Brasil perde Ziraldo Alves Pinto

Criador de Flicts e do Menino Maluquinho morreu aos 91 anos, dormindo, no Rio de Janeiro.


ziraldo alves pinto
Ziraldo, na Bienal do Livro, em 2012. Foto: Getty Images



O Menino Maluquinho, Flicts, Chapeuzinho Amarelo e tantos outros personagens que povoaram a infância das crianças brasileiras se despediram hoje de seu criador. O escritor e desenhista Ziraldo Alves Pinto morreu na tarde deste sábado (6.04), aos 91 anos, em seu apartamento, no Rio de Janeiro. 

Nascido em Caratinga, Minas Gerais, em 24 de outubro de 1932, Ziraldo se formou em Direito, mas logo viu que seu verdadeiro dom estava no desenho. Ao longo de sua carreira, publicou histórias em quadrinhos e charges em publicações como A Cigarra, O Cruzeiro e Jornal do Brasil.

Fundou também seu próprio veículo: juntamente com colegas como Jaguar, Tarso de Castro e Carlos Magaldi, Ziraldo criou O Pasquim, publicação histórica que desafiava o regime militar com irreverência e entrevistas marcantes.

Mas foi com a literatura infantil que o mineiro virou uma das personalidades mais importantes da cultura brasileira contemporânea. Seu traço inconfundível e os textos curtos, de uma sensibilidade impressionante, embalaram a infância de milhões de pessoas, que mais tarde releram esses mesmos livros para os filhos. 

O Menino Maluquinho, de 1980, é seu lançamento de maior sucesso, mas a obra de Ziraldo é recheada de pequenas obras-primas. Flicts, de 1969, sobre uma cor “muito rara e muito triste”, é nada menos do que genial.

Ziraldo é irmão do pintor e também ilustrador Zélio Alves Pinto e teve três filhos com Vilma Gontijo: as cineastas Daniela Thomas e Fabrizia Pinto e o compositor Antonio Pinto. Em homenagem a Vilma, falecida em 2000, Ziraldo escreveu uma de suas obras mais comoventes, Menina Nina, de onde reproduzimos o trecho final, para acalentar os fãs que Ziraldo deixa.

Se muito além desse sono que vovó está dormindo não existe nada mais – como muita gente crê – não existe despertar, nem porto, destino ou luz; se tudo acabou de vez  – acabou, completamente – pode ter certeza, Nina, a vovó está em paz; não sabe nem saberá que está dormindo pra sempre.

Aí, você pode, Nina, ir dormir o seu soninho e sonhar um sonho bom, pois vovó não está sofrendo. Como não vai acordar – seja aqui do nosso lado, seja em outro lugar – ela está sonhando, Nina (como sonha, toda noite, quem dorme um sono profundo). E então, vovó vai ver sua netinha crescer nos sonhos de vocês duas. 

Pode parar de chorar.

Se, porém, depois desse sono imenso, Vovó Vivi despertar num outro mundo, feito de luz e de estrelas, veja, Nina, que barato!!! Que lindo virar um anjo. Que lindo voar no espaço!

E aí, se acreditamos que é desse jeito que as coisas acontecem, depois que a vida na Terra termina, pode ter certeza, Nina: vovó está vendo você.

E, então, quando você for dormir, dê um adeuzinho pra ela, mesmo que você não possa ver a vovó (é que o Céu é muito longe).

E, de lá onde ela está, vovó vai ver você crescer do jeito ela sonhava.

Portanto, não chore mais e vá dormir, minha querida.

Dos dois jeitos desse adeus é que a gente inventa a vida.

(trecho de Menina Nina – Duas razões para não chorar, de Ziraldo, editora Melhoramentos)

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