Documentário relembra Anthony Bourdain, três anos após sua morte

Enquanto Roadrunner não estreia no Brasil, repassamos cinco fatos sobre o chef, astro de televisão e viajante incansável.


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Foto: Getty Images



No dia 8 de junho de 2018, a notícia do suicídio de Anthony Bourdain, aos 61 anos, provocou uma comoção nas redes sociais. Chef, escritor e apresentador de TV, ele era amado por uma legião de fãs, que acompanhavam suas andanças mundo afora em programas de TV. Em vez de priorizar os pratos da alta gastronomia, Bourdain – um bad boy com olhar humanista – preferiu conhecer a história das pessoas que estavam por trás de comida autêntica, livre de modismos.

Um ano depois da morte do chef, Morgan Neville (vencedor do Oscar de melhor documentário por A um passo do estrelato), começou a conversar com pessoas próximas a ele. O resultado é Roadrunner, documentário que chegou nesta sexta-feira, 16.07, aos cinemas dos Estados Unidos e ficará depois disponível no streaming pela HBO Max (ainda não tem previsão de estreia no Brasil). O título do documentário toma emprestado uma das músicas preferidas de Bourdain: lançada nos anos 70, “Roadrunner” foi sucesso da banda The modern lovers. É também um hino “on the road”, como o chef passou parte da vida.


O diretor ouviu a família de Bourdain, amigos como o chef David Chang e a roqueira Alison Mosshart, além de integrantes da equipe de TV que o acompanhavam em suas viagens. Neville também assistiu a mais de 60 horas de material inédito, além de todos os programas protagonizados pelo chef. Antes de desembarcar na CNN com o seu programa Parts unknown (2013-2018), Bourdain foi a estrela de The layover (2011-2013), No reservations (2011, ambos no Travel channel) e A cook’s tour (2002-2003, na Food network).

Além dos depoimentos, Roadrunner é conduzido pela voz do chef, a mesma narração única de seus programas de TV. Ao menos em três momentos, nem tudo o que se ouve é de fato a voz de Bourdain. Em entrevista à New Yorker, Neville admitiu que a voz do apresentador foi recriada a partir de um software de inteligência artificial (o que pode ser ouvida no 1’30 do trailer do documentário, acima), um recurso empregado em deepfakes.

Neville não chegou a conhecer Bourdain pessoalmente. Mas, para o diretor, o chef era alguém que se movia de um lugar a outro, sempre com a esperança de que, na próxima parada, houvesse algo para fazê-lo feliz. A figura confiante que se via na TV não era a mesma da vida real, disse o diretor à New Yorker. Era como se o apresentador tivesse interpretado o papel dele mesmo, mas sofrendo sempre do que classificou como “síndrome do impostor”. No documentário, a ex-mulher do chef Ottavia Busia, mãe de sua única filha, Ariane, menciona que ele tinha começado a fazer terapia pouco antes de morrer.

Bourdain se orgulhava de ter se sentado à mesa com anônimos e grandes líderes políticos, como Barack Obama, com quem bebeu cerveja e comeu macarrão de arroz em um restaurante simples de Hanói (Vietnã). O chef não se considerava jornalista nem um entrevistador treinado, mas sabia que qualquer conversa ficava mais saborosa ao se dividir uma refeição.

Veja a seguir cinco fatos sobre Bourdain que ajudam a compreender melhor o chef:

Drogas e rock’n roll: Bourdain nasceu em 25 de junho de 1956, em Nova York, e cresceu em Leonia, New Jersey. O pai era executivo de uma gravadora e a mãe trabalhou como redatora do The New York Times. Ele sempre se definiu como um típico garoto de subúrbio que tentou escapar do tédio da vida suburbana. Primeiro, pela música. Era frequentador do lendário CBGB e fã da cena punk de Nova York. Depois, pelas drogas. Bourdain nunca escondeu que usou e abusou de cocaína e heroína. Parou algumas vezes, teve recaídas, lutou contra o vício sem nunca ter se internado em uma clínica de reabilitação. Isso fez com que o chef se sentisse mais próximo de alguns de seus ídolos. Um deles era Iggy Pop. O filme resgata o encontro entre os dois, que aconteceu durante a gravação de Parts unknown.



Segredos da cozinha: Bourdain não se consolidou como chef celebridade nas mais de duas décadas que trabalhou em restaurantes de Nova York. A fama começou em 1999, a partir de um ensaio que escreveu para a New Yorker com o sugestivo título “Não coma antes de ler isso”. No texto, ele descreve a barra pesada da cozinha profissional: “gastronomia é a ciência da dor”. Em suas palavras, cozinheiros são como equipes de submarino: os dois grupos passam longas horas confinados em espaços com pouco ar e submetidos à tirania de um líder. E a função de chef lembra a de um controlador de vôo que, constantemente, lida com a iminência de um desastre. O ensaio se tornou a base de Cozinha confidencial (2000), que vendeu mais de 1 milhão de cópias. No livro, Bourdain entrega sem dó nem piedade os segredos de uma cozinha de restaurante. Alguns bem perturbadores, como o de que os caríssimos brunches de domingo são feitos de sobras, que nunca se deve pedir peixe às segundas, porque não está fresco e que nos pedidos de carne bem passada, os chefs usam os piores cortes. Mais tarde, o livro foi adaptado como série de TV pela Fox, Kitchen confidential (2005-06), com o ator Bradley Cooper no papel de Jack (e não Anthony) Bourdain. Já a carreira na televisão do chef começou logo após o lançamento do livro, quando ele passou a apresentar A cook’s tour (2002-03).

Turista nada acidental: curiosamente, Bourdain tinha saído pouco dos Estados Unidos até se tornar o guia de viagem preferido de milhões de espectadores. Ele conta que, aos 10 anos, quando visitou a França pela primeira vez com sua família, se encantou pela comida. Sem hambúrgueres, panquecas e outros pratos típicos estadunidenses, teve que experimentar outras comidas. Chegou a descrever a sensação de comer ostras pela primeira vez como algo quase espiritual. A comida o levou a conhecer mais de 80 países. Muitos lugares eram completamente desconhecidos para o público que o assistia e foram colocados no mapa graças ao olhar único do chef. Mas o ofício de viajante também cobrava seu preço. Bourdain chegava a ficar até dez meses do ano na estrada, longe de família e amigos.

 

O fator Asia: amigos contam no documentário que Bourdain era intenso em tudo o que fazia. Em seu último relacionamento, com a atriz e diretora Asia Argento, não foi diferente. Bourdain levou a namorada para dirigir o episódio de Hong Kong de Parts unknown, depois que o diretor do programa teve que fazer uma cirurgia de emergência. A passagem de Argento pela direção causou atritos na equipe, segundo reportagem da Vice. Bourdain demitiu um diretor de fotografia, que trabalhava há tempos com ele, porque discordou da namorada do apresentador. Três dias antes do suicídio, Asia foi flagrada por um tabloide italiano beijando e abraçando outro homem. À New York Magazine, o diretor do documentário disse acreditar que Bourdain estava com dificuldade de lidar com a opinião pública. Pouco depois da morte, Argento quebrou o silêncio: assumiu que tinha traído o namorado, mas que não acreditava ser a causa da morte dele. A atriz não foi convidada a participar do novo documentário. À Variety, o diretor de Roadrunner disse que ela não iria contribuir muito porque, em toda entrevista, a atriz repete sempre a mesma coisa ao se referir ao ex-companheiro, sem acrescentar nada novo.


A última refeição
: se Bourdain tivesse que escolher uma última refeição, ela seria feita no Sukiyabashi Jiro, um minúsculo restaurante de sushi, localizado no subsolo de Tóquio e comandando por Jiro Ono, considerado um mestre na arte de preparar a iguaria. Jiro e seu restaurante, que acomoda apenas dez pessoas, ficaram conhecidos no mundo todo com o documentário Jiro’s Dream, que mostra o trabalho incansável do proprietário, com mais de 80 anos, na busca pelo sushi perfeito. Nesta última refeição, Bourdain se sentaria no balcão, comeria o melhor sushi do mundo e trocaria algumas gentilezas com Jiro. Também ousaria desagradá-lo pedindo um saquê caro em vez do chá sempre recomendado por Jiro, como contou ao The Guardian.

Para ler e ver Bourdain: no Brasil, Parts unknown é exibido atualamente pela CNN, aos domingos, às 19h50, como Lugares desconhecidos. A narração de Bourdain foi substituída pela voz de um apresentador local e as introduções são feitas pelo chef brasileiro André Mifano. A Companhia das Letras publicou quatro livros de Bourdain no Brasil:
Cozinha confidencial (2001)
Ao ponto (2011)
Maus bocados (2008)
Em busca do prato perfeito (2003)

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