O que está por trás da volta da dieta do ovo
Por que as dietas da moda fazem tanto sucesso nas redes sociais e quais são os perigos que essas promessas escondem?
Mesmo que você não seja um dos 52 milhões de seguidores da influenciadora Virgínia Fonseca, é muito provável que já tenha sido impactado por alguma polêmica protagonizada por ela. A mais recente envolve o endosso de uma prática que não é exatamente novidade, mas que ganha novo fôlego graças aos números astronômicos alcançados pelas postagens da criadora de conteúdo sobre o assunto: a dieta do ovo.
Nas redes sociais, Virgínia compartilha imagens das suas refeições, que, no caso, se resumem ao consumo de 20 ovos cozidos por dia, sem as gemas. O objetivo, segundo a influenciadora, é a perda rápida de peso para recuperar o corpo que tinha antes de dar à luz seu terceiro filho, em setembro deste ano.
Depois dos posts, houve um verdadeiro boom nos conteúdos relacionados à dieta do ovo, especialmente no TikTok. Na rede social, ela virou uma espécie de “desafio”, reunindo usuários que dão dicas de como aderir à prática e compartilham imagens de seus “antes e depois”. Os vídeos que questionam o modelo alimentar também existem, mas são minoria, e nem de perto apresentam o mesmo engajamento.
Segundo as diretrizes do TikTok, “não é permitida a exibição ou promoção de comportamentos perigosos de perda de peso e alimentação desordenada ou a facilitação do comércio ou comercialização de produtos para perda de peso ou ganho de massa muscular”. O comunicado oficial informa ainda que conteúdos para o controle de peso potencialmente prejudiciais devem ser restritos para maiores de 18 anos e não exibidos na aba personalizada “Para você”. Na prática, contudo, a história é outra e dietas restritivas e “milagrosas” ganham cada vez mais força.
Afinal, o que é a dieta do ovo?
A dieta do ovo foi criada em 2010 por Jimmy Moore, um influenciador que ficou conhecido por escrever livros sobre nutrição – em 2023, foi sentenciado a 20 anos de prisão por pedofilia. Ele usou como base a dieta cetogênica, que consiste em reduzir a ingestão de carboidratos e aumentar o consumo de gorduras e proteínas. O objetivo é induzir o organismo ao estado de cetose, que gasta a gordura para ter energia, em vez dos carboidratos. A prática cetogênica divide opiniões entre nutricionistas, porque pode trazer riscos à saúde, como problemas renais e no fígado. A versão de Moore é ainda mais restritiva: além do ovo, só é permitida a ingestão de queijos, manteiga e óleo de coco.
Foto: Getty Images
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Millena Mendes, ex-nutricionista de Virgínia Fonseca, fez uma alerta para os riscos da dieta do ovo em seu perfil na rede social: “Existe uma falta de fibras, ferro, vitamina C e gorduras boas. Consumir só a clara do ovo agrava essas deficiências, já que a gema concentra vitaminas, minerais e gorduras essenciais. A popularização de dietas da moda pode incentivar práticas pouco saudáveis e gerar frustrações, dando a entender que somente ao seguir essa dieta é possível alcançar esse corpo específico, reforçando padrões de beleza muitas vezes inalcançáveis”.
O risco das dietas de internet
Mesmo com a chegada de remédios como o Ozempic e a popularização de procedimentos estéticos, a cultura das dietas não parece ter ido a lugar algum. Para a nutricionista comportamental Fernanda Imamura, especialista em transtornos alimentares, o apelo desse tipo de prática, que perdura com o tempo, está atrelado à busca por resultados cada vez mais imediatos. “Mudar o comportamento alimentar é um processo gradual e que exige olhar para várias questões da alimentação, enquanto fazer uma dieta como essa parece ser mais simples”, diz.
Fernanda aponta para uma questão ainda mais complexa por trás da falta de nutrientes: o desenvolvimento de transtornos alimentares. “A maioria das dietas restritivas não são equilibradas nutricionalmente, e podem gerar sintomas como cansaço, dor de cabeça, tontura, e indisposição. Em relação à saúde mental, elas podem prejudicar a relação com a comida, gerando culpa e medo ao se alimentar, além de pensamentos obsessivos em torno dos alimentos, comportamentos típicos de transtornos alimentares”.
A pandemia também intensificou o problema. “Estudos recentes mostram um aumento dos distúrbios alimentares, principalmente entre adolescentes do sexo feminino”, destaca a psiquiatra Ana Clara Floresi, supervisora do Ambulim (Programa de Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP). De acordo com uma pesquisa divulgada em 2023 pelo Departamento de Medicina da PUC-Rio, o crescimento dos casos de pessoas com anorexia nervosa e compulsão alimentar no período foi de 50% no país. Nos EUA, pesquisadores da Universidade de Harvard concluíram que o aumento foi de 87% entre pacientes com idades entre 12 e 17 anos.
Os transtornos alimentares são causados por uma combinação de fatores, mas não há como ignorar o impacto das redes sociais nesses dados. “O culto à magreza excessiva acomete a nossa sociedade há muitas décadas, mas nunca foi tão veiculado e distribuído como acontece atualmente por meio da internet. Sem dúvidas, a exposição desmedida à comparação com um padrão estético cheio de filtros, retoques e outros artifícios, tem contribuído para o adoecimento de muitas pessoas, especialmente as mais jovens”, completa Ana Clara.
Para a psicóloga Gabriele Menezes, co-fundadora do projeto Saúde Sem Gordofobia, que reúne profissionais de saúde e bem-estar não gordofóbicos do Brasil, muitos influenciadores se esquivam da responsabilidade por meio do discurso de que estão apenas compartilhando sua rotina, diminuindo sua potencial influência. “Essa dinâmica faz com que as pessoas acreditem em uma grande mentira sobre a forma de se alimentar, gerando uma comparação que afeta a autoestima e a autoimagem. Quem consome esse conteúdo, acaba se comparando a pessoas que, na verdade, fazem tratamentos estéticos, malham, e não apenas seguem uma dieta específica. Isso abre margem para um terrorismo alimentar, que sempre elege um novo vilão – já vimos o pão, o arroz e, daqui a pouco, até o ovo, agora endeusado, pode se tornar um próximo vilão.”
Ana Clara alerta que, frequentemente, os pacientes com transtornos alimentares ou de imagem não admitem ou nem mesmo reconhecem seu adoecimento – nesses casos, familiares devem auxiliar na procura e no engajamento para o tratamento necessário. Em algumas cidades do Brasil, existem centros e grupos especializados em transtornos alimentares. “A expectativa também é por maior regulação das redes sociais, com iniciativas que afastem os jovens da restrição de vivências reais e da rolagem infinita virtual, que impactam em sua saúde mental, autoestima, autoimagem, interação social, aprendizagem, entre outros”, diz.
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