Colheu, comprou, comeu: fazendas urbanas garantem frescura à mesa

Lajes convertidas em roça em plena metrópole e outros modelos alternativos de produção reduzem a distância e o tempo para a salada chegar ao prato do consumidor.


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Esqueça aquela alface desanimada, murcha e exausta depois de sacolejar por quilômetros na carroceria de um caminhão e passar por mais de um depósito antes de entrar no seu carrinho de supermercado. Fazendeiros urbanos estão levando o conceito de consumo local ao extremo e prometem entregar verduras colhidas em questão de horas – ou mesmo apresentar alternativas para que o próprio consumidor faça a sua colheita.

Por meio da agricultura sustentável, produtos saborosos se escondem em telhados, fundos de quintais, galpões e terrenos baldios. As primeiras raízes fincaram-se em Nova York, mas Berlim já abriga centenas de projetos de jardinagem urbana e Copenhague esbanja restaurantes com hortas high-techs e vegetais belíssimos. No Brasil, especialmente em São Paulo, iniciativas similares começam a despontar.

Estima-se que o mercado global de plantações desse tipo crescerá em torno de US$ 10 bilhões até 2025. Ok, um negócio bilionário gera inevitavelmente impactos na sociedade, mas se eles incluírem o enraizamento de ingredientes mais ecológicos, a otimização de espaços e um estímulo à saúde, melhor ainda, não é mesmo? Confira algumas iniciativas, em diferentes formatos, desse novo jeito de garantir o verdinho no prato.

Na laje

“Quando você vê que 40% do que é produzido vai para o lixo, imaginar uma forma de melhorar a cadeia de distribuição vira uma obrigação”, desabafa Gabriel Cano, da Fazu. Por sorte, o empreendedor não ficou na imaginação e passou a sublocar espaços cinzas e transformá-los em áreas verdes que, de uma só vez, reduzem o desperdício e embelezam a cidade.

“Olhar São Paulo por cima é se deparar com lajes tomadas por sol e chuva, mas consideradas improdutivas”, conta Gabriel, que há três anos aproveitou a observação para iniciar cultivos nas quebradas, contratando gente da comunidade.

“Nova York busca produtos na Califórnia; a Dinamarca recorre à África; a Inglaterra, à Espanha. No Brasil, a perda não se dá pela distância, mas pela logística de intermediários e armazenamento inadequado. Estar dentro da cidade é a saída”, justifica o fundador da Fazu, que hoje colhe o gostinho de sítio nos arredores da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini.

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Fazu: alface e rúculas fresquinhas, cultivadas em lajes da metrópole.Foto: Divulgação

Na prática, a utopia consiste em cultivar hortaliças hidropônicas em lajes inutilizadas e, em poucos dias, colher apenas as mudas que tiverem seu destino traçado – seja um restaurante ou a casa de alguém – e entregá-las no mais tardar em três horas. Com isso, a perda beira zero: “Se crescer demais, a alface vira uma arvorezinha. Antes disso acontecer, doamos à uma pastoral”.

Os 250 metros quadrados da Fazu abrigam até 12 mil pés de alfaces variadas, temperos e outras folhas, como agrião, espinafre, rúcula, folhas de beterraba e escarola, vendidos a cerca de 11 reais o quilo (a conta não é por pé ou maço). Independentemente da quantidade, se a entrega for agendada, não há adicional.

No geral, comprar folhosos é uma loteria, pois o que chega ao mercado são os pobres sobreviventes, que encararam caixas lotadas, temperatura inadequada e outros maus tratos, o que não ocorre nesse modelo: “Na Fazu, temos um estoque vivo, como o aquário de ostras em em restaurante”.

Somam-se às benesses vegetais sem agrotóxicos, emissão de gás mínima e conversão de bicicleteiros de aplicativos em fazendeiros metropolitanos, que trabalham em ambiente mais seguro e com melhor remuneração. “O sonho é ser a Netflix da horta, invadir as lajes e espalhar Fazus pelos bairros. Ter dez, 15, 20 dark hortas e, de forma sustentável, tornar o caos paulistano o menos acinzentado possível”, revela o CEO.

Em caixas

Em 2019, o engenheiro ambiental Paulo Bressiani já estava familiarizado com o conceito de horta indoor e notou entre chefs de cozinha a dificuldade de achar folhas e temperos diferentes. Era o embrião de sua Fazenda Cubo.

As cobaias foram restaurantes vizinhos, frequentados por ele, caso do Più, do Corrutela e do Chef Vivi. Então, em janeiro de 2020, ele abriu a loja em Pinheiros. Veio a pandemia e os restaurantes fecharam temporariamente (ou não, em alguns casos), mas o delivery para o consumidor comum manteve o projeto vivo.

Do imóvel de 90 metros quadrados, a fazendinha ocupa 60 deles, com capacidade para produzir 700 quilos por mês de hortaliças – o que atende até 300 famílias. Entre os produtos fixos, o mix de alfaces é o carro-chefe, seguido pela rúcula e pelo agrião. Mas também há safras alternadas de azedinha-vermelha, espinafre europeu, manjericão-limão, couve mizuna, kale, funcho bronze, minitrevo roxo, porque a clientela da Cubo adora uma novidade.

