O cabelo raspado está ganhando uma releitura multicolorida

Uma miscelânea de tons vibrantes fazem a cabeça de quem quer ir além do descolorido na hora de ousar com o buzzcut.


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Ao que tudo indica, cores vibrantes, escritos grafitados, padronagens geométricas e rabiscos psicodélicos estão tomando o reino dos fios descoloridos que, por tanto tempo, foram a aposta certeira de quem tem os cabelos raspados e está com vontade de sair do básico. Nos últimos anos, a gente acompanhou uma forte movimentação de grandes coloristas capilares dizendo adeus ao platinado e mergulhando em uma miríade de cores em suas paletas. E o corte curtíssimo é que tornou-se o grande palco dessas explosões em technicolor.

“O cabelo é um suporte como qualquer outro”, argumenta o beauty artist brasileiro Dindi Hojah. “Há quem use uma tela, quem desenhe uma roupa, quem pinte um muro… Sempre podemos criar novas interfaces para dar vazão à criatividade.” Pioneiro no buzzcut multicolorido, ele começou a brincar com a técnica em 2015. Naquele momento, sobre os fios já descoloridos de um modelo, com um decalque, criou uma estampa de leopardo. Três anos depois, veríamos o rapper norte-americano Tyler, The Creator com o mesmo penteado no tapete vermelho do Grammy. Mas, antes disso, ainda em 2017, Dindi assinou a beleza de um desfile da Cotton Project na São Paulo Fashion Week. Ali, o artista soltou a mão de vez. Criou uma padronagem psicodélica que causou impacto na passarela. Aliás, foi exatamente essa técnica que roubou a atenção de Kanye West que, posteriormente, convidou o maquiador e cabeleireiro a assinar a beleza de seu Sunday Service, em Los Angeles.

O ato de raspar a cabeça, no entanto, não é novidade. O corte tem um histórico plural e repleto de diferentes simbologias, por vezes, até religiosas e ancestrais. Contudo, um sentido de privação de si parece permear a maior parte das interpretações desse penteado no decorrer dos séculos. Cabelos também são um marcador social e rejeitá-los, em algumas circunstâncias, pode escancarar a hierarquização de algumas relações de poder na sociedade.

Mais recentemente, mulheres que optaram pelos fios raspados foram consideradas disruptivas. Basta lembrar a história da cantora irlandesa Sinéad O’Connor. No começo de sua carreira nos anos 1980, seus produtores pediram para que ela vestisse minissaias e deixasse o cabelo longo. Pois a artista foi até o barbeiro mais próximo e, no ato, raspou seus cabelos que já eram curtos. “Eu fui criada de uma maneira com a qual tenho certeza que outras mulheres poderão se relacionar. Era perigoso ser mulher. Então, sempre tive certeza de que preciso me proteger. Ir contra o que os homens, em geral, consideram sensual, era uma estratégia”, disse em uma entrevista à lendária apresentadora de TV e empresária Oprah Winfrey.

Ainda no mundo da música, outra grande referência é a vocalista do grupo britânico Skunk Anansie, a Skin. No cinema, como não citar a norte-americana Demi Moore em G.I. Jane (1997)? Dirigido por Ridley Scott, o filme conta a história de uma personagem que se torna a primeira mulher a passar pelo treinamento de guerra da marinha estadunidense. Tudo isso contribuiu para que o corte ganhasse status de vanguardista.

Dindi, em contrapartida, faz um recorte importante. “Sozinho, o cabelo raspado não implica subversão imediatamente”, opina. Para ele, a escolha do corte de cabelo precisa vir acompanhada de uma atitude diferente, uma postura que, no conjunto da obra, dá essa leitura ao penteado. “Para quem passa na faculdade, por exemplo, raspar a cabeça, de repente, pode até ser um indicativo de classe. Algo que confere uma superioridade fajuta desse indivíduo frente aos outros.” De fato, as mulheres que adotaram o cabelo raspado há 40 ou 50 anos finalizavam o visual com uma calça jeans: elemento que também representava a aversão à subserviência. O maquiador, aliás, não ignora o choque que o raspado pode causar a olhares mais conservadores. “Era um pouco o que os punks faziam. Esses elementos causam sensações fortes porque estão relacionados com subculturas, com pessoas que transitam pelo mundo causando manifestações visuais que são controversas e incomuns.”

