A importância das perucas na construção de identidade

Do Egito Antigo aos tapetes vermelhos, as perucas (ou laces) percorreram um longo caminho até virarem este acessório tão aclamado e representativo para milhares de mulheres negras.


Cardi B usando lace (perucas)
Foto: Getty Images



Apesar de nomes como Lil Kim, Nicki Minaj, Cardi B, Rihanna, Pabllo Vittar e, claro, Beyoncé as terem popularizado, o grande babado envolvendo as laces e perucas não começou dentro da indústria do pop atual. Estamos falando aqui de um acessório importantíssimo, milenar e com grande valor histórico.

Quando e onde nasceram as perucas?

De acordo com registros, as perucas são originárias do Antigo Egito que, em função do clima quente, eram utilizadas como importantes acessórios de proteção contra a ação solar diretamente no couro cabeludo.

Além disso, elas eram artigos sofisticados, tidos como uma mercadoria valiosa dentro do mercado de escambo, ao lado do ouro e do incenso. A utilização de uma peruca poderia determinar o status social e algumas pessoas chegavam a ser enterradas com suas perucas na expectativa de que, na vida após a morte, fossem vistas como pessoas ricas e bonitas.

Avançando alguns bons anos na história, chegamos ao nome de Christina Jenkins, mulher negra estadunidense, nascida em 1920 e formada em ciências pela Leland College. Ela teve uma importante contribuição histórica ao inventar o processo de tecelagem de cabelo, logo no final dos anos 1940.

Christina e seu companheiro, o pianista de jazz Herman “Duke” Jenkins (autor da música “Shake it”), abriram juntos o salão Christina’s HairWeeve Penthouse Salon no início dos anos 1950 e, em 1951, entraram com o pedido de patente para registrar essa técnica intitulada “HairWeev”, tendo obtido a autorização no ano seguinte.

Christine conquistou o mundo com esse feito e foi reconhecida em 2003 pela então congressista norte-americana Stephanie Tubbs Joenes pela sua “contribuição revolucionária“.

Laces: identidades e possibilidades

Para muitas pessoas, as laces (como são conhecidas as versões contemporâneas das perucas) viraram um acessório indispensável por serem utilizadas como ferramenta para construção de identidade, expressão artística e representação sobre quem elas são ou em quem podem se transformar.

“As mulheres usam as laces para fins variados, como para parar de fazer alisamentos com química no cabelo natural (o que muita das vezes dá alopecia) ou entrar na transição capilar, como foi o caso da Cardi B e da Brunna Gonçalves, esposa da Ludmilla“, conta a rapper Mc Taya, que é também criadora de conteúdo, graduada em Indumentária (Figurino) pela UFRJ e uma grande entusiasta do lifestyle, moda e comportamento da cultura hip-hop. “Há ainda a versatilidade e praticidade de poder mudar de cabelo quando quiser”.

Ver essa foto no Instagram

 

Uma publicação compartilhada por A PRETA PATRÍCIA (@mctaya) em 23 de Mai, 2020 às 4:40 PDT

Não há dúvidas de que as redes sociais, videoclipes, cinema e outros canais de mídia ajudaram a popularizar o item. Umas das artistas brasileiras adepta é Tássia Reis, que conta a sua experiência.

“Quando fiquei careca, entendi que eu era mais do que o meu cabelo, que ele era lindo, mas existia tanta pressão para que ele seguisse um padrão que, quando não tive, me senti livre. Prometi para mim que ninguém mais poderia me dizer como usá-lo, e acho que as perucas vêm sem esse peso para mim, é mais sobre um personagem que muda. Eu uso de acordo com o meu mood e ainda mantenho o meu cabelo saudável. Cada pessoa que decidir usar terá seus próprios motivos, os meus são esses”.

Tássia Reis com lace (peruca) alaranjada

Tássia Reis Reprodução @tassiareis_

Atenção à cadeia de produção

Mas é também importante refletir sobre a cadeia de produção e sobre a origem do cabelo que se é consumindo. Uma extensa reportagem de 2018 do veículo australiano ABC revelou que a maior parte dos cabelos comercializados dentro da indústria vem da Ásia, em especial da China, contando com inúmeros relatos de situações desumanas relacionados a exploração, assédio e baixa remuneração, além da falta de transparência.

