Next in Fashion: um bate-papo com Nigel Xavier e Tan France
Conversamos com o ganhador e o jurado do reality show de moda da Netflix sobre os bastidores da competição e o que podemos esperar do estilista no futuro.
Quem adora um reality show já deve ter assistido Next in Fashion, competição da Netflix que busca encontrar o novo grande estilista da indústria. Na segunda temporada, lançada em março, Gigi Hadid substitui Alexa Chung na bancada de jurados e apresenta o programa ao lado de Tan France, conhecido também por ser um dos Fab 5 de Queer Eye. Com jurados convidados como os estilistas Donatella Versace, Olivier Rousteing, Isabel Marant e a stylist Gabriella Karefa-Johnson, há desafios como o de criar um look para o MET Gala ou reinterpretar códigos de décadas específicas, sempre sob o olhar e DNA de cada participante. “Nós não estamos procurando o melhor costureiro. Estamos procurando pelo próximo grande estilista”, diz France, em entrevista à ELLE Brasil.
E, se você assistiu ao programa, também já sabe quem é o vencedor: Nigel Xavier, o californiano baseado em Atlanta que cria tecidos inteiros a partir de recortes de outros materiais e os aplica em peças com raízes de streetwear, levou o prêmio de 200 mil dólares.
Tan France, Gigi Hadid e Nigel Xavier nos backstages de Next in Fashion. Foto: Divulgação
O estilista entrou no reality com look de bad boy, trancinhas, roupas largas, bucket hat e dente dourado, mas logo desarmou jurados com sua calma, timidez e criatividade. Ele já se destacava pela sua manipulação absurda de têxteis, mas foi com sua coleção final, inspirada no festival de Woodstock, que ele conquistou de vez o coração do júri.
Conhecido por sua moda masculina cheia de detalhes interessantes e um visual realmente fresco, Xavier já vestiu nomes como os rappers A$AP Rocky e Playboi Carti. Em Next in Fashion, Tan France e Gigi Hadid insistiram para que o estilista levasse sua visão para o universo feminino. E foi aí que ele realmente explodiu.
Nigel conta como começou a se interessar por moda e por customização de seu próprio guarda-roupa ainda na escola – seu estilo pessoal também acabou chamando a atenção da audiência do programa. “Quero trazer ainda mais do meu mundo, da minha personalidade, para a minha roupa. As pessoas me pedem muito isso.”
Apesar da técnica manual tão aprimorada, o estilista acha possível escalar seu negócio, mas ainda está estudando como levar seu patchwork para novos lugares – e, quem sabe, até para a passarela. A entrevista, que acabou virando um bate-papo sobre moda, desafios e, claro, sobre o reality show onde Nigel Xavier e Tan France se conheceram, você confere abaixo.
Os patchworks de Nigel Xavier. Foto: Reprodução/Instagram
Queria começar falando que eu estava torcendo para o Nigel desde o começo do show!
Tan France: Por favor, me diga o porquê! Eu quero ouvir seus motivos! (risos)
Eu acho que a técnica de manipulação de tecidos era muito impressionante. Mas, começando do começo, eu ouvi que você passou a se interessar por moda no último ano da escola. Era algo que outros colegas estavam indo atrás?
Nigel: No meu último ano do colegial, eu gostava de me vestir de um jeito diferente do resto, de encontrar maneiras de me expressar. Entrei no Fashion Academy Program, um programa extracurricular na minha escola, que provavelmente tinha cinco participantes apenas.Foi aí que essa faísca realmente acendeu em mim e pensei: isso é o que eu quero fazer. Então, decidi estudar design de moda.
Você aprendeu a fazer o patchwork de tecidos na faculdade ou era algo que você já fazia?
Nigel: Já costurava patches e outros tecidos à mão nas minhas roupas. Quando eu estava na faculdade, fui para o lado de construção e aprendi os básicos, como drapear e construir. Ao me formar, em 2016, voltei para as minhas raízes, para o que me levou a criar.