Além do arco-íris

Mas, hoje, não estamos falando apenas do aspecto severo que o look herdou da década de 70. Para entender, vem com a gente: pense no raspadinho da máquina 3, adicione o descolorante e vá além! Direto do Sul da Califórnia, a cabeleireira Janine Cortez Ker completa essa fórmula com desenhos de mariposas, rosas em estilo tatuagem, padronagens tie-dye e até uma estampa de Smiley com fundo fluorescente. O print de oncinha usado pelo cantor colombiano J Balvin na participação que ele fez no clipe da faixa “Haute” do rapper Tyga também leva a assinatura da expert. Em entrevista à ELLE Brasil, ela conta que começou aos 17 anos. “Só fui parar em uma escola de cosmetologia aos 31”, revela a autodidata que se orgulha de ter tido esse tempo pré-especialização formal para dar vazão a sua criatividade antes de entrar no lado mais técnico do universo capilar. A hairstylist, inclusive, também atribui a uma subcultura o valor simbólico do buzzcut. “Os cholos da minha vizinhança e família foram fundamentais nesse sentido. Eles são descendentes de mexicanos que moram nos Estados Unidos e seu estilo de vida foi considerado vulgar e agressivo por muito tempo”, explica. Assim, Janine aposta nesse cabelo como uma ferramenta para uma descoberta de si, ainda que estejamos em constante transformação.

“Pode não ser uma revolução, mas é uma evolução. Acho que estamos chegando perto do que a beleza, de fato, é: uma representação da nossa singularidade”, Janine Cortez Ker

O colorista Daniel Moon também californiano, concorda com sua conterrânea. Tal como ela, o fundador do salão Hair Los Angeles entende essa aposta do raspado multicolorido como uma tentativa de expressão da individualidade. É isso, pelo menos, que ele tenta fazer ao pintar as perucas da estrela pop Katy Perry ou a cabeça raspada do rapper Meechy Darko. Apesar de ter se especializado na tendência depois de ela ter se globalizado, sua técnica se diferencia: ele faz tudo à mão livre independentemente do comprimento dos fios a serem coloridos. Aliás, quando se fala de beleza, feminilidade e masculinidade, na sua opinião, são conceitos que perdem o seu contorno definitivo. “A natureza dos cabelos é mutável, e isso nos inspira a seguirmos nossos sonhos, a seguir criando. Não existe um tipo de beleza. Encontrar a beleza em cada pessoa é minha paixão”, escreveu em uma publicação de seu perfil no Instagram.

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“Acredito que o que vemos no mundo da beleza é sempre uma indicação do que está rolando mais embaixo, nas camadas mais profundas”, completa Janine. “Muitas pessoas vieram antes e abriram caminho para a gente conseguir fazer o que faz hoje. Visões tradicionais de beleza estão sendo quebradas”, diz antes de lembrar que, nos últimos anos, temos visto mulheres aceitando a antes temida monocelha entre outros desbravamentos anti-hegemônicos. “Existe um forte movimento genderless na moda, centenas de modelos de positividade corporal já têm milhões de seguidores nas redes sociais”, lista. Segundo a artista, o fato de as plataformas terem pluralizado o referencial de beleza da sociedade resultou em um momento de intensa valorização da individualidade. “Pode não ser uma revolução, mas é uma evolução. Acho que estamos chegando perto do que a beleza, de fato, é: uma representação da nossa singularidade”, arremata. E aí, já está com pincéis e tintas nas mãos?

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