Há uma estimativa de que o mercado global de perucas e extensões de cabelo alcance receitas de mais de US$ 10 bilhões até 2023. Neste cenário, é importante destacar marcas como a REMY NY, criada por Dan Choi. A empresa afirma prezar pela ética e pagamentos justos para suas fornecedoras. “Nossa cadeia começa com o abastecimento ético e o pagamento de salários altos para cabelos femininos, ao mesmo tempo que oferece oportunidades de trabalho”, descreve ele.

Afinal, qual é a diferença entre lace e peruca?

Muitas pessoas têm dúvidas sobre o que é lace e o que é peruca. Nós conversamos com a expert Amanda Coelho, conhecida como Diva Green, que explicou a definição e ainda deu diversas dicas de cuidados. “A peruca vem do antigo Egito, e era usada como signo de prestígio e proteção do couro cabeludo. Já as laces são versões contemporâneas das perucas confeccionadas em telas específicas imitando o couro cabeludo”, diz ela.

Ela ainda aponta que, de modo geral, as laces têm valores maiores, mas isso não é uma regra, e tudo depende do fio que é utilizado, da quantidade, comprimento e tonalidade. “Uma média de investimento para essas belezuras é de R$ 200 para peruca e R$ 400 para lace“, diz ela, que é também dona da empresa especializada em cabelos Orí Afrofuturo.

A ideia de sua marca é apresentar uma visão de afrofuturismo, uma estética cultural que combina elementos históricos, fantasias e sonhos por meio de um mergulho na arte africana, a fim de imaginar e criar uma experiência afrodiaspórica nova e melhor por meio da estética.

“A cada dia que passa, os materiais estão melhores e mais modernos, o mais comum hoje é a fibra futura, em que você pode fazer chapinha ou babyliss em uma temperatura mais baixa. Eu gosto muito das laces que são blend-hair que, reza a lenda, são misturadas com cabelo humano — de fato, o caimento é ótimo”, avalia Tássia Reis. “Tem também a lace de cabelo humano, que é um investimento alto, mas cuidando bem ela durará para sempre.”

Diva Green usando lace (peruca) em tons de lilás, rosa e azul

Diva Green Reprodução @adivagreen

Como cuidar da minha lace?

Diva Green compartilha cinco dicas abaixo:

Higienize utilizando produtos adequados para o tipo de cabelo da sua lace. As feitas com cabelos naturais possuem uma gama maior de produtos para lavagem. Já as com cabelos orgânicos são limitados, mas ainda assim há produtos específicos para auxiliar o processo.

Para desembaraçar, utilize creme para pentear e procure fazer o movimento mecha a mecha. Se o cabelo for cacheado ou frizado, inicie o processo com os dedos e, se sentir necessidade, use pente com dentes mais largos. No caso da lisa ou levemente ondulada, indico escovas com dentes mais finos e firmes. Use prancha caso ache necessário para dar acabamento.

Para guardar, você poderá usar uma cabeça de isopor, algum tipo de suporte ou colocá-la dentro de uma toca de seda ou cetim. Atenção: não guarde sua lace molhada pois pode embolar.

Conforme a lace for sendo usada, ela apresentará um aspecto mais crespo, neste momento experimente ousar um pouco mais. Uma franja ou um corte assimétrico ficam bem interessantes. Desapegue do comum!

Você também pode texturizar sua lace com bigudinhos, bobs, palito ou prancha e frisadores, mas é importante entender qual é o máximo de temperatura que ela resiste. Faça testes de mechas e arrase!

Ficou com vontade de ter uma? Tássia Reis indica as lojas @ori.afrofuturo, @wigbeans, @martinezperucas e a @websterwigs. Já Mc Taya indica, além da Wig Beans, a @tresscabelos, @it.wigs e @hairperucasbrasil.

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes