Como ser um ícone fashion por décadas? Pergunte a Anjelica Huston

Seja em personagens inesquecíveis no cinema ou como embaixadora da Gucci, a atriz continua a ser uma referência de estilo. Em entrevista exclusiva à ELLE Brasil, Anjelica fala de moda, animais e redes sociais.


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Musa de Richard Avedon na década 1970, vencedora do Oscar em 1985, a mais sexy e elegante encarnação de Mortícia Addams nos anos 90, estrela do cineasta hipster Wes Anderson no século 21. Aos 69 anos, a atriz Anjelica Huston continua a ser uma referência no cinema e um ícone de estilo. Não à toa, foi escolhida para ser uma das embaixadoras da Gucci: ao lado da cantora Florence Welsh, da atriz Jodie Turner-Smith e da modelo e designer Susie Cave, ela está na nova campanha dos perfumes Gucci Bloom.

O filme de divulgação da nova fragrância da linha, Profumo di Fiori (que deve chegar ao Brasil em maio de 2021), foi dirigido por Floria Sigismondi e tem como cenário o complexo arquitetônico La Scarzuola, na Umbria, Itália. Construído em torno de um antigo convento franciscano pelo arquiteto Tomaso Buzzi, o local mistura estilos de diferentes épocas e tem um quê de surrealismo. A figura de Anjelica nesse ambiente fantástico, no entanto, parece perfeitamente natural. Em seus papéis no cinema ou no mundo real, afinal de contas, a vida dessa atriz passa longe da banalidade.

Anjelica cresceu numa imensa propriedade rodeada por bosques em Galway, na Irlanda. Seu pai, o lendário cineasta John Huston, voltava para casa carregado de presentes, entre uma filmagem e outra (quando Anjelica nasceu, ele estava em Uganda filmando Uma Aventura na África). A estreia no cinema aconteceu quando ela tinha apenas 17 anos, em Caminhando com o Amor e a Morte, sob a direção de John Huston. A experiência não foi das mais agradáveis e, em vez de seguir a carreira cinematográfica, ela enveredou pela moda e posou para inúmeros editoriais.

Foi durante seus anos como modelo que Anjelica conheceu Jack Nicholson, com quem teve um longo relacionamento de idas e vindas. Acabou voltando ao cinema e, em 1985, foi novamente dirigida pelo pai em A Honra do Poderoso Prizzi, estrelado por Nicholson. O filme levou um Oscar, mas a estatueta não foi para o diretor nem para o protagonista. Foi para a atriz coadjuvante Anjelica Huston, que ao longo da carreira ainda seria indicada mais três vezes ao Oscar e acumularia dezenas de outros prêmios. Da vilã chiquérrima de Convenção das Bruxas (que acaba de ganhar um remake com Anne Hathaway) à matriarca dos Royal Tenenbaums, ela não se prende a um papel: foram muitos personagens memoráveis em cinco décadas de carreira.

Em 1992, Anjelica se casou com o escultor Robert Graham, com quem viveu até a morte do artista, em 2008. Apaixonada por animais, ela mantém cavalos, galinhas, ovelhas, cachorros e outros bichos em seu rancho na Califórnia, perto do Sequoia National Park. Foi de lá, onde passou parte da quarentena acompanhada por uma caseira brasileira (“Cláudia faz feijões fantásticos!”, contou), que Anjelica deu a entrevista a seguir, por telefone.

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Florence Welsh (à esq.), Anjelica e Susie Cave (ao fundo) em cena da campanha.Foto Divulgação

Você usa perfume quando está sozinha? Para que ocasiões você recomendaria o Profumo di Fiori?

Eu uso perfume quando não estou no campo, porque aqui atrai insetos, mosquitos, e não é uma boa ideia. Mas, caso contrário, uso perfume todos os dias. Eu amo perfume e acho que Profumo di Fiori vai fazer bem parte do meu guarda-roupa. É adorável, tem bastante (notas) tuberosas, me faz lembrar dos perfumes do anos 60. É do tipo romântico, mas terroso.

