O trânsito livre de Dadi Carvalho pela MPB
Em 50 anos de trajetória, o multi-instrumentista fez história nos Novos Baianos, Tribalistas, nos palcos de Jorge Ben, Caetano Veloso e Marisa Monte, além da sua própria banda, A Cor do Som, que concorre ao Grammy Latino. Em versão solo, ele lança seu terceiro álbum, Todo vento.
Mais de 50 anos de música e o vento continua a soprar a favor do baixista e multi-instrumentista Dadi Carvalho. Esse “carioca de coração claro”, na definição de Caetano Veloso, é considerado uma “unanimiDadi” da música brasileira. A tradução é de Roberto de Carvalho que explica o elogio: “Todo mundo adora o Dadi. Como pessoa, como artista, como um ser de luz que sempre incorpora um pirlimpimpim à nossa existência”. Dadi descobriu aos 13 anos sua vocação profissional ouvindo Samba esquema novo, de Jorge Ben. Aos 18, em um encontro histórico que envolveu talento e sorte, foi escolhido como o baixista original dos Novos Baianos. Poucos anos mais tarde, aos 20, já começava a viajar o mundo com seu maior ídolo, Jorge Ben. E a linha seguiu ascendente. É um dos criadores da banda A Cor do Som, ao lado do seu irmão, o tecladista Mú Carvalho. E há 30 anos tornou-se parceiro e amigo inseparável de Marisa Monte e dos Tribalistas.
Dadi participou de discos e momentos antológicos da música brasileira, registrados em sua discografia e no livro Meu caminho é chão e céu, lançado em 2015, livro de memórias que escreveu contando sua trajetória de forma leve e espontânea, como seu som. Acabou chorare, dos Novos Baianos, África Brasil, de Jorge Ben, Circuladô vivo, com Caetano, Frutificar, com A Cor do Som, Barulhinho bom, de Marisa Monte. Na calada da noite, com Barão Vermelho, Balacobaco, com Rita Lee, são algumas preciosidades de seu currículo musical.
Foto: Divulgação/Leo Aversa
Aos 69 anos, ele está lançando seu terceiro disco solo, Todo vento. A maior parte do álbum foi gravado em sua casa, na Gávea, no Rio de Janeiro, em seu estúdio particular. “Eu venho fazendo há um tempo esse disco, com muita liberdade, o que me deixa feliz”, afirma. “Tenho meus teclados, minhas guitarras, meu amplificador, tudo o que preciso para gravar um som de boa qualidade. E, depois, fui para um estúdio e chamei o Paulinho Braga (baterista da banda do Tom Jobim) para gravar a bateria comigo. Ele ia fazer uma faixa e acabou gravando três.” É um disco fluente, para ouvir e reouvir. Três faixas são parceria de Dadi com Arnaldo Antunes. “Arnaldo é um grande parceiro, sou muito fã dele”, diz. “A gente vem trabalhando nas músicas, fazendo esboços há uns quatro anos e agora demos o finalmente.”
Outro ex-titã, Nando Reis, escreveu a apresentação do disco. “Nando é um irmão. Ele é muito fã dos Novos Baianos. Foi ele quem falou para a Marisa me chamar para tocar com ela, em 1994.” Para Nando, a ficha técnica do disco dá uma dimensão da “magistral rede de amigos, de inúmeros círculos e dialetos” de Dadi. “Para fazer um disco como esse é preciso ter senso e espírito, e Dadi é um polo aglutinador, uma enzima, um dínamo, homem nuclear e orbital. Ouvir música é ato solitário, individual e inalienável, mesmo quando feito em conjunto, na sala, no carro, na beira do palco. Ouçam e aproveitem. Poderia até dizer: ouçam e aprendam”, escreveu Nando.
Em show dos Novos Baianos, em 1972.Foto: Arquivo pessoal
A música-título, “Todo Vento”, uma das parcerias com Arnaldo, traduz bem a relação de Dadi com a música e com sua vida. “Estou indo com o vento até hoje. Na música, no meu casamento, tudo vai fluindo”, diz. O multi-instrumentista está casado há mais de 50 anos com Leilinha, que conheceu na época que estava ingressando nos Novos Baianos e logo a levou também para o sítio onde morava o grupo, no Rio de Janeiro. Juntos, têm dois filhos que, para a alegria de Dadi, trabalham na música: o engenheiro de som, Daniel Carvalho, e o cantor e compositor André Carvalho. E já têm dois netos, filhos de Daniel com a empresária e chef de cozinha Carol Antunes, Nina e Miguel, que dividem com a música grande parte do seu tempo e dedicação, assim como a pintura, seu hobby favorito.
Abaixo, alguns dos principais trechos da nossa conversa com este baixista solar (sol em leão com ascendente em leão), o Leoãozinho de Caetano e do Brasil.
A trajetória na música:
“Maravilhosa, no sentido de que era o que eu queria, foi o que procurei. Como eu imaginava, tive e tenho momentos incríveis, a música me levou para o mundo inteiro. Conheci vários países, toquei em palcos como o Olympia, em Paris, onde Beatles e Rolling Stones se apresentaram; em Londres, em lugares onde Jimi Hendrix tocou. Quando tinha 20 e poucos anos, viajei demais com Jorge Ben. Para o Japão, já fui cinco vez, a primeira com a Marisa (Monte). Nesse sentido, não posso reclamar, pois a música me deu tudo o que tenho. Mas é uma luta, poderia ter mais de grana. Nada é perfeito, a gente vai resolvendo os pepinos aqui e ali.”