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Fazenda Cubo: uma plantação no coração do bairro de Pinheiros.Foto: Divulgação

O tratamento recebido pelas plantas é VIP: o ar que percorre as caixas plásticas povoadas por mudinhas é filtrado, os agricultores só entram com touca, máscara e sapato esterilizado e jamais um agrotóxico chegou perto dali. “As hortaliças são as plantas mais delicadas, de ciclo mais rápido, requerem atenção próxima. É o plantio mais artesanal que há”, explica Paulo. Os cuidados começam às 23h e vão até as 17h, sempre com temperatura de 21°C a 23°C e umidade do ar a 70%. Se aparece um fungo ou inseto, isso é detectado imediatamente e o lote é descartado. “Embora não exista sazonalidade para esse tipo de cultivo, esse é um caso que pode gerar falta de um produto”, revela o mentor da Cubo.

Os “microgreens” (as sementes germinadas) da Cubo ficam em ponto ideal em uma semana, o espinafre europeu em uns 25 dias e a alface, em 40. O ciclo é mais rápido do que no cultivo tradicional e os pés são propositalmente menores do que aqueles encontrados pelas feiras da vida. Concentram mais gosto, são mais tenros e o melhor de tudo: nem precisam ser lavados!

Para facilitar o acesso, além da loja com oferta limitada de verduras vendidas sempre a R$ 10,50 (a quantidade varia de acordo com a folha), este mês a Cubo lançará um sistema de assinaturas. Por ora, há apenas 50 vagas, porém, com a abertura de uma estufa periurbana, em Franco da Rocha, a ideia é acolher as demandas, ter cultivo em solo para complementar a produção, receber visitações de escolas, promover workshops e experiências em torno do mundo das plantas.

Sobre tetos empresariais

Em 2012, quando sua startup de administração pública prestava serviços ao governo mineiro, Giuliano Bittencourt não tinha ideia de como se plantava um pé de alface. Mas, aos poucos, foi apresentado a plantios convencionais. Relacionou o assunto às hortas urbanas que apareciam pelo globo e botou na cabeça que teria a primeira fazenda desse tipo no Brasil.

Em 2017 inaugurava canteiros da Be Green Farm no topo do Boulevard Shopping, em Belo Horizonte. Hoje, há seis fazendas espalhadas pelas cidades de São Bernardo do Campo, Osasco, Campinas, Rio de Janeiro e Salvador, além de construções na capital paulista e em Goiânia e planos para a implementação de outras hortas até 2023, aumentando significativamente as mais de 10 toneladas de folhas colhidas ao mês.

“Nossas estufas hidropônicas e altamente tecnológicas são capazes de produzir 28 vezes mais do que o agricultor tradicional, com 90% menos de água, 99% a menos de desperdício e 100% a menos de agrotóxicos”, explica Giuliano. Maior rede de fazendas urbanas, sua BeGreen opera plantações em telhados até então inutilizados. Cada uma delas é dedicada a restaurantes para funcionários dos espaços em que estão instalados, sejam shopping centers ou a fábrica da Mercedes-Benz no ABC. A exceção é o prédio do iFood, em Osasco, que atende famílias cadastradas no Banco de Alimentos da cidade.

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Be Green: estufas hi-tech que produzem mais, com menos água.Foto: Divulgação

O excedente, por sua vez, é disponibilizado para assinantes dos Box BeGreen (P, M ou G, que vão de R$ 36,90 a R$ 55,90), entregues semanal ou quinzenalmente. Dentre as variedades encontradas, há sete tipos de alface (soft verde e roxa, mimosa verde e roxa, frisée verde, roxa e crocante), nove folhosos (folha de beterraba, rúcula, agrião, acelga colorida bok choi, couve mizuna, espinafre, mostarda oriental e mostarda lisa,) e oito temperos (manjericão roxo e basílico, coentro, cebolinha, orégano, salsa, tomilho e sálvia).

Dentro de casa

Brotos prontinhos para o consumo em dez dias. Esta é a proposta da Yes We Grow, uma greentech de hortas inteligentes. Por inteligente, entenda uma espécie de cachepot modernoso para até seis plantas (agrião, capuchinha, abóbora, maracujá, nirá, tomatinho-cereja são algumas delas) com iluminação automática e sistema autoirrigável com cerca de 20 dias de autonomia.

“É uma solução para quem quer plantar a própria comida dentro de casa, porque a pessoa precisa apenas colocar o mix de plantio, que substitui a terra e o adubo, e as sementes que acompanham o produto”, conta o fundador da greentech, Rafael Pelosini.

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Yes We Grow: kits com luz própria e auto-irrigáveis.Foto: Divulgação

Nesse método sagaz de agricultura urbana, o cultivador tem garantia sobre a procedência, o frescor e a isenção de agrotóxicos dos alimentos. De quebra, ganha em sabor e consciência ecológica. “Isso não tem preço. Eu já tinha me aventurado com algumas ervas medicinais em casa e ajudado em projetos de escolas e praças. Foram exatamente essas experiências que deixaram clara a necessidade de produtos mais modernos, que tornassem o cultivo mais simples, eficiente e divertido”, justifica Rafael.

A crença de que cidade e campo terão uma distância menor no protagonismo da produção de alimentos e de que esse tipo de iniciativa proporciona a tão desejada reconexão com a natureza integram a filosofia da marca, que permanece investindo em novas tecnologias. Atualmente, o kit completo custa R$ 359 e ocupa apenas 61 centímetros de comprimento por 8 centímetros de altura e 19 de largura. Uma horta para chamar de sua, que cabe na bancada da cozinha.

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