Mitos e verdades sobre a tal da caneta para emagrecer
Com o nome comercial de Ozempic, a medicação, usada no tratamento de diabetes do tipo 2, foi liberada para o emagrecimento e se tornou hit nas redes sociais como "caneta para emagrecer". Investigamos os riscos e as benesses por trás do frisson.
Se você buscar no YouTube os termos “caneta para emagrecer” ou “ozempic”, surge não apenas uma, mas duas, três páginas de vídeos de pessoas mostrando o “antes e depois” de usar o medicamento, dizendo como foi a posologia, como aplicar a medicação e suas experiências com o tratamento. São pouquíssimos os vídeos de médicos explicando o que é, as indicações e efeitos colaterais do uso de Ozempic.
No Instagram, os resultados são semelhantes. Há, inclusive, perfis especializados em mostrar antes e depois de pessoas que fizeram o tratamento com a tal da caneta para emagrecer, além de páginas que mostram a jornada completa de uma paciente em tratamento. E há comentários sobre como se compra, quanto se aplica, por quanto tempo se usa.
No Google Trends, as buscas por “ozempic” estão em ascensão desde janeiro de 2022, com pico na primeira semana de 2023 – logo depois das refeições fartas das festas de fim de ano. Enfim, o medicamento é assunto quente nas redes sociais.
A semaglutida, fármaco por trás do nome comercial Ozempic, foi desenvolvido, inicialmente, para o tratamento de diabetes do tipo 2. Porém não é novidade que esse tipo de remédio pode ajudar a emagrecer. “Nos nossos trabalhos com diabéticos, a gente sabia que tinha o efeito de perda de peso”, diz Eduardo Rauen, médico nutrólogo, parte do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein e cofundador da healthtech Liti.
Assim, médicos começaram a receitar drogas anteriores à semaglutida, como a liraglutida, para auxiliar o emagrecimento. Era uma forma segura de usar o medicamento, mas não era o objetivo inicial dele. “Ela foi a primeira a ser estudada tanto para o tratamento da diabetes como para perda de peso.”
Segundo Rauen, a droga age no núcleo arqueado do hipotálamo, o que provoca uma maior sensação de saciedade. “Inibe o apetite e também tem o efeito de diminuição do esvaziamento gástrico. O estômago fica mais lento, então é uma ação mecânica em que o seu estômago permanece cheio”, explica o especialista.
O Ozempic foi liberado como antidiabético em 2018. Nos testes, percebeu-se que uma dose maior do fármaco seria mais efetivo para o combate à obesidade. E, no fim de 2022, o medicamento foi aprovado pela Anvisa para auxiliar no emagrecimento. Muita gente comemorou.
Top de vendas
A população brasileira estava ávida por algo que o ajudasse a ter o corpo em dia para o Carnaval. Principalmente após o confinamento por conta da Covid-19. Uma pesquisa do Instituto Ipsos deu conta que o Brasil é o país em que as pessoas mais acreditam terem engordado na pandemia: 52% dos entrevistados brasileiros responderam que ficaram mais pesados, enquanto a média global foi de 31%.
Entre abril de 2020 e abril de 2021, um medicamento que contém a liraglutida (prima mais velha da semaglutida) foi o segundo mais comercializado nas farmácias brasileiras. Assim, não foi estranho que, quando a semaglutida foi lançada, ela tenha ido do 42ª posição no ranking de mais vendidos para a 6ª muito rapidamente, de acordo com levantamento da consultoria IQVIA.
“O que tenho visto muito são pacientes que usam e tem efeitos adversos muito importantes, como a náusea, indisposição, e deixa de ter iniciativa para hábitos saudáveis”, Malu de Falco, psiquiatra
Além de Ozempic, a semaglutida pode, na farmácia, ter o nome de Wegovy e Rybelsus. Como é um medicamento principalmente indicado para diabetes do tipo 2, eles podem ser comprados sem receita, ali no balcão do estabelecimento. Apesar do fácil acesso, muita gente se assusta quando descobre que a medicação é aplicada por uma injeção em forma de caneta.
A liraglutida precisa ser usada todos os dias, a semaglutida ficou mais popular por ser aplicada apenas apenas uma vez por semana. Outra característica que causa pavor é o preço: uma caneta de Ozempic, com 5 aplicações, custa, atualmente, por volta de R$ 1 mil. Boa parte de um salário mínimo.