Com Paula Lavigne, Caetano Veloso e o músico Jaques Morelenbaum, na Bélgica.Foto: Arquivo pessoal
Trabalho solo:
“Adoro tocar com banda e com pessoas que admiro, como a Marisa, o Jorge, o Caetano e os Novos Baianos. Mas como sou tímido, até na minha própria banda, A Cor do Som (que concorre ao Grammy Latino com o álbum Rosa), eu fico mais na minha. No meu trabalho solo, posso fazer do jeito que eu quiser. Se eu errar, não tem problema. Me dá uma liberdade muito grande e preciso disso. Lógico que sempre acho que poderia ter feito muito melhor, nunca estou satisfeito.”
Influências:
“A bossa nova que minha irmã escutava, a música erudita que minha mãe ouvia e o rock’n’roll, quando eu tinha 13, 14 anos, e vieram Beatles, Rolling Stones, The Who. Quando Jimi Hendrix apareceu, foi outra virada total, a Tropicália, Caetano, Gil, Mutantes. Tudo está na minha cabeça e, quando vou tocar, as coisas todas vêm na onda que eu toco.”
Novos Baianos:
“Fui fazer uma audição com Pepeu (Gomes), Moraes (Moreira), (Luiz) Galvão, Paulinho Boca e Baby (do Brasil). Pepeu e eu temos a mesma idade e as mesmas influências, basicamente Jimi Hendrix. A gente tinha a mesma pegada. Por isso que a gente se identificou e logo deu certo eu me tornar o baixista dos Novos Baianos. Isso eu conservo até hoje.”
Formação:
“Sou um músico mais de intuição. Aprendi na estrada. Meu sonho era poder estudar música, mas nunca estudei formalmente. Com 19, 20 anos, estava sempre viajando com os Novos Baianos e depois com o Jorge. Ele é um cara de muito improviso também. A música vai o levando para um lugar, como se fosse jazz, uma coisa mais solta. Comigo as coisas também podem fluir para vários lados, me identifiquei. Cada vez que eu toco sai de um jeito, nunca é igual…”
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As memórias de Dadi:
Samba esquema novo: “Foi a vacina que me transformou em músico, quando ouvi aos 11 anos!”
Jorge Ben ontem, hoje e amanhã: “Ídolo, meu padrinho de casamento e meu band leader.“
O sítio dos Novos Baianos: “Minha universidade de música e de vida, aprendendo a dividir!”
Rock’n’roll: “Desde os 13 anos, tudo pra mim (até hoje!). Stones, Who, Beatles, Traffic e o meu mestre, Jimi Hendrix!”
50 anos de música: “Aprendendo sempre! Música é meu remédio.”
50 anos de casamento: “Aprendendo sempre! Leilinha é meu remédio!”
A estrada: “Meu avô Augusto, que era meio bruxo, leu minha mão quando eu tinha 15 anos e disse: ‘Dadi, estou vendo que você vai viajar muito com seu trabalho’, e isso aconteceu mesmo!”
Cinco vezes no Japão: “Sou apaixonado pelo Japão e pelo povo japonês! Temos muito a aprender com eles.”
Um lugar no mundo: “Apesar de tudo… Rio de Janeiro!”
O estúdio em casa: “Tem uma comédia de super-heróis em que cada um tem um poder e um deles têm o de ficar invisível, mas ele só consegue isso quando ninguém está olhando… Adoro gravar sozinho no meu estúdio caseiro!”
O jazz e o improviso: “Os músicos de jazz sabem tudo, o show de Miles Davis no Canecão (em 1987) foi inesquecível!
Caetano e Leãozinho: “Quando ouvi Caetano cantando ‘Alegria, alegria’, no Festival da Canção, e depois ‘É proibido proibir’ foi muito forte! Meu amigaço e padrinho de casamento junto com Ben Jor.”
Ser tribalista: “É sempre maravilhoso estar em estúdio ou em shows com Marisa, Brown e Arnaldo!”
Sua vizinha Marisa Monte: “Marisa é um encontro maravilhoso que aconteceu comigo!”
Compor com Arnaldo Antunes: Arnaldo, um dos maiores poetas brasileiros, de uma gentileza incrível, um humor maravilhoso e uma inteligência certa e rara!”
A cor do seu som: “As que pintam!”
Pintar é: “Igual a fazer música.”
Filhos na música: “Muito orgulho do talento dos dois!”
Vovô Dadi: “Completamente apaixonado!”
Vida na pandemia: “Terminar de gravar meu disco ‘Todo Vento’, cozinhar e respirar para melhorar a angústia do que passamos no Brasil…”
Sua mensagem para o mundo: “Imagino Deus passando uma peneira bem fina sobre a Terra para levar toda gente ruim para outro lugar no infinito!”
Um grito político: “Socorro!”
Está ventando para onde? ” Vento me distrai, me carrega pra onde vai…” (Arnaldo Antunes)
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