Por onde anda o prazer feminino?
A convite de O Boticário, desmistificamos os tabus que envolvem a sexualidade da mulher através de uma análise histórica e social. Confira e saiba um pouco mais.
CONTEÚDO APRESENTADO POR O BOTICÁRIO
A sexualidade feminina é tão pulsante quanto a masculina. Se essa frase parece estranha para você, não é à toa. Por muitos séculos, a mulher perdeu o seu lugar enquanto ser sexual, enquanto os homens foram colocados no centro do prazer.
Enquanto eles gozam, nós somos escaladas para performar papéis impossíveis: a frígida, a santa, a prostituta – e, em todos eles, sempre julgadas. Já caminhamos um bocado, é verdade, mas basta olhar para trás para percebermos o quanto ainda temos a percorrer.
Uma saga densa e cheia de barreiras para a mulher e o seu prazer
A história é longa e violenta, com mais momentos baixos do que altos. O pior deles foi, provavelmente, a inquisição, movimento político e religioso que aconteceu entre os séculos XII e XVIII na Europa e nas Américas. Também conhecida como caça às bruxas, ela matou cerca de 100 mil pessoas em seu período de maior força, sendo a esmagadora maioria delas mulheres.
No livro Vagina, uma biografia (2012), a jornalista e pesquisadora Naomi Wolf traça o perfil dessas vítimas. Em tradução livre: “eram frequentemente aquelas que eram vistas como muito sexuais ou muito livres. E as formas de tortura eram sexuais”.
De acordo com a educadora sexual Clariana Leal, esse período foi marcado pela demonização literal do prazer feminino. “O livro Malleus Maleficarum, que funcionava como um manual inquisidor e ajudava a identificar ‘bruxas’, dizia, por exemplo, que mulheres que tinham o clitóris maior ou que o estimulavam precisavam morrer”, conta.
Aquelas que tinham conhecimento sobre reprodução e contracepção também eram alvos. Ainda que essa perseguição pareça muito distante em termos temporais, ela ainda aparece na sociedade contemporânea.
O prazer feminino era corrompido pela ignorância e crueldade
Nos anos 1850, por exemplo, um médico inglês chamado Isaac Baker Brown introduziu uma técnica que extirpava o clitóris de meninas consideradas “rebeldes” para que elas se tornassem mais obedientes. A mutilação genital feminina, motivada por questões religiosas, ainda é comum em regiões da África e do Oriente Médio.
“Tudo isso levou a mulher a se tornar menos humana perante a sociedade. E, se não somos humanas, também não sentimos prazer. Em toda a história recente, a gente nunca conseguiu ser inteira”, adiciona Clariana. Diante disso tudo, imaginar que poderiam existir pesquisas, estudos e debates acerca do prazer feminino parece uma completa loucura.
Em 1905, Sigmund Freud, criador da psicanálise, disse que o orgasmo obtido através do estímulo clitoriano mostrava a “imaturidade sexual” de uma mulher.
Foi só em 1953 que o biólogo estadunidense Alfred Kinsey descobriu que, na verdade, essa era a principal fonte de prazer. Aliás, a estrutura do clitóris só foi revelada em 1998 – veja bem, quase 20 anos depois de o homem chegar à Lua.
O prazer feminino nunca foi prioridade
Parece contraditório então, que, mesmo com a escassez de pesquisas sobre o corpo feminino, pareça tão fácil atrelar o nível de desejo sexual de uma pessoa ao seu sexo biológico.
Essa ideia, popularizada quase como senso comum, diz que o prazer não é prioridade feminina, enquanto homens são seres naturalmente mais sexuais – o que simplesmente não é verdade.
“Não existe nada biologicamente que separe nossos cérebros quando falamos de tesão. O que existe é uma castração social que afeta nossa cabeça e, portanto, nosso corpo. A maioria do que as pessoas consideram disfunções sexuais femininas, como a falta de libido, é causada por uma disfunção social, não física”, explica Clariana.
Nós herdamos uma história que não apenas impede que a gente tenha o direito de sentir prazer, como faz com que tenhamos medo dele.
“Existe uma repressão que nasce junto com os nossos corpos: somos filhas e netas de gerações de mulheres reprimidas. Mesmo que nunca tenhamos ouvido que não podemos nos tocar, por exemplo, é como se ficasse no ar que isso é algo proibido. Foi um trabalho muito bem arquitetado pelo patriarcado para que nós desconhecêssemos nossa própria potência”, comenta Clariana.
Isso explica porque, de acordo com um estudo das universidades Chapman, Claremont Graduate e Indiana University, nos Estados Unidos, 95% dos homens heterossexuais sempre conseguem chegar ao orgasmo durante relações sexuais, enquanto isso acontece para apenas 65% das mulheres.
Estudo realizado pela Hibou neste ano, revela que 79% das mulheres brasileiras já fingiram orgasmo.
“Existem mulheres que ainda acham que o orgasmo feminino é um mito. Boa parte de nós ainda não tem coragem de se tocar, de olhar para a própria vulva e experimentar. Não entendemos como nosso corpo funciona porque nossa saúde sexual nunca foi bem cuidada”, comenta Clariana.
De acordo com a educadora sexual, a responsabilidade disso recai também sobre a desinformação, mesmo com todo o acesso à internet e às redes sociais nos dias de hoje.
“Quando o assunto é disfunção sexual masculina, por exemplo, a gente vê inúmeras propagandas, inclusive na rádio e na TV aberta, sobre soluções para o problema. O falo precisa estar sempre duro. Quantas vezes você já viu algo similar para resolver questões do prazer feminino?”, questiona.
Felizmente, as últimas décadas trouxeram grandes evoluções nesses aspectos: o acesso livre aos métodos contraceptivos e a entrada dos vibradores e sex toys no mainstream são bons exemplos disso.
O prazer feminino tem, cada vez mais, deixado de ser um tabu, mas o percurso para o entendimento real de que o nosso prazer não é motivo de vergonha ou culpa ainda é longo. Aqui, damos mais um passo.
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