Por falar nessa época: quando você era modelo, você foi uma musa para fotógrafos como Richard Avedon e agora você é uma das embaixadoras da Gucci. Qual o segredo para ser um ícone fashion por tantos anos?

Acho que quando você consegue estabelecer o que faz você se sentir confortável e o que lhe cai bem, talvez seja isso que faz você se tornar conhecido por um determinado estilo. Para mim, não há nada melhor do que um par de jeans, uma camisa branca, um par de botas caubói – você vai a qualquer lugar com eles. E um belo terno preto. Eu estava dizendo mais cedo, sabe, a melhor coisa em relação ao preto é que, quando você olha para fotos antigas, o preto sempre parece ok! Algumas vezes, vocês estava vestindo vestidos bobos ou estampas florais e não ficavam tão bem. Não gosto de pensar muito sobre isso, visto o que me agrada e tento não ficar indo atrás da última moda.

Que mudanças você enxerga na moda da época em que você trabalhava como modelo e atualmente?

Acho que, quando eu era modelo, a moda era mais convencional. Havia um monte de regras sobre isso. Pensando no dia-a-dia: nós não usamos meias-calças mais. Quando eu era modelo, você nunca saia sem meia-calça, era inconcebível. Acho hoje que é mais livre, mais solto. Não é tão ditado por tendências de moda, é mais uma combinação de coisas. Em algum ponto, sabe, as meninas estavam usando os vestidos da mãe e os sapatos do pai. Eu ainda sinto que é um pouco dessa forma. Acho que as coisas pareciam mais elegantes quando eu trabalhava como modelo, mas, você sabe, era minha época. Acho que provavelmente as garotas vão olhar para aqueles dias e dizer: “oh, o que eles estavam fazendo? O que é esse cabelo, esse estilo?” Mas eu gosto dos nossos looks, acho que ficávamos bem lindas. Tinha uma certa estética, não era tão casual.

Você cresceu em Hollywood e deve ter passado por situações difíceis. Você acha que é mais fácil ou pelo menos mais seguro ser uma atriz em Hollywood atualmente?

Sabe, eu sempre tive um sentimento em relação a isso. Acho que se as atrizes aprendem a dizer o que as deixa desconfortáveis, elas evitam algumas situações. Nunca senti que não estava segura, mas passei por umas duas situações esquisitas. Lembro que uma vez, em um estúdio na Itália, o fotógrafo pediu que eu tirasse a roupa e eu disse: “não, eu não faço isso”. Eu não tiro minhas roupas, simples. E nada aconteceu. Eu não gostei daquele momento, mas não senti que tinha que fazer aquilo, que alguma coisa poderia acontecer se eu não fizesse. Nunca estive em uma situação assustadora, em que não poderia escapar. E acho que tem muito a ver com ser bem honesta. Tipo: “não, eu não faço isso, eu não gosto disso. Então, por favor, não faça isso”. Acho que muitas garotas sentem como se elas tivessem que fazer algo e entram em enrascadas.

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O diretor criativo da Gucci, Alessandro Michele, com Anjelica, nos bastidores da filmagem da campanha.Foto Divulgação/Gucci

Os padrões de beleza estão se tornando mais inclusivos. Não são mais tão eurocentrados, estão mais flexíveis em relação ao peso das pessoas. E sobre o envelhecimento? Essa inclusão também inclui mulheres acima dos 60?

Sim, acho que sim! E acho que há muito mais tolerância para pessoas com 60 anos ou mais. Havia esse tipo de delimitação do que é velho e do que é jovem. (Agora) Pode não ser tão elegante nem tão chic, mas é mais relaxado. Mesmo eu não sendo apaixonada por esse estilo casual, acho que é um ótimo equalizador para mulheres. Não ter que estar sempre tão arrumadinho facilita para as pessoas. E também não delimita ricos e pobres. Você costumava realmente ter uma ideia de quais eram as circunstâncias sociais e monetárias das pessoas pelas roupas. Agora, não funciona mais assim e acho que isso é uma boa coisa.

Você está novamente em um filme de Wes Anderson, French Dispatch (que teve a estreia adiada para 2021). Como é trabalhar com ele?