Um bom aliado
Eduardo Rauen garante que a tal da caneta para emagrecer é perfeitamente segura para o tratamento de diabetes e para auxiliar no emagrecimento – não há dúvidas disso. Isso se for usado adequadamente, com acompanhamento médico.
O paciente ideal do Ozempic é a pessoa com obesidade, IMC acima do 30 ou com IMC 27 mas com alguma alteração, como síndrome metabólica ou resistência insulínica. “As contraindicações são pacientes com alguma alergia aos componentes, pacientes com tumor medular de tireóide ou com histórico de pancreatite, porque a medicação aumenta a incidência de enzimas pancreáticas”, complementa o nutrólogo. Os efeitos colaterais, por sua vez, incluem náuseas, diarreia, apatia e cansaço.
A parte mais importante do tratamento, segundo Rauen, é a mudança no estilo de vida. “Tem que fazer exercício físico ou dieta, porque se a pessoa continua comendo errado, não tem o benefício da mudança de comportamento”, continua Rauen.
Vanessa*, publicitária, 43, de São Paulo (SP), ganhou bastante peso por conta da pandemia e problemas como burnout, crise de ansiedade e depressão. “Sofri pressão profissional para emagrecer, assim como familiar”. Antes do tratamento com a caneta para emagrecer, tentou fazer uma dieta bastante restritiva, mas acabou parando no hospital por desnutrição. “Eu me vi desenvolvendo uma doença alimentar, tipo bulimia ou anorexia, cheguei a pesquisar no Google como ficar sem comer”, diz a paciente. Há três meses, ela começou a usar semaglutida. Perdeu 6kg.
Apesar de ter tido poucos efeitos colaterais, a publicitária diz que nunca tomaria o medicamento sem acompanhamento médico. “Por medo de errar e desenvolver algum problema pior. Mas penso nisso por conta da minha maturidade. Temo, no entanto, pelas pessoas mais jovens e com menos vivência, malícia e auto-estima”.
LEIA MAIS: Depois da febre do Ozempic, Mounjaro é aprovado no Brasil: entenda os riscos do uso desmedido
Caneta para emagrecer = poção mágica?
Em um episódio de “Emily in Paris”, série da Netflix, Sylvie (Philippine Leroy-Beaulieu) comenta que as francesas têm uma “poção mágica” para emagrecer: basta ferver um alho-poró na água e beber o caldo. Só isso. Nenhuma dieta – mas também nenhum outro alimento dentro do estômago.
Esta é apenas uma versão das onipresentes dietas milagrosas. A dieta da abóbora, a do copo d’água, a da sopa. Uma colega, que foi estagiária em uma revista fitness popular, me contou que tinha que inventar uma dieta nova a cada edição. A tal da caneta para emagrecer não pode ser vista como a solução mágica da vez. É isso que preocupa Malu de Falco, psiquiatra especializada no tratamento de transtornos alimentares.
“Todo transtorno alimentar começa com uma dieta. O Ozempic está sendo usado como um controle de dieta. Tudo o que representa um gerenciamento do que se come e, ainda por cima, traz emagrecimento rápido, pode sair do controle”, diz a especialista.
Bastante presente nas redes sociais, ela percebe que há quem fale do medicamento de maneira irresponsável, por mais seguro que ele seja para o auxílio em emagrecimento. “O que tenho visto muito são pacientes que usam e tem efeitos adversos muito importantes, como a náusea, indisposição, e deixa de ter iniciativa para hábitos saudáveis”, diz a especialista.
Isso pode engatilhar transtornos alimentares e de imagem. “A pessoa fica cada vez mais magra, mas sem consistência, sem bem-estar, então pode ficar dependente dessa imagem magra. Será que um dia ela vai desmamar do Ozempic?”
O medicamento não é viciante, mas, de acordo com Malu de Falco, as pessoas podem acabar “viciadas” nos efeitos do fármaco. “Ela vai depender sempre dessa fórmula mágica. Ninguém consegue um resultado dietético tão rápido sem o Ozempic, mas ele não vai se sustentar se não for bem indicado.”
A médica diz que o primeiro alerta vem quando uma pessoa não-obesa usa o medicamento apenas para emagrecer “alguns quilinhos”. “Ela faz o uso para atender um padrão estético, não para obter um estilo de vida saudável. A perda de peso vem dos hábitos saudáveis, uma saúde global.”
Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes