Exposições em Portugal celebram a trajetória de Paulo Mendes da Rocha
Mostras são as primeiras organizadas pela Casa da Arquitectura desde que o arquiteto encaminhou seu acervo para a entidade, em Matosinhos.
Um ano inteiro dedicado a Paulo Mendes da Rocha. É assim que a Casa da Arquitectura, sediada em Matosinhos, a cerca de 12 km da cidade do Porto, em Portugal, tem chamado o conjunto de eventos programados para homenageá-lo. A começar por duas exposições simultâneas, que abrem no dia 26 de maio e se estendem até fevereiro de 2024. A primeira, Geografias Construídas: Paulo Mendes da Rocha, percorre sete décadas de sua carreira e explora a imensa documentação que o arquiteto doou para a Casa em setembro de 2020, alguns meses antes de morrer. Ao todo, a entidade portuguesa recebeu 8.800 itens relacionados a mais de 320 projetos. São 6.300 desenhos, 3 mil fotografias e 300 publicações, além de maquetes feitas pelo capixaba e publicações sobre o ganhador do Pritzker de 2006, o prêmio de arquitetura mais importante do mundo.
Estudo de casa em Catanduva. Imagem: @casadaarquitectura_arquivo
A narrativa dessa exibição se apoia sobre 12 de suas obras. Assim, quem tiver o privilégio de visitá-la poderá admirar detalhes das casas Butantã e Gerber; do Pavilhão da Expo de Osaka, de 1970; do Museu Brasileiro da Escultura e da Ecologia (MuBE); do Sesc 24 de Maio; da Pinacoteca do Estado de São Paulo e do ginásio do Clube Athlético Paulistano (sua estreia), entre outros, que remontam o percurso percorrido pelo arquiteto desde a década de 1950, quando colocou de pé seus primeiros trabalhos. Para completar, um catálogo de 456 páginas reunirá fotos, ilustrações e ensaios críticos assinados por estudiosos de diferentes lugares do planeta abordando esses edifícios.
Pinacoteca do Estado de São Paulo: reforma da década de 1990 reviveu a instituição. Foto: Leonardo Finotti / @casadaarquitectura_arquivo
“Esses projetos documentam o movimento geral da arquitetura de Paulo Mendes da Rocha dos espaços fechados (privados ou públicos) para uma consideração das geografias das Américas. Trata-se de um processo em que as estruturas se abrem para a paisagem natural ou urbana e condensam um número crescente de valores coletivos. Também revelam o virtuosismo e a elegância de Paulo na sua abordagem da estrutura”, explicam os curadores Jean-Louis Cohen e Vanessa Grossman, que apontam a audácia de Paulo no uso de materiais e na escolha dos colaboradores. “Percebe-se como explorou o potencial de estruturas de concreto e metal, mas também sua atenção aos detalhes. Nota-se ainda seu compromisso com seus colegas mais jovens, uma vez que projetou e construiu com um círculo de arquitetos que foram seus alunos e amigos próximos”.
A visão humanista de Paulo Mendes da Rocha
A segunda exposição, denominada Paulo: Para Além do Desenho, se volta para suas reflexões e sua visão de mundo, aprofundando-se em temas que ganharam sua atenção e influenciaram suas obras. Sua visão humanista, por exemplo, é um dos aspectos que se desdobra em tudo que tocou. “Uma sociedade mais igualitária, a construção da cidade e a preservação da natureza, a economia de recursos, a educação e a racionalidade das decisões à luz deste princípio são as mensagens que recorrentemente transmitiu e que são patentes em seus projetos”, explica o curador Rui Furtado. O maior exemplo é o Sesc 24 de Maio, a que se juntam o MuBE, em sua versão sem grades, e o Museu dos Coches, em que se destacam a abertura para o exterior e o espaço público privilegiado. “No Sesc, por ser um equipamento de serviço à comunidade, sente-se a sua identificação com o próprio programa do edifício, que ele usa e manipula magistralmente”, completa.
Sesc 24 de Maio: arquitetura e humanismo. Foto: Leonardo Finotti / @casadaarquitectura_arquivo
O arsenal digital é um dos pontos fortes desta mostra. Um vídeo, reproduzido em cinco telas, trará dez entrevistas e trechos de palestras de Rocha, enquanto cinquenta tablets serão disponibilizados para que os visitantes vejam 50 fotografias históricas. Segundo os curadores Marta Moreira e Rui Furtado, o objetivo era estabelecer “uma conversa, para que, de uma forma íntima, sem filtros ou interpretações, o visitante possa ouvi-lo falar sobre os mais variados temas, expondo o que pensava, o que o movia e por que lutava”.
As homenagens se estendem com apresentações musicais, conferências, debates, visitas guiadas e conversas que contarão com nomes como Angelo Bucci, mestre e doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo, e Guilherme Wisnik, professor associado e vice-diretor da FAU, entre outros convidados. Eventos paralelos ainda terão lugar em São Paulo, no MuBE, e na Universidade de Columbia, em Nova York (o pré-lançamento lançamento das exposições foi feito dentro da programação da Bienal de Arquitetura de Veneza), em uma demonstração da potência desta celebração, que honra não apenas a carreira de Paulo, mas revela sua essência como pessoa.
“Os visitantes irão compreender o envolvimento social, cultural, econômico e político da produção de arquitetura do Paulo Mendes da Rocha. No caso, o componente político foi marcante. Ele foi um arquiteto reconhecido tardiamente, porque foi cassado pela ditadura, ficou sem trabalhar durante muito tempo e seu trabalho não tinha reconhecimento. O acervo é um ponto de partida para falar de arquitetura e do mundo tal como Paulo o via e da forma como utilizava a arquitetura para transformar e amparar a imprevisibilidade da vida, evitando o desastre, como ele próprio dizia”, conta o diretor executivo da Casa, Nuno Sampaio.
Capela São Pedro. Foto: Leonardo Finotti / @casadaarquitectura_arquivo
Dos projetos que realizou fora do Brasil, dois estão em Portugal: o Museu dos Coches e a Casa do Quelhas, em Lisboa, ambos associados honorários da instituição de Matosinhos. Sua proximidade com o país e com a Casa da Arquitectura foi decisiva para que enviasse toda sua obra para lá – mas não sem enfrentar uma certa polêmica. Na época, colegas e estudiosos ficaram divididos entre aprovar a decisão ou fazer ressalvas a ela. A FAU, onde Paulo lecionou por quase 30 anos e que guarda os trabalhos de outros medalhões da arquitetura, como Vilanova Artigas, Rino Levi e Warchavchik, entre outros, defendeu que todo material ficasse sob sua guarda e lamentou a decisão de levá-lo para o exterior em nota oficial. Apesar de ter considerado a proposta da faculdade de abrigar esse patrimônio, Rocha optou pela entidade privada. “Antes de mais nada, gostaria que vissem a doação que fiz como uma manifestação da liberdade que tenho de fazer o que eu quiser”, disse em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo na época.
A Casa da Arquitectura conta com trabalhos esparsos de outros profissionais daqui, como Bucci, Wisnik, Gustavo Penna, Nelson Kon e Ruy Ohtake, e tem um olhar todo especial para a produção brasileira. “Não há território que espelhe tanto a universalidade de ser português como o Brasil. O país possui uma dimensão e massa crítica que mais nenhum outro país relacionado com Portugal tem”, opina Sampaio. “Muito do modernismo que chegou a Portugal veio através dos arquitetos e publicações brasileiras e das experiências que faziam no território”. A obra de Paulo Mendes da Rocha é, portanto, uma aula para entender parte importante dessa história.
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