Eu adoro trabalhar com Wes. Não estou nesse filme, só faço a narração para um trecho dele. Pelo menos ele me pôs na lista de novo, porque não trabalhávamos juntos há algum tempo. Eu queria ter feito Grande Hotel Budapeste e não pude na época. Espero trabalhar com ele novamente de novo em breve.

Há bastante pressão para que as celebridades se posicionem em relação ao racismo. Como você lida com isso e o que acredita que os artistas podem fazer para combater o racismo?

Acho que ninguém deve ser forçado a fazer algo que não queira. Como eu me sinto em relação ao racismo? Eu o desprezo e acho que não há lugar para isso na sociedade moderna, isso me enoja. Por outro lado, acho que há pessoas que não podem registrar seu desconforto ou desgosto, e tudo bem. Mas eu sou bocuda, eu falo. Eu não posso estar num ambiente em que vejo esse tipo de coisa acontecendo.

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Da esq. para a dir.: Anjelica, Jodie Turner-Smith, Floria Sigismondi e Susie Cave.Foto Divulgação/Gucci

Você não tem conta no Instagram nem é assídua no Twitter. Você se sente pressionada para ser mais presente ou ativa nas mídias sociais?

Sim, pressionam. Mas acho que tem um monte de mídias sociais, tem um monte de falatório e eu não sei se preciso ou quero contribuir para isso. Acho que boa parte disso é um grande desperdício de tempo. Já acho difícil ficar ao telefone muito tempo, do jeito que eu costumava. Eu costumava passar muito tempo ao telefone com minhas amigas, falando, falando. Agora gosto de usar meu tempo – talvez porque sinta que eu não tenha todo esse tempo mais –, produzindo e sendo mais ativa na minha vida. E não desperdiçar tanto tempo falando, criticando… Além disso, nós temos um grande usuário do Twitter como presidente, e as coisas que vejo ele dizendo me tiram a vontade de entrar lá. Não quero ler aquilo, não quero assistir.

Você é bem ativa na defesa dos animais, especialmente chimpanzés, certo?

Sobre os chimpanzés, é porque eles estavam sendo usados para experimentos em animais, o que era antiquado e não era mais necessário. Eles eram mantidos em jaulas com área minúscula, nas mais horríveis condições, em laboratórios, onde eram usados das mais terríveis maneiras. Foi uma coisa que realmente mexeu com meu coração, não aguento crueldade com animais. Crueldade com animais é tão ruim quando crueldade com criança ou crueldade com outra pessoa. De alguma forma, é até pior, porque os animais são incapazes de responder, não têm voz, é só sofrimento. O fato de as pessoas não serem responsabilizadas por isso é tão revoltante e tão desumano. Não posso ver algo assim e deixar que aconteça. Sou muito crítica em relação a disso. E sou crítica a respeito de qualquer crueldade. Há esses gophers (roedores subterrâneos que se parecem com esquilos) no meu lindo jardim, que tem um adorável gramado verde. Chamei uma companhia para me livrar deles, mas eles queriam colocar veneno sob a terra. Eu falei: “O que você quer dizer com colocar veneno sob a terra?” E eles falaram: “Bom, é assim que a gente se livra dos roedores”. Eu falei: “Desculpe, prefiro meu gramado detonado”. Não vou pôr veneno sob o gramado, é loucura. E as pessoas apenas não pensam e não percebem que com atos como esse estão envenenando o mundo inteiro. Não estão matando apenas roedores, estão matando a eles mesmos, matando outros animais, matando gatos. Não é só estúpido, é pecaminoso.

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A linha Gucci Bloom. A nova fragrância tem lançamento previsto para maio de 2021 no Brasil.Foto Divulgação/Gucci

Você tem planos de trabalhar como diretora novamente? Há alguma história que você gostaria de contar?

Sim, eu fui convidada, na verdade, para dois projetos que estou estudando agora. Não vou dizer do que se trata, mas estou pensando sobre isso.

Uma última curiosidade: onde você guarda seu Oscar?

Guardo meu Oscar no meu escritório particular em Los Angeles. E ele me faz sentir bem toda vez que olho pra ele.

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