Banda Tuyo reflete sobre as dores da vida adulta em segundo álbum

Chegamos sozinhos em casa ganha as plataformas de streaming após apresentação do trio ser elogiada pelo The New York Times.


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Como a gente sabe que cresceu? Tem a ver com casar, ter filhos, um apartamento, pagar o aluguel? Na última quinta-feira (27.05), a banda Tuyo lançou nas plataformas de streaming o álbum Chegamos sozinhos em casa, às voltas com questionamentos sobre a vida adulta e mergulhando no universo íntimo do trio, formado por Jean Machado, 29 anos, e as irmãs Lio, 34, e Lay Soares, 27. Com o segundo disco de estúdio, trazem na bagagem elogios de Iza, Emicida e do jornal The New York Times, que apontou a apresentação da banda como um dos destaques da edição deste ano do festival estadunidense SXSW, em versão online.

“A ideia era que esse disco fosse um retrato de uma etapa da nossa vida. A gente sempre optou por se revelar na canção, o nosso mote lírico somos nós. Então, queríamos que fosse um retrato fiel da gente ‘adultecendo’, entendendo o limite”, conta Lio. “Não vejo ‘adultecer’ como subir degraus. Tipo: vou sair de um lugar e só posso ir para cima. Sinto que é sobre entender o que ou não mudou, o que você quer e não quer mudar. As roupas que usava na minha adolescência, algumas ainda gosto”, diz Lay. “Às vezes, me olho no espelho e me sinto uma pessoa de 15 anos, mas assinei um contrato de aluguel, tenho que ficar olhando a validade das comidas para não vencer, umas coisas que minha mãe fazia para mim quando eu era pequena. É isso, agora sou eu por mim. Acho massa a beleza de entender seus movimentos”, complementa.


Tuyo – O Jeito É Ir Embora (SXSW Online 2021)

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Enquanto o primeiro álbum trazia um sentido de “oficializar” o início da carreira, neste segundo, avalia Lio, é possível olhar para o cenário de outra forma. “No primeiro disco você peita o mundo, né? Fala, ‘bom, tenho uma banda, sou do Brasil, sou preta, nascida no Sul e tive a genial ideia de acreditar na empreitada de fazer da carreira artística a minha trajetória’. É difícil se convencer de que você não é um grande adolescente mesmo do alto dos seus 30”, diz ela. “Acredito que talvez o segundo disco seja um diagnóstico mais realista do que significa ser adulto. A gente estava tendo essas discussões durante o processo de gravação, sobre como os rituais que denunciam que uma pessoa ficou adulta mudaram. Não me sinto mais obrigada a ter um filho, comprar um carro, me casar, ter um apartamento. A vida adulta é um boleto no seu nome. A gente fica nessas oscilações de se enxergar essa sensação.”

“Não me sinto mais obrigada a ter um filho, comprar um carro, me casar, ter um apartamento. A vida adulta é um boleto no seu nome.” Lio

Até então, a banda nascida em Curitiba em 2016 dividia a mesma casa. Chegamos sozinhos… é também sobre a experiência de terem optado por buscar cada um o seu lar. Hoje, Lio vive em São Paulo. Lay e Machado seguem na capital paranaense. “A gente é esses três, sempre juntos, muito amigos. Foi um estudo de caso, uma coisa antropológica entender onde começa um e termina o outro. A gente tocava junto, trabalhava junto, vivia junto e decidiu ‘cada um vai para um canto’. E a ideia era que a gente retratasse desenhos da nossa solidão”, diz Lio.

A sonoridade também foi influenciada pela nova dinâmica geográfica. O DNA da Tuyo está ali: os violões, os sintetizadores e as letras densas que vêm à tona com delicadeza. No entanto, reflete Machado, sem a necessidade de se provar. “Às vezes, no primeiro lançamento existe uma preocupação estética. Eu estava pensando isso nesta semana com as meninas, que a gente não está tentando se provar muito na estética e no estilo do som… Acho que esse ‘adultecer’, esse amadurecimento também é isso. Poderia ficar falando aqui sobre que estilo de música a gente está fazendo, qual a poesia, mas não, a gente só quer continuar o nosso trampo. Tipo: amanhã eu posso fazer um disco folk, depois de amanhã faço um eletrônico e está tudo bem, porque eu sei quem eu sou também, quem ouvir também vai entender”, diz ele. Lay concorda: “Quando a gente morava junto, a gente escrevia sozinho. Agora que a gente mora separado, a gente escreve muito mais junto. Hoje, sinto que a gente faz muito mais parte do processo, tem a liberdade de interferir na letra, na lírica um do outro”.


Tuyo – Vitória Vila Velha | CSEC Vol. 1

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Embora a ideia de estar sozinho em casa soe conectada com os novos tempos, o disco já estava pronto desde antes do início da quarentena. Entre as nove faixas deste primeiro volume – o segundo deve sair até o fim do ano –, há participações de Jaloo em “Pra curar”, Jonathan Ferr em “Toda vez que eu chego em casa, Luccas Carlos em “Sonho da Lay” e Lucas Silveira, em “Pronta pra cair”. A apresentação no SXSW também está disponível no YouTube desde a última quinta.

Virginianos

Enquanto nas letras mergulham em reflexões sobre as dores da vida adulta, em conversa com a ELLE, entre risos, relembram os primeiros passos musicais em Curitiba. Lay e Lio vindas de Londrina, Machado, de Vila Velha (ES). “A gente tocava na igreja, ia nos cultinhos. Adolescentes, três amigos. Fomos para Curitiba estudar. Aí, saímos de perto do pai e da mãe, a gente queria fazer uma banda, tocar na noite, não tinha ninguém para impedir, não tinha mais igreja pra ir. A paz que era [risos]. A gente passou a escrever, fazer nossas músicas”, lembra Lio.

Montaram uma primeira banda e já certos de que era o que queriam fazer, depararam-se com a realidade: era difícil viver de música. Dissolveram o grupo e, nesse meio tempo, que incluiu uma participação das irmãs no reality show The Voice Brasil, Machado e Lay resolveram colocar algumas músicas que ela já tinha prontas no Spotify. “Falei para ela: ‘Vamos chamar de quê?’, ‘Ah, tô com um nome aqui, vamos chamar de Tuyo?’. Achei lindo. Falei pra Lio, e ela: ‘Vou participar também'”, lembra Machado. “Pelo tesão de organizar online um disco. A banda mais virginiana do Brasil. A gente não queria tocar, não queria fazer show, a gente queria organizar [risos]. É verdade, a gente não tinha nenhuma expectativa”, conta Lio. Receber um elogio no The New York Times, então, não estava nem nos sonhos mais distantes. “Pra mim, o ápice é tipo ‘será que um dia vou aparecer no programa da Fátima [Encontro com Fátima Bernardes, da Globo]?'”, brinca Lay.

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Foto: Divulgação/Juh Almeida

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