Björk celebra suas raízes em “Fossora”

Em seu décimo álbum, cantora islandesa se reconecta com o lugar de onde partiu aos 16 anos para conquistar o mundo.


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Quando Björk foi eleita uma das 100 personalidades do mundo pela revista Time, em 2015, quem escreveu sobre a cantora islandesa na revista foi Marina Abramović. As duas são amigas. No texto, a artista performática sérvia lembrou de um episódio ocorrido cinco anos antes: uma mensagem recebida de Björk celebrando o nascimento de um vulcão na Islândia, seu país natal.

“Por todo o mundo, aviões não podiam decolar porque ninguém podia voar sobre a Islândia. Todo mundo temia a natureza, mas Björk estava a idolatrando porque ela precisa dela para respirar, como uma alta sacerdotisa islandesa”, escreveu Abramović.

Para os islandeses, a natureza está sempre bem perto. É um país de cidades pequenas e paisagens majestosas, que incluem geleiras, montanhas e fiordes. “Bem agora (durante a entrevista) estou do lado de fora da minha casa e literalmente caminhando na praia. É muito espaço!”, explicou Björk ao site The Creative Independent, em 2016.

Recorrente como tema na obra da cantora, a natureza está em evidência também em Fossora, o décimo álbum de estúdio da islandesa, lançado nesta sexta-feira (30.09). Em imagens e letras, aparecem referências à terra, à biologia, a plantas e a cogumelos. “Cidades-fungo subterrâneas/ Caminhamos pelo chão da floresta/ Mistério afundado/ Troncos explodindo através do limo”, canta ela em “Fungal cities”, presente no disco.


björk : atopos

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Foi em 2020 que Björk decidiu voltar a viver em seu país nativo depois de anos morando em Nova York. Em entrevista ao site estadunidense Pitchfork, ela citou a violência como um dos motivos, em especial, evitar que sua filha adolescente corresse riscos na metrópole. A Islândia, onde uma população equivalente à Vitória (ES), 366.425 habitantes, vive em uma área pouco maior que Pernambuco, é um país com índices pífios de assassinato ou violência.

“Quando estamos aqui, absorvo a Islândia como um todo. Se uma pessoa é morta no norte, todos ficamos machucados. É uma mentalidade de ilha. Nos Estados Unidos, como eu era uma simples ilhoa, toda a violência era demais para mim”, ponderou ao Pitchfork.

Segundo contou ao jornal britânico The Guardian, durante a pandemia, a artista realizou pequenas festas com seu grupo de amigos que terminavam em bebedeira ao som de gabber, o techno hiper-veloz que se originou na Holanda nos anos 1990. Não à toa, Björk recrutou um expoente do estilo, o indonésio Gabber Modus Operandi, para trabalhar em três faixas do disco.

A parceria com músicos eletrônicos de ponta segue uma tradição björkiana, como ela já fez no passado com Mark Bell, do grupo LFO, em Homogenic (1997), a dupla 16Bit em Biophilia (2011) e a venezuelana Arca em Vulnicura (2015). As conexões dão forma ao encontro entre natureza e tecnologia que tanto fascina Björk desde sempre.

“Para mim, natureza e tecnologia representam esperança e um movimento em direção ao futuro”, afirmou a cantora The Creative Independent. “Acho também que é algum tipo de instinto. Para haver esperança, precisamos unir tecnologia e natureza.”


björk : ovule

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Sem refrão ou melodia

Perto de celebrar 30 anos de carreira solo, desde que lançou seu álbum de estreia Debut, em 1993, Björk pode se orgulhar de manter uma das carreiras mais peculiares da música pop. Apesar da ausência de hits de maior projeção e da aposta constante em formas musicais experimentais, a cantora segue gerando interesse na mídia e engajamento de fãs em todo o mundo.

O clipe de “Atopos”, uma das primeiras faixas do novo trabalho divulgadas, já beirava os 1,6 milhão de visualizações no YouTube. Já o vídeo de “Ovule” tinha ultrapassado as 760 mil execuções na plataforma em duas semanas. Ambas as músicas tem uma qualidade abstracionista, dispensando âncoras tradicionais da canção como refrão ou melodia. Björk parece declamar mais do que cantar.

“Atopos”, que casa citações do escritor e crítico literário francês Roland Barthes com uma densa batida de reggaeton, é um bom exemplo da complexidade de referências que o “Björk verso” é capaz de trazer. Muito diferente no astral, a delicada e matinal “Allow”, com participação da cantora norueguesa Emilie Nicolas, conduz o ouvinte para um lugar de leveza.

Em “Ovule”, que concilia batidas crispadas com metais solenes, a artista canta sobre óvulos e um “vão cor de sangue” que “carrega nossos eus digitais”, mais uma vez criando um link entre natureza e tecnologia, para, em última instância, exaltar o amor. Amor esse que ela aprendeu a não idealizar, conforme canta, graças a “divórcios demoníacos mortais” (os pais de Björk se separaram quando ela ainda era criança).


björk : ancestress

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Apesar de conter uma música-réquim (“Ancestress”) para sua mãe, que morreu em 2018, a cantora considera que este não é um trabalho focado no sofrimento, mas sim na felicidade. Fossora é uma celebração das raízes islandesas de Björk, uma reconexão com o lugar de onde partiu aos 16 anos para conquistar o mundo.

O nome do disco significa “escavador” em latim, o que sinaliza claramente a intenção de explorar raízes, naturais ou metafóricas. A cantora também definiu o trabalho como um “álbum da Islândia”. Uma das faixas é uma canção folclórica islandesa, “Fagurt Er í Fjörðum”.

Essa imersão na própria terra foi possibilitada pelo período de isolamento social, quando a cantora viveu entre as festas com uma pequena e animada bolha de amigos e excursões pelas paisagens do pequeno país banhado pelos oceanos Atlântico e Ártico.

Era uma maneira de extravasar a energia acumulada durante dias de confinamento. A Islândia acabou sendo pouco afetada pela covid-19, graças às restrições das autoridades. “Por favor, não faça isso parecer como se eu estivesse me gabando, porque nós sentimos muito por vocês, mas na verdade nossa vida não mudou muito”, afirmou ao Guardian.

Aos 56 anos, Björk parece satisfeita em ter trocado a vida cosmopolita pela província de sua infância. “Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande”, escreveu uma vez Manoel de Barros. Não sabemos se a cantora conhece o poeta matogrossense, mas pode-se apostar que ela concordaria com ele.

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