Quais foram suas inspirações desde o começo?
Nigel: Eu olhava para mim mesmo e queria ser diferente. Existe um tipo de dança, chamada “jerking”, uma coisa da costa oeste dos Estados Unidos, estilo Cali, e eles usam cores muito vivas, jeans skinny, vários elementos gráficos e coisas do tipo. E foi essa dança que me inspirou a ser diferente. Depois disso, os materiais que tenho na minha frente me inspiram, sabe?
E você trabalha com peças de upcycling…
Nigel: Sim, foi como comecei e ainda é uma parte enorme do meu processo de criação.
Como você decidiu entrar no Next in Fashion?
Nigel: Eu pensei bastante no começo… Não sei se posso falar sobre como entrei!
Tan: Eu não faço a menor ideia, mas agora eu estou superinteressado! (risos)
Nigel: O diretor de casting me mandou um email e eu fiz várias entrevistas. Quando recebi a primeira ligação, já tinha visto a primeira temporada e pensei ‘não sei se eu me vejo nesse programa, não sei onde me encaixaria nele’, sabe? Ao entrar, eu decidi arriscar, mesmo sem saber se conseguiria ganhar. Sabe, eu tive que sacrificar muita coisa para estar ali. Eu sacrifiquei minha imagem, minha marca e basicamente tudo para estar no programa. Fiquei muito feliz que o mundo gostou e que Tan e Gigi [Hadid] e todos os jurados entenderam minha visão e gostaram dela.
Tan, você já estava de olho no Nigel desde o começo, já sabia que ele poderia ganhar?
Tan: É difícil… Ok, então aqui está a verdade verdadeira: na primeira e na segunda temporada, nos primeiros dias eu já sabia quem provavelmente iria ganhar. (risos) Era o segundo dia e eu já tinha um feeling sobre quem ganharia a primeira temporada. Com o Nigel, acho que foi no segundo ou terceiro dia que eu pensei ‘há algo especial sobre ele’. A dificuldade é que nós nunca sabemos com certeza. Um exemplo: Nigel poderia estar indo súper bem nos primeiros cinco episódios, mas, se no sexto ele fizesse algo terrivelmente errado, ou se escolhesse um tecido esquisito, que não funcionasse… Ele teria que sair. E nós temos que nos basear nos desafios, mesmo se ele tivesse ido súper bem todas as semanas anteriores, em todos os episódios, não importa. Nós vimos isso com Godoy e James. Godoy e James eram estilistas fortes, mas eles tiveram um episódio ruim e tiveram que ir embora. A audiência ficou muito chateada com isso, mas nós tentamos deixar claro que todo episódio e todo desafio contam. Então, resumindo, eu posso até ter pensado que havia algo sobre Nigel e que ele poderia ganhar, mas não havia garantia.
Nigel: Você falando isso me faz lembrar que eu falava para mim mesmo: ‘basta apenas UM deslize’…
Tan: Um desafio que você vai mal e… honestamente, a gente teria que mandar o Nigel pra casa!
E a moda feminina? Porque Gigi e Tan sempre reclamavam que você não fazia roupas femininas!
Tan: Essa foi a parte mais chata do programa! Porque demorou alguns episódios para ele nos ouvir. Assistindo ao programa, eu pensava ‘poxa, escuta a gente!’.
Nigel: Eu sei, amigo, eu sei. Na metade do programa, eu pensava ‘porque não fiz isso ainda?’. Tem alguns desafios que eu sinto que teria ganhado se tivesse escolhido uma mulher para vestir as roupas, sabe? E eu agradeço a eles por terem me empurrado para esse mundo, porque agora estou superanimado para criar roupas para mulheres também. É muito mais versátil, posso brincar com tecidos que podem não ser convencionais para homens… É uma experiência incrível.
