo da cliente, a qualidade das matérias-primas e o “saber fazer”, a qualidade do trabalho de artesãos e costureiros envolvidos na tarefa. Reinaldo tem os três.
Um dos maiores nomes da moda nacional desde os anos 80/90, o estilista sempre foi reconhecido pelos vestidos de festa, o que ajuda a fazer uma conexão direta com o feito sob medida – é nessas ocasiões, afinal, que boa parte da clientela está disposta a pagar mais por exclusividade. Tem um ateliê, em Pinheiros, SP, com mão de obra interna e treinada há anos, e dois ótimos olhos para tecidos, muitos garimpados em feiras têxteis hypadas, vide a Première Vision, de Paris.
Não à toa, são eles, os tecidos, que logo fisgam o olhar em sua apresentação: flores de cetim duchese, georgette e tule rebordado com penas aqui, plumas, organza, paetês, gabardine de lã acolá. E um jacquard de seda, meio adamascado, que dá vida a alguns dos longos com cauda mais bonitos do show.
Mas, claro, é preciso ter técnica. E Reinaldo Lourenço também dá um check neste quesito. Mestre na construção da alfaiataria, ele estrutura um blazer de lã com três tipos de entretelas, e vestidos, com corsets; faz recortes precisos em costas e laterais, lança mão da chiqueza de abotoamentos duplos e lapelas de cetim de seda, cria uma risca-de-giz com paetês, que faria Marlene Dietrich feliz.
E vai calculando a dose certa de romance e transgressão, masculino e feminino, guerra e conto de fadas – há martingales em ombros e look à la Cinderela. Tradição nesse métier, dois vestidos de noiva fecham o desfile.
E, embora mire no passado, em algumas formas clássicas dos 50 e 60, tudo ganha um adorável ar de aqui e agora: um bom exemplo é a quantidade de longos transparentes usados com underwear de paetê ou lã, acompanhados por flats. Frescos e com capacidade real de parar no corpo de muitas das mulheres que foram conferir a apresentação e, inclusive, já vestiam transparências.
Além deles, a cartela de cores, típica do universo imagético laurenciano, ajuda na função temporal. O preto reina, mas é impossível ficar indiferente aos pinks e amarelos.
Pós-desfile, as roupas “taliqual” vistas no tapete champagne (Reinaldo antenado com o Oscar!) da Faap, poderão ser encomendadas e reconstruídas no corpo da cliente, ou servirem de base para algo novo.
PS: ir a um desfile de Reinaldo Lourenço é também um exercício antropológico. Seus convidados vão de fashionistas-raiz, com direito a véu negro, a estudantes de moda, clientes abastadas, celebridades e imprensa em peso.
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