A ancestralidade, alfaiataria, patchwork, paixão e verdade da Meninos Rei

Com quase sete anos, a marca dos irmãos Céu e Júnior Rocha é responsável por algumas das imagens – e roupas – mais desejadas do momento.


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CONTEÚDO APRESENTADO POR SOU DE ALGODÃO

Em dezembro, os irmãos e estilistas Céu e Junior Rocha celebram os sete anos da marca que cofundaram em 2014, a Meninos Rei. Se você se interessa por moda, há grandes chances de já ter ouvido falar nela. Se não, as probabilidades de ter visto alguma peça da dupla são altas mesmo assim.

Apesar do pouco tempo de vida, a etiqueta conquistou uma lista de fãs bastante estrelados. No dia 13.07, para a estreia da temporada especial do programa Música Boa Ao Vivo, do Multishow, Ivete Sangalo usou um look exclusivo da grife. Gilberto Gil já disse que raramente consegue pensar em outro nome para vestir sua banda. Margareth Menezes, de quem Júnior é stylist, é outra fã de carteirinha. Some aí Carlinhos Brown, Paula Lima, MV Bill, Astrid Fontenelle, Nando Reis, Lulu Santos, Fernanda Paes Leme e Toni Garrido, só para citar alguns.

Na última edição da SPFW, o desfile que mais arrancou elogios da crítica e imprensa da moda foi o de estreia da Meninos Rei, como parte do projeto Sankofa. O motivo de tanto sucesso é uma combinação poderosa de imagem inspiradora, ancestralidade, paixão, roupa de qualidade e muita verdade.

Mas vamos do começo.

A moda sempre esteve presente na vida dos irmãos Rocha. Eles são os segundo e terceiro filhos de quatro. O pai era desenhista técnico, então a criatividade era algo muito incentivado em casa. “Na época das festas de São João, íamos comprar tecidos com nossa mãe e, quando chegávamos na costureira para fazer as roupas, já tínhamos desenhado exatamente o que queríamos”, relembra Júnior, hoje com 41 anos. “Na escola, em toda atividade artística, as professoras nos chamavam para ajudar”, conta Céu, 40, que acabou estudando moda na Unijorge.

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Junior, por sua vez, enveredou pelo varejo. Vendia, comprava de fornecedores e se realizava montando as vitrines. “Era a única maneira de ficar perto de tudo aquilo que gostava, das referências que via nas revistas e na televisão”, explica. “De vez em quando, dava para exercer minha criatividade, quando a cliente permitia ou na hora de pensar nos looks do manequins”, continua. Os contatos no meio lhe aproximaram de alguns artistas, os quais começaram a lhe contratar como stylist.

Com olhar afiado e bom entendimento sobre o próprio gosto e identidade, a dupla começou cedo a produzir as próprias roupas. Os looks eram frequentemente comentados e elogiados por amigos e colegas de trabalho. Até que, dada hora, Júnior percebeu que aquilo poderia ser algo maior.

“Chamei Céu e disse: vamos compartilhar isso com nossos amigos?”, relembra Júnior. O irmão aceitou imediatamente. Contudo, para o lançamento a dupla realizou uma boa análise de mercado. “Fizemos essa pesquisa de campo para entender quem seria esse consumidor e se existiria uma demanda para um produto tão diferenciado”, continua Céu.

O diferencial ao qual o estilista se refere é uma combinação bem peculiar entre tecidos originais de países africanos, estampas características de tais localidades e uma modelagem contemporânea, sofisticada e conectada aos desejos do momento. De início, as peças eram só masculinas, até por uma facilidade e proximidade com que os próprios criadores gostariam de usar. Com o tempo, porém, a diversidade de corpos interessados nelas derrubou qualquer divisão entre os gêneros na marca.

“Qualquer coisa que você se proponha a fazer, deve ser feita com verdade” fala Céu. “Nós somos negros, somos do candomblé e sempre reverenciamos nossa cultura. Moda é discurso político, é falar e celebrar quem você é, o seu lugar no mundo. Quando decidimos trabalhar com tecidos africanos, foi justamente para resgatar nossa ancestralidade. Sabemos a importância e simbologia desses materiais, mas gostamos de trabalhar com eles de maneiras não óbvias.”

Segundo o estilista, é comum encontrar tais tecidos, quase sempre de base de algodão, em batas e calças largas, com modelagem bem simples. “Fizemos diversos estudos com nossas costureiras para conseguir construções e formas mais elaboradas”, explica Céu. E não foi fácil. “É um material muito rígido e encorpado devido à goma. Muita gente acha que, por isso, são de baixa qualidade, mas pelo contrário, têm uma ótima durabilidade.”

Num primeiro momento, as estampas foram o principal chamariz da Meninos Rei. Após um show de Gilberto Gil com Nando Reis, em Salvador, Margareth Menezes levou Júnior a um jantar na casa do cantor baiano. “Quando cheguei, Gil me puxou de canto, virou para Nando e disse: ‘aqui o rapaz das camisas coloridas'”, conta.

A dupla, no entanto, sabia que a marca não podia ficar estagnada ou limitada a isso. Logo começaram a explorar a alfaiataria mais a fundo e experimentar com formas mais ousadas. Para dar vida nova às padronagens de cores intensas que o destacaram no mercado, veio uma ideia ainda mais complexa: o patchwork. Mas não aquele comum, com cara de retalhos, e, sim, um quase matemático.

Muito do que parece estampa nas roupas da grife, na verdade, é uma colagem de várias outras. “É um trabalho bem difícil, as linhas têm de se encontrar perfeitamente para dar sequência, e criar um desenho novo”, explica Céu.

Devido à pandemia de Covid-19, muitos dos fornecedores da Meninos Rei ficaram sem estoque. A importação também se complicou, ficou cara e demorada demais. Viajar para garimpar in loco, como feito anteriormente em Dakar e Cabo Verde, era literalmente impossível. Por sorte, uma tecelagem de Guiné-Bissau conheceu o trabalho da dupla, se apaixonou e se ofereceu para enviar alguns tecidos. A quantidade, porém, ainda é limitada, fazendo da técnica desenvolvida pelos irmãos ainda mais necessária.

Para a estreia na SPFW, a dupla decidiu homenagear o senhor das encruzilhadas, dos becos e vielas, das avenidas e sambódromos, o guardião dos portais e porteiras: Exú. É que no primeiro desfile da Meninos Rei, sete anos atrás, quando ainda só mostravam camisas e camisetas, o primeiro toque na trilha foi para o Orixá. Depois de tanto tempo, tanta conquista e tanta evolução, nada mais justo e respeitoso do que agradecer e reverenciar a abertura de um caminho que promete ser longo e de muito sucesso.

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