Tan: Sabe de uma coisa, Nigel? Eu vou te falar uma coisa, mesmo estando no meio de uma entrevista. Eu acho que se você não tivesse incluído moda feminina, você teria jogado fora toda a competição. Se tivesse insistido no seu instinto, que era fazer só masculino, eu não acho que estaria onde está agora. Ele conquistou uma audiência enorme nas redes sociais desde o programa e está recebendo muita atenção. E sim, eu sei que Nigel é lindo e muito fofo, mas não é só sobre isso. (risos) Eu acho que as pessoas se relacionam com as pessoas que elas veem no programa. Ele interessava a todos nós. E se ele não tivesse ouvido o que nós tínhamos para falar, ele não seria o Nigel que ele é hoje.
Você nunca tinha feito moda feminina antes?
Nigel: Na faculdade, sim… Já fiz vestidos e essas coisas, mas não gastava meu tempo com isso, tinha outras coisas nas quais eu estava interessado e que conversavam mais comigo. Eu sempre pensava que tinha que fazer o que parecia certo pra mim.
Tan: Giuliana, eu também queria corrigir algo que acabei de falar! Nigel está certo, nós o obrigamos a fazer vestidos. Mas, eu acho que nós temos que mudar nossa mentalidade quando pensamos em quem é a cliente de Nigel. Ele não cria para mulheres que querem usar vestidos, mas para aquelas que querem se vestir de forma mais andrógina e exploram isso com paixão. Então, não é porque Nigel não está fazendo um vestido que ele não está criando roupas para mulheres.
Foi difícil decidir quem iria ganhar o programa?
Tan: Sim, honestamente foi. Mesmo que eu tivesse o sentimento de que Nigel chegaria até a final e potencialmente ganharia. De novo, tínhamos que analisar a coleção final. E, se ele não tivesse feito uma coleção tão incrível ou apenas uma coleção comum, ele estaria em apuros. Porque Bao e Deontre fizeram coleções incríveis. Foi difícil decidir porque todos eles poderiam ter uma marca de sucesso, comercial e viável. Mas eles eram todos muito diferentes. Nós acreditamos que o trabalho de Nigel era mais único e especial e, é bom lembrar, várias pessoas não concordaram. Mas, quando falamos de moda, é importante saber que é tudo muito subjetivo.
Nigel trabalhando em um dos desafios do Next in Fashion. Foto: Divulgação
Nigel, teve algum desafio em que você pensou que seria eliminado?
Nigel: Hum… Antes de eu receber a notícia sobre [o desafio] o Met Gala, eu estava supercético. Porque era muito fora da minha estética, sabe? Eu sabia que podia me expressar, mesmo que a peça não estivesse vestindo perfeitamente, coisas assim. E sabia também que, se eles fossem eliminar alguém, poderia ser eu.
Tan: O por trás das cenas desse episódio foi interessante. Porque nós estávamos falando muito sobre isso… E para o seu look do Met Gala, Nigel fez um macacão e uma capa. Honestamente, Nigel, eles não funcionavam juntos, não faziam sentido. Mas, individualmente, as peças eram muito fortes. Não é que nós o eliminaríamos por causa desse look, porque nós amamos os itens separados. Se fossem duas peças ruins juntas, ou apenas uma ruim, você poderia ter ficado entre os piores. E, sim, o macacão não servia perfeitamente, mas nós deixamos claro durante o show: não é necessariamente sobre a melhor construção, nós só precisamos da ideia. Nós não estamos procurando o melhor costureiro. Nós estamos procurando pelo próximo grande estilista.
Eu acho que essa é a melhor parte do programa. De todos os outros realities que estão online agora, eu gosto do Next in Fashion porque essa mentalidade é a que faz mais sentido pra mim.
Tan: Todo mundo que conhece nosso mundo sabe. Você sabe, você também trabalha com isso. Quando Nigel chegar em certo ponto, talvez em três ou quatro anos, ele não vai mais costurar nada. Vai existir todo um time que vai trazer sua ideia para a vida.
No programa, você construía todos os tecidos e depois costurava a peça. Era praticamente o dobro do trabalho de todos! Como você conseguia fazer tudo a tempo, em quatro horas?
Nigel: Eu sei… É louco porque, em casa, eu praticava para esse momento. Já estive em situações em que tive que criar peças em pouquíssimo tempo. Então, estava preparado. Só precisava lidar com as câmeras e a pressão, não queria desapontar ninguém nem me envergonhar na TV.
Tan: Você se acostuma, Nigel! Eu me envergonho na TV toda hora! (risos)
Nigel: Eu estava com medo e pensava ‘todos os meus amigos vão ver isso!’.
Você já se assistiu no programa?
Nigel: Já… Eu assisti tudo em um dia, para tirar da frente. (risos)
Tan: E você ficou com vergonha?
Nigel: Não, não… Eu sai da minha zona de conforto e não posso ficar bravo por isso, sabe?
Sua estética mudou depois do programa?
Nigel: Mudou sim. Comecei a fazer roupas femininas e quero muito me puxar para trazer mais do meu mundo para as pessoas. Muitas pessoas também comentam sobre os looks que eu usava no show.
Tan: Giuliana, vou fazer uma pergunta complementar a sua. Teve alguma coisa que você aprendeu em algum dos nossos desafios que você incorporou ao seu trabalho?
Nigel: Não sei… Acho que eu teria que pensar mais sobre essa! (risos) A única coisa que eu pontuaria é a moda feminina, vocês me empurraram para esse mundo. Na final, eu mudei minha silhueta para atender o que eles me pediram a temporada inteira.
Tan: Acho que uma coisa que eu diria que você mudou é que, em vez de incorporar a moda feminina, você começou a incluir tecidos tradicionalmente femininos nos seus patchworks, como no desafio das décadas. Você incluiu renda e eu não imaginaria você fazendo isso três episódios antes!
Nigel: Eu também estava guardando alguns truques na manga, para surpreender vocês! (risos) Não queria que vocês se cansassem de mim!
Sua estética é super-reconhecível. Você acha que vai continuar seguindo este mesmo caminho nos próximos anos?
Nigel: É uma parte tão grande de mim, sabe? E tem sempre espaço para crescer, eu sou súper mente aberta. Então, eu ainda vou amadurecer a estética que tenho hoje. Não sei o que vai acontecer no futuro, estou fluindo com o processo e aprendendo coisas todos os dias.
Tan: Mesmo a coleção final de Nigel foi bem diferente do que ele nos trouxe durante a temporada, e mesmo assim era superfamiliar. Nós sabíamos que era uma coleção dele, mesmo que não parecesse nada com os produtos que ele tinha produzido até então. Eu acho que essa é a beleza da versatilidade.
Quais são seus próximos planos agora?
Nigel: Adoraria participar de uma semana de moda, mas quero garantir que eu esteja na escala que eu quero. Eu não quero só fazer um desfile. Quero ter certeza de que minha visão está clara antes de me apressar para fazer algo. Agora, estou me mudando, decidindo onde vou estar e procurando manufaturas que possam produzir minhas coleções e coisas assim. Quero ser capaz de dar às pessoas o que elas querem de mim! E, também, colaborações. Estou conversando com algumas pessoas agora… Mas, antes, quero ter certeza de que vai ser um match perfeito! Essa é a minha parte favorita, recriar a estética de outra pessoa.
Você acredita que consegue escalar sua moda, que é tão manual, e vendê-la mundialmente?
Nigel: Eu acho que é possível, sim.
Tan: Se indianos e sul-asiáticos conseguem criar com tantos detalhes de bordados, Nigel também consegue produzir suas peças em massa!
E esse é o plano?
Nigel: Sim, com certeza!
Tan: Dominação mundial! (